A prisão domiciliar de uma foragida vale cargo no STF?

10 de julho de 2020, 14:39

É difícil saber o que é mais inacreditável. Se a decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, de conceder prisão domiciliar a uma foragida da Justiça para que ela possa ficar em casa cuidando do marido doente ou se a naturalidade como os políticos e parte da Imprensa encara o fato ao avaliar que, com isso, Noronha “se cacifa” para uma vaga de ministro do Supremo tribunal Federal (STF). As duas opções revelam a falência da lógica e a vitória da desfaçatez. É o Brasil.

Ao julgar o habeas corpus impetrado pela defesa de Fabrício Queiroz, o amigo, ex-assessor e sabe-tudo dos Bolsonaro, o presidente do STF se esmerou. Não apenas mandou Queiroz cumprir a pena em casa, por estarmos numa pandemia e ser o preso um paciente de câncer, como estendeu o benefício à mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, procurada pela polícia desde 18 de junho, data em que o marido foi preso.

Noronha é bem quisto no Governo Bolsonaro e na família do presidente. Vai a posses de ministros e é citado, praticamente, como aliado. Queiroz e Márcia são os píncaros do esquema das “rachadinhas” que deixa o senador Flávio Bolsonaro – deputado estadual, na época do escândalo – no centro de um crime. O casal também está envolvido em tenebrosas transações que envolvem relações com milicianos, inclusive os matadores da vereadora Marielle Franco. Um emaranhado que deixa de mãos dadas uma legião de políticos, autoridades, assessores, assassinos, mandantes, corruptos e corruptores.

O benefício ao casal já causa estranheza, em si. Quantas detentas deixaram maridos e filhos doentes em casa e, pelo mesmo raciocínio do presidente Noronha, poderiam pegar uma domiciliar para ficar em casa tratando dos seus enfermos. Seria o caso de mandar todas pra casa? E quantos presos de amontoam nas prisões de norte a sul do País, se contaminando com o Corona vírus e morrendo por Covid-19? Não mereciam o mesmo tipo de decisão?

A indicação ao STF é do presidente Jair Bolsonaro, como se sabe. Tudo bem que as nomeações e promoções feitas por Bolsonaro não levam mesmo em conta um currículo primoroso (mesmo que fictício, como tem sido) ou um preparo para o cargo, como no manco Ministério da Educação. Agora, assistir no noticiário, candidamente, que ter facilitado a vida de dois acusados da Justiça – o marido preso e a mulher, foragida – “cacifa” o presidente do STJ a um cargo no STF, isso é de deixar pasmo qualquer jurista com o mínimo de distanciamento do caso.

Escrito por:

Jornalista e compositor, com passagem por veículos como o Jornal do Commercio (PE) e as sucursais de O Globo, Jornal do Brasil e Abril/Veja. Teve colunas no JC, onde foi editor de Política e Informática, além de Gerente Executivo do portal do Sistema JC. Foi comentarista político da TV Globo NE e correspondente da Rádio suíça Internacional no Recife. Pelo JC, ganhou 3 Prêmios Esso. Como publicitário e assessor, atuou em diversas campanhas políticas, desde 1982. Foi secretário municipal de Comunicação. Como escritor tem dois livros publicados: "Bodas de Frevo", com a trajetória do grupo musical Quinteto Violado; e "Onde Está Meu Filho?", em coautoria, com a saga da família de Fernando Santa Cruz, preso e desaparecido político desde 1973. Como compositor tem dois CDs autorais e possui gravações em outros 27 CDs, além de um acervo de mais de 360 canções com mais de 40 músicos parceiros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *