Congresso invisível: lobbies dominam bancadas subterrâneas, que ignoram partidos e eleitores, jogando um “poker face” com o Planalto

10 de julho de 2025, 23:28

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem encontrado dificuldades infernais para impor suas pautas de interesse no Congresso Nacional – trevas sustentadas, longe dos holofotes e microfones e do Salão Verde, pelo lobby de um número crescente de bancadas subterrâneas, que não foram eleitas nas urnas, e sequer são agrupamentos legítimos, proporcionais ao nosso sistema pluripartidário. Por mais que o presidente Lula teime em negociar com os novos fantoches do Congresso, atualmente os titiriteiros Davi Alcolumbre e Hugo Motta, figuras minúsculas, esquarteje seu ministério numa frente ampla ideologicamente incompatível com as bases históricas de um governo de centro-esquerda, e, porta do inferno, mantenha o toma-lá-dá-cá da liberação de emendas parlamentares, não há saída se você lida com um Congresso paralelo, que não obedece a líderes partidários, alianças políticas ou acordos com o Planalto. Valem somente os interesses empresariais e industriais – e, claro, os religiosos, hoje também organizações financeiras. Já se fala em uma “coalização” de frentes – o sinal para o Anticristo descer no Parlamento.

“Quem são aqueles?”, perguntei ao mestre.
” Tu saberás no seu devido tempo, quando tivermos chegado à orla triste do Aqueronte”, respondeu, secamente.

Aqueronte é o primeiro dos rios que cruzam o Inferno. Nesse caso, não é invenção de Dante Alighieri, é citado na Eneida de Virgílio e na Odisséia de Homero.

“Deixai toda esperança, vós que entrais”, inscrição na porta do inferno de Dante Alighieri, na primeira parte da Divina Comédia. Reprodução da foto da escultura de Auguste Rodin, exposta no Musée d’Orsay, em Paris.

Essa fragmentação parditária do Congresso, dividido não por seus votos ou interesses pertidários, mas em lobbies, revela um jogo político que só pode ser decidido em alianças subterrâneas e coalizões voláteis. Expondo a fragilidade da representação política tradicional frente a um lobismo bem treinado, que impacta a vida do cidadão, e que torna, cada vez mais, seu voto, em peça de ficção.

Uma lupa sobre a atual configuração do Legislativo explica porque Lula, num regime, hoje, na prática, semipresidencialista, sofre derrotas e vive no córner na luta parlamentar. A tentativa de coexistência entre a postura ideológica do governo Lula, na sua origem, e a atual configuração do parlamento – um grupo de endinheirados distantes dos grotões e marcadamente de extrema-direita – explica parte do problema. Mas a principal questão é quem manda no Congresso: agrupamentos apartidários, apartados do interesse das urnas, mas umbilicalmente ligados aos seus financiadores – literalmente, quem bancou suas campanhas. Bancadas informais, mas que realmente presidem comissões, relatam projetos, definem as pautas e sua prioridade, aprovam leis e negociam com o poder político, unidos por interesses corporativos – nem todos facilmente reconhecíveis ou identificáveis pelo eleitor. Mas presos às suas coleiras fazendarias. O que inclui o uso de assessores mercenários, consultorias privadas e empresas de pesquisa de aluguel, como verdadeiros defensores legislativos.

E não estamos falando só das conhecidas bancadas do agronegócio, da bala e da bíblia, as mais visíveis, surgem cada vez novas frentes no Congresso, com parlamentares coringas, num caleidoscópio de interesses em que o governo, se negociar pelas vias formais, sempre agradará algum grupo, e estará desagrando a vários outros. É uma enrascada sem tamanho. Ao contrário das bancadas e dos partidos, visíveis a olho nu, onde líderes poderiam dialogar, essas bancadas são sociedades secretas, organizações política de extrema-direita que atuam nas sombras, reúnem-se fora das lentes dos noticiários, planejam insurgências, influenciam votações decisivas, impedem reformas, travam pautas que consideram impopulares – para seus grupos de interesse – e operam com mais eficiência do que qualquer partido, inclusive o PT. Quem vai negociar, pelo governo, com esse subterrâneo do Congresso? Ou, em suma, como governar com um Congresso clandestino, que não está mapeado? – até poderia estar.

As bancadas subterrâneas

Prosaica reunião da “bancada da bala” no Congresso, acima de qualquer partido, historicamente dominada por fascistas, debatendo como tornar o Brasil um país com mais armas e menos direitos civis. Foto: Renato Araújo/Câmara dos Deputados.

