Fundação Casa de Ruy Barbosa terá Capitão de Mar e Guerra no comando

23 de setembro de 2020, 22:28

Ruy Barbosa certamente vai se revirar no túmulo. Na qualidade de senador de 1890 a 1891, o jurista subiu à tribuna, certa vez, para repudiar que os militares aspirassem à Presidência da República. Em 1909, ele próprio se lançou candidato presidencial só para tentar impedir a vitória do marechal Hermes da Fonseca, o escolhido da elite política. Segundo Ruy, um militar no poder inevitavelmente levaria o país à ditadura, tal como havia feito o marechal Floriano.

— As nações, senhores, não armam os seus exércitos para serem escravizadas por eles. As nações não fazem os seus marechais para que eles venham a ser na paz os caudilhos de facções ambiciosas — afirmou, conforme descrito no portal da Agência Senado.

E o que diria ele, ao saber que hoje, não só temos um ex-militar no poder, como este nomeará (o nome está escolhido, falta a publicação no Diário Oficial), para presidir a casa que foi sua, um Capitão de Mar e Guerra? Sim, Bolsonaro nomeará para o cargo, hoje ocupado pela roteirista de TV, Letícia Dornelles, o Capitão de Mar e Guerra José Henrique Corbage Rabello.

 Fosse Ruy Barbosa contemporâneo de Rabello e talvez pudesse socorrê-lo com os seus serviços advocatícios, em tempos recentes. Isto porque em 2012 o Capitão de Mar e Guerra, indicado, foi arrolado em um processo levado a julgamento em 13/6/daquele ano, sob a acusação de ter “violado, em tese, a norma contida no art. 303 do CPM (crime de Peculato), pois, na condição de Capitão dos Portos, (no Paraná) alienou um gerador doado à CPPR, que estava em sua posse, em proveito dos dois empresários também denunciados (Guilherme Renato da Silva Girardi e Alcione Cezar de Almeida Pires)”, conforme a peça do Supremo Tribunal Militar, em que foi relator o ministro Alvaro Luiz Pinto e o requerente o Juízo da Auditoria da 5ª CJM.

Por sorte, o STM concluiu por “desaforar” (tirar do foro), pedido formulado pelo Juiz-Auditor da Auditoria da 5ª CJM, “com fundamento no art. 109, alínea c, e parte final da alínea c, do seu § 1º, tudo do CPPM, da Ação Penal Militar nº 25-45.2015.7.05.0005/PR”, na qual figurava como acusado o Capitão Henrique Corbage Rabello.

O juiz-auditor recebeu a denúncia em 17 de agosto de 2017 e vislumbrou a “inexistência de Oficiais daquela Força Armada para compor o Conselho Especial de Justiça, apto a processar e julgar os denunciados naquela área de jurisdição, em razão da análise da lista trimestral de Oficiais em serviço da Marinha do Brasil existente no Juízo da 5ª CJM”.

No dia 30/8/2017, foram protocolados ofícios endereçados ao Comando do 8º DN (Distrito Naval), encaminhando nova relação com os nomes dos Oficiais em condições de serem sorteados Juízes-Militares para o CEJ (fls. 48/51 dos autos principais), em resposta à nova requisição do Juiz-Auditor da 5ª CJM. Porém, o douto Magistrado fundamentou seu requerimento alegando:

“(…) Existirem atualmente apenas 2 (dois) Oficiais – Capitães de Mar e Guerra – em condições de participarem do sorteio destinado à composição do Conselho especial de Justiça para o presente feito e que tal número é insuficiente para a constituição de um Conselho Especial de Justiça.”

A Procuradoria-Geral da Justiça Militar, no parecer do Subprocurador-Geral da Justiça Militar Dr. Cezar Luís Rangel Coutinho, acatou o acolhimento do pedido de “desaforamento” e, assim, o processo acabou extinto, sem que fosse nem mesmo aberto um inquérito administrativo para averiguar o que se passava no Porto do Paraná, sob o comando do Capitão de Mar e Guerra Corbage Dornelles. Isto, quando nós sabemos que os portos são locais de grande “movimento”.

Corbage, vai substituir Letícia Dornelles, que vinha se atritando com a equipe da casa desde que assumiu e destituiu dos cargos de coordenação de pesquisa, cinco nomes respeitados por todo o meio acadêmico. O afastamento dos coordenadores suscitou, inclusive, manifesto assinado por pesquisadores e nomes internacionais, dentre eles, o historiador James Green, especializado em ditadura brasileira e, no momento, escrevendo sobre o período da República, com base em documentos que buscou na Fundação Casa de Ruy Barbosa.

No dia 9 de setembro, numa tentativa de amainar os ânimos, foi organizada uma reunião on line em que participaram alguns dos ex-presidentes —Marta de Senna, José Almiro de Alencar e Lúcia Maria Velloso de Oliveira—, os professores universitários Ana Maria Camargo e Pedro Meira Monteiro, o advogado Técio Lins e Silva, membro do Conselho Consultivo da Casa de Rui Barbosa, e os deputados federais Marcelo Calero, do Cidadania fluminense, Daniel Silveira, do PSL fluminense, Camilo Capiberibe, do PSL do Amapá, Benedita da Silva, do PT PT fluminense, e Jandira Feghali, do PCdoB fluminense.

O conteúdo da reunião foi reproduzido pelo jornal Folha de São Paulo. No encontro veio à baila a informação de que o governo estaria, inclusive, pensando em extinguir a Fundação Casa de Ruy Barbosa e transformá-la num museu, que ficaria vinculado ao Instituto Brasileiro de Museu (Ibran). A proposta, cogitada em maio, foi arquivada dois meses depois. Dizem as más línguas, que pelo choro copioso da presidente Letícia Dornelles, diante do ministro do Turismo.

Agora, porém, tudo leva a crer que a roteirista terá de alterar o curso da história e preparar-se para o “the end”. O comando da Casa de Ruy – o que quer que ele considerasse disto -, passará para o “comando” do CMG Corbage Rabello, que poderá passear pelos jardins de Ruy e, diante do laguinho defronte à casa cantarolar: “Ó cisne branco que em noite de lua…”

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *