Zanin tem que decidir se Brasil é país soberano ou república de bananas

4 de agosto de 2025, 17:09

Nota do editor: O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (4) a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL), proibiu visitas e mandou apreender celulares na casa do ex-presidente. A Polícia Federal fez buscas no local e recolheu um aparelho.

Agora, o artigo:

O ministro Cristiano Zanin terá de decidir sobre a validade no Brasil de sanções estadunidenses aplicadas contra o ministro Alexandre de Moraes com base na famigerada Lei Magnitsky.

Se o Supremo Tribunal Federal reconhecer, direta ou indiretamente, o direito de os bancos brasileiros e estrangeiros fecharem contas correntes do ministro Alexandre de Moraes em território nacional por determinação de outro país, vai ser criada uma situação de cancelamento da lei brasileira como sendo aquela que vale no Brasil.

E o exemplo virá num caso muito significativo. O Supremo vai lavar as mãos diante da sanção estrangeira contra um de seus próprios membros?

Se isso ocorrer, será o caso mais evidente de rendição, um tiro no próprio pé, com amplas repercussões em outras áreas e abalando a ideia mesma de soberania nacional.

O jurista Pedro Serrano chama atenção para o artigo 17 da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que estabelece que leis, atos e sentenças de outros países, assim como declarações de vontade, não têm eficácia no Brasil se ofenderem a soberania do país.

Não pode haver situação mais clara do que esta, quando a ação de um país estrangeiro visa explicitamente limitar ou impedir decisões da justiça do Brasil. Justo quando o país é  reconhecido por não se dobrar a pressões e ameaças do governo de Donald Trump.

A forma como o governo dos Estados Unidos tem sancionado o juiz Alexandre de Moraes merece ser encarada como o que de fato é: uma interferência em assuntos internos brasileiros.

O governo e a justiça brasileira não podem transigir neste momento. Diante da agressão, é necessária uma resposta firme e clara, sem tergiversações. Sanções econômicas e diplomáticas devem ser reservadas a casos extremos, como guerras. Elas estão sendo usadas para tentar impor uma validade legal planetária a leis dos Estados Unidos, destinadas a submeter qualquer país aos interesses da Casa Branca.

O Brasil tem diante de si uma tomada de decisão que implica declarar-se uma nação independente e soberana ou aceitar reduzir-se a uma republiqueta de bananas. Era o que faltava: um juiz de alta corte brasileira ter bloqueada, por ordem da Casa Branca, sua conta no Banco do Brasil, por exemplo. Que humilhação seria maior do que essa?

Se o Brasil se curvar agora, o precedente criará uma situação que valerá como um passe livre para que interesses do governo estadunidense e de suas empresas se imponham não apenas neste caso mas em muitos outros, como nas plataformas e infraestruturas digitais, nos sistemas financeiros, no comércio internacional, na associação livre do Brasil a blocos comerciais e geopolíticos, enfim, tudo terá de ser autorizado por Washington. E pior, com o precedente cúmplice aprovado pela própria Suprema Corte brasileira.

O Brasil é agora, portanto, um campo de testes da interferência global dos Estados Unidos.

Em decadência, o império recrudesce seus ataques. Na semana passada, a Casa Branca sancionou, pela primeira vez, uma relatora de direitos humanos da ONU, congelando seus ativos e confiscando visto de entrada da italiana Francesca Albanese. As sanções se devem ao fato de que a relatora denunciou, após investigação documentada, a existência do genocídio cometido pelo governo supremacista de  Benjamin Netanyahu contra a população palestina em Gaza. O governo italiano silenciou-se diante das sanções contra sua cidadã. 

O mundo testemunha a imposição de um poder global sem regras nem limites. Se não for rechaçado, Trump busca dar a si a condição de “imperador do mundo”, na definição genialmente simples cunhada pelo presidente brasileiro.

A importância da decisão a ser tomada por Zanin precisa ser pensada no quadro mais geral das transformações e circunstâncias que marcam o período histórico brasileiro desde a eleição de Lula em 2022.

A revolução política e social (confira os avanços, o mais recente sendo a retirada do Brasil do mapa da fome) ali iniciada tem sido minimizada à direita, como era de se esperar, mas também pela esquerda. Não é raro que haja cegueira diante de conjunturas transcendentes.

Os desenvolvimentos políticos dessa revolução aproximam-se de novo episódio decisivo, o julgamento e condenação dos núcleos de comando do evento mais marcante do período, a intentona golpista, que previa assassinato de autoridades, e a resistência a ela.

Como em todas as revoluções passadas e recentes, traidores bandearam-se para o lado adversário, incitando inimigos das mudanças políticas e sociais a intervir no país.

Em atos de desespero contra o inexorável e inédito encarceramento dos golpistas, a ação desses criminosos e seus aliados pode levar a revolução, ainda que involuntariamente, a expandir-se para domínios mais amplos, redefinindo com mais nitidez a autonomia do Brasil diante da potência hegemônica. Pela primeira vez na história.

  • Imagem do ministro Cristiano Zanin, ministro do STF. Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Escrito por:

Jornalista, diretor da Casa do Saber, ex-secretário de Redação e ex-ombudman da Folha, ex-ombudsman da Folha e do iG. Knight Fellow da Universidade de Stanford. Doutor em Letras Clássicas pela USP

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