A Frente Parlamentar da Segurança Pública, nome pomposo para a “Bancada da Bala”, teria mais de 300 parlamentares, e tem como comandante o policial militar reformado medíocre, Alberto Fraga -aliado do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, e, agora, do novo presidente, Hugo Motta -, que defende os interesse da pauta armamentista, o endurecimento penal e pautas de cunho “moralizante”. Financiada pelo grupo Pro Armas, o curioso é que a bancada, segundo estudo do Instituto Fogo Cruzado, deu uma guinada estratégica no terceiro governo Lula: apresenta número de projetos acima da média no Congresso Nacional, mas poucos têm relação direta com o tema armas e munições. Segundo os pesquisadores, as estratégias do grupo incluem focar em pautas que indiretamente levem ao armamento: endurecimento penal e instrumentalizar pautas sociais complexas, como violência doméstica e insegurança nas escolas. Para justificar projetos de flexibilização do acesso às armas.

Capa do site do grupo Pro Armas. “É sobre liberdade” é o slogan mais canalha já inventado. “Não é sobre armas” é a cereja do bolo. Foto: Reprodução do site.

Conseguiram, recentemente, relatar um projeto para que a Câmara aprovasse projeto de lei que aumenta o tempo necessário para progressão de pena para todos os tipos de crimes hediondos. Atualmente, um detento pode conseguir migrar para o regime semiaberto depois de cumprir pelo menos 40% da sua sentença. O projeto prevê que esse prazo aumente para 80%. A proposta ainda precisa ser analisada pelo Senado. Por meio de publicação no X, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) – parça da turma das armas e munições -, comemorou a aprovação do projeto de lei na Câmara.

Deputado Pedro Lupion, fascistóide do Paraná, lidera reunião como presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada “bancada do boi”, uma das mais poderosas no Congresso – com espaço cativo no Parlamento e tudo – pautando as atrocidades de sempre do lobby de seus financiadores. Foto: Roque de Sá/Agência Senado.

No boom do governo Bolsonaro, onde valia tiro, porrada e bomba, a bancada conseguiu emplacar a flexibilização do porte e posse de armas e popularizar a figura dos clubes de tiro – home office dos CACs (Colecionador, Atirador e Caçadores), copiando o molde da Associação Nacional de Rifles da América (NFA), nos moldes de each one has his weapon. Assim que assumiu, como prometeu em campanha, Lula fez novo decreto com ampla restrição na circulação e acesso a armas no país, além de repassar do Exército para a Polícia Federal a fiscalização do armamento e munição dos artefatos.

Mas pode piorar, pode? Numa espécie de hub de pautas nefastas, a “bancada da bala” costuma se unir à formalmente chamada de Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a “bancada do boi”, cerca de 200 parlamentares, no mínimo, capitaneada por seu líder, deputado Pedro Lupion – até porque o agro “o agro é pop, como propaga a propanda massivamente torpedeada para popularizar o setor, com ajuda da Rede Globo – , encapsulando a ideia de que o agro não tem nada a ver com desmatamento, queimadas,degradação do solo, perda de biodiversidade, contaminação do solo esgotamento de mananciniais e geração de resíduos. Um setor gerador de emprego e renda, e frente das nossas exportações, nos moldes atuais – e, de fato, é -, produtivo, inovador, e essencial nosso comércio externo, no formato pouco industrial e tecnológio em que estamos atualmente.

Propaganda de popularização do agronenócio, abreviado para “agro”, que seria pop, tech, tudo – campanha publieditorial pela Rede Globo, em inserções diárias, bancadas pelo setor.

Lupion teve sua campanha financiada por fazendeiros com incidência em terras indígenas, por meio do Instituto Pensar Agro, o sustentáculo da frente, que financia campanha de deputados e senadores – segundo o Instituto Humanitas Unisinos. Por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária, há uma cadeia de financiamento multimilionária composta por dezenas de associações do agronegócio, que recebem dinheiro de empresas brasileiras e multinacionais, como JBS, Cargill, Syngenta, Bunge, Amaggi e Bom Futuro. Que tem na gaveta o “pacote anti-invasão”, um conjunto de projetos que buscam endurecer o olhar do Estado diante de ocupações de terra.

A Bancada da Bíblia: o Conto da Aia versão tupiniquim

Outra joint venture parlamentar de sucesso, com parlamentares de quase todos os partidos, inclusive dos partidos da situação, é a Frente Parlamentar Evangélica, ou simplesmente “Bancada da Bíblia”, que reuniria cerca de 200 parlamentares não católicos, crentes, a maioria neopentecostais. Seu foco é o atraso social e o preconceito, ou como diriam, ” a pauta de costumes”, que luta contra qualquer avanço em direitos sexuais e reprodutivos, e defesa da educação confessional. Não converse com eles sobre aborto, identidade de gênero e educação sexual nas escolas, vai sair esfolado. Mas há resistência, graças a Deus.

Falando há poucos dias ao Diário do Nordeste, o pesquisador e escritor cearense André Ítalo Rocha, autor do livro “A Bancada da Bíblia”, em que investiga o funcionamento do braço das igrejas evangélicas no Congresso, deu o seu recado. “Qualquer presidente que queira governar o país, não tem como governar sem ouvir os evangélicos, sem conversar com os evangélicos, sem negociar com os evangélicos”, diz ele.

Sim, é uma sessão do Congresso, não um culto evangélico. Foto emblemática da “Bancada da Bíblia”, alguns de jolhos e outros de olhos vermelhos – parafraseando Chico Buarque. Foto: David Ribeiro/Câmara dos Deputados

Indignado com a forma como as igrejas neopentecostais agem em relação ao dízimo, a mercantilização da fé, principalmente afetando pessoas mais vulneráveis, e a criação da “bancada da bíblia” o economista, escritor e produtor cultural Cristiano Ayres lançou o vídeo-manifesto “Céu, Fel e Fé”, em julho, no Centro Cultural Lado B, no Centro do Rio. “A isenção tributária de igrejas se justifica quando esse recurso é usado para a comunidade. Mas, o que temos visto são espaços que mercantilizam a fé através da cobrança de dízimos. Minha preocupação é com as pessoas pobres, humildes e vulneráveis que são enganadas por falsos profetas”, aponta Ayres.

O idealizador Cristiano Ayres lançou o vídeo-manifesto “Céu, Fel e Fé”, no Centro do Rio, onde denuncia como as igrejas neopentecostais agem em relação ao dízimo, a mercantilização da fé, principalmente afetando pessoas mais vulneráveis. Foto: Reprodução, a partir da Trace TV.

A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), palavra de ordem na nova ordem econômica, teria cerca de 200 membros – muitos em comum com o agronegócio – e atua em defesa de empresários, setor de serviços, fintechs, startups, MEIs e comércio. É presidida pelo deputado Joaquim Passarinho. Recentemente fizeram evento com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo,”palestrante especial”. A bancada tem o “apoio” de associações como Sebrae, CNI e associações comerciais. O lobby é óbvio: desoneração da folha de pagamentos e reforma tributária pró-empresas. Não se fala em povo.

Presidente do BC, Gabriel Galípolo, com a banca do Empreenderorismo, tendo à frente o predidente do lobby, deputado Joaquim Passarinho, que cometeu seu ato falho: “Parecia mais um presidente do Banco Central de Bolsonaro”. Foto: Felipe Soares/FPE.

As frentes parlamentares se multiplicaram – e fragmentaram – de tal forma, substituindo as bancadas – , que é até difícil saber qual levar a sério. A Frente Parlamentar da Indústria, Comércio e Serviços (FCS), parece replicar a frente do empreendedorismo, diz ter 200 membros, concentrando-se na redução de tributos. Tendo como presidentes o senador Efraim Filho (União-PB), no Senado, e o deputado Domingos Sávio (PL-MG), na Câmara, dedicou-se, nos últimos tempos, a “bombardear” uma portaria sobre o trabalho aos domingos e feriados. A portaria discutida estabelece que a decisão sobre o trabalho aos domingos e feriados deve ser tomada em convenção coletiva. A frente acha – por óbvio – acha que a decisão cabe ao patrão, não precisa de autorização sindical nenhuma.

A Frente Parlamentar da Saúde, ancorada pelo deputado goiano e cirurgião-pediátrico Dr. Zacharias Calil, supostamente mais 200 membros, diz defender os repasses ao SUS, e defende planos de carreira e pisos salariais dos profissionais da saúde do Sistema Único de Saúde. “Como garantir um atendimento digno à população se não valorizamos quem está na linha de frente da saúde pública?”, postou no Instagram. Óbvio que puxa a brasa pra sua sardinha goiana, mas parece sério. Ele defende incentivos à indústria brasileira de equipamentos, insumos e materiais médico-hospitalares para fortalecer o parque industrial do país, garantindo a autossuficiência na área da saúde. Seus posts nas redes sociais parecem tratar realmente de saúde. Obviamente, é só olhar para ver que muitos parlamentares são lobistas de planos de saúde privados e “sindicalistas” de entidades médicas e farmacêuticas, mas até aí qual a novidade?