Em resposta ao golpe, a democracia na Argentina tem um novo nome: Cristina Libre

13 de junho de 2025, 21:04

A recente condenação da ex-presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner no caso Vialidad representa mais um exemplo claro de lawfare patrocinado pelo poder econômico, uma prática que transforma a justiça em arma política para eliminar líderes progressistas. A sentença não se baseia em provas concretas que liguem Cristina diretamente aos supostos crimes, mas sim em uma narrativa construída por setores empresariais, judiciários e por uma mídia (Clarín e La Nación) fétida, alinhada ao massacre econômico exercido pelo governo Milei. 

O caso gira em torno de supostos desvios em obras públicas na província de Santa Cruz, mas Cristina nunca foi diretamente responsável pela execução desses projetos, que foram aprovados pelo Congresso e administrados por órgãos públicos.

Panfletagem nas ruas de Buenos Aires com a palavra de ordem dos peronistas: “Cristina Libre”

Cristina, atual presidente do Partido Justicialista (PJ), principal força de oposição ao governo de Javier Milei, foi sentenciada a 6 anos de prisão domiciliar e inabilitação perpétua para cargos públicos, justamente quando já se lançara como candidata a deputada nas eleições legislativas de setembro próximo.

A ausência de provas diretas não impediu que a Suprema Corte argentina confirmasse a sentença, mesmo diante de denúncias de parcialidade envolvendo juízes que mantêm relações de amizade com políticos opositores, como Mauricio Macri. 

Esse padrão não é novo. O lawfare tem sido usado como ferramenta de desestabilização política na região, substituindo os golpes militares por mecanismos jurídicos e midiáticos para afastar governos que desafiam buscam distribuir renda em benefício dos mais pobres. O Brasil viveu isso em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, justificado por “pedaladas fiscais” – uma conduta contábil que nunca foi considerada crime antes. O objetivo real era interromper seu governo e abrir caminho para um projeto neoliberal. Da mesma forma, a condenação de Cristina Kirchner visa neutralizar a principal voz de oposição ao governo de Javier Milei, que impõe um ajuste econômico brutal contra os setores mais vulneráveis da população. 

A história recente da América Latina está repleta de casos semelhantes. Em Honduras, Manuel Zelaya foi deposto em 2009 por tentar reformas progressistas. No Paraguai, Fernando Lugo sofreu um impeachment relâmpago em 2012. Na Bolívia, Evo Morales foi forçado a renunciar em 2019 após um golpe apoiado pela OEA. Em todos esses episódios, a justiça e a mídia cumpriram um papel central na deslegitimação de líderes eleitos democraticamente. 

A condenação de Cristina Kirchner não é sobre justiça, mas sobre uso da justiça como arma. É uma manobra para garantir que a direita neoliberal governe sem oposição, com base em decretos publicados sem consulta ao legislativo, usando o aparato judicial como instrumento de perseguição. Se no passado os golpes eram feitos com tanques nas ruas, hoje são executados em tribunais e redações de meios de comunicação. A democracia na América Latina só sobreviverá se houver resistência organizada contra essa estratégia. Em razão deste golpe, Cristina é agora o símbolo e ponto de união da resistência. O lawfare não é uma exceção – é a nova regra do jogo político na região. A exemplo do que ocorreu com a prisão de Lula no Brasil, a luta política assume uma outra etapa na Argentina. Agora, democratas antes dispersos se unem sob uma demanda: Cristina Libre.

Imagem da ex-presidente da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner, quando acenava após fazer um discurso na Revolução de Maio. Foto: Toas Cuesta/AFP

Escrito por:

Jornalista, diretor da Casa do Saber, ex-secretário de Redação e ex-ombudman da Folha, ex-ombudsman da Folha e do iG. Knight Fellow da Universidade de Stanford. Doutor em Letras Clássicas pela USP

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