Depressão

20 de agosto de 2020, 15:30

Por Luís Costa Pinto

     Cada acréscimo estatístico só é contabilizado depois de uma cerimônia singular, executada mentalmente: lembrar um, dois, no máximo três momentos particulares protagonizados com a vítima.
     A primeira morte de alguma forma correlata à pandemia ocorreu cedo ainda, em fins de abril. Foi resultado daquilo que se pode chamar de dano colateral desse evento distópico: o desequilíbrio emocional. Em pânico com a solidão curtida no Rio de Janeiro nos primeiros 40 dias da árida quarentena, uma amiga que sairia em breve da licença-maternidade entrou em paranoia, abraçou o bebê de seis meses e pulou do 35º andar. A mãe temia o mundo que apresentaria ao filho.
     A mais recente perda chegou-me como um soco, na última terça-feira, na hora do almoço. Num breve comunicado em seu perfil no Facebook um jornalista do Recife noticiava a morte de um amigo comum, Beto Rezende, 60 anos: Covid-19. Beto foi mal diagnosticado depois de um périplo por três UPAs e retardou o início do tratamento. Internou-se domingo, morreu na terça-feira ainda muito cheio de vida.
     Entre uma e outra tragédia, outras duas dezenas delas tão próximas de mim ou dos meus. Irmã e cunhado, médicos, contam meia dúzia de amigos também médicos que morreram em razão do coronavírus. Três pessoas próximas, em Brasília, no Recife e em São Paulo, não suportaram o massacre da intubação e também se foram semanas depois de darem entrada em UTIs.
     A espiral da morte cresce de forma exponencial e gestores públicos despreparados para o comando, como Jair Bolsonaro ou Ibaneis Rocha, governador do Distrito Federal, preferem maquiar os números e brigar com os índices de letalidade a administrar com alguma humanidade e sabedoria o avanço de todo o mal.
     Senti-me perturbado, nos últimos dias, ao constatar que na últimas 72 horas havia distribuído mais condolências e votos de “força-e-fé” do que cumprimentos de “olá-como-vai?”. Não fomos feitos para isso. O medo e a incerteza revogaram a esperança e o olhar à frente. Devastador, o Covid-19 ensinou-nos que há muitas formas de asfixia, e todas elas são letais. Tornou-se corriqueiro capturar olhares por trás das máscaras e perceber que se mergulharmos dentro deles encontraremos almas precisando respirar.

Escrito por:

Jornalista

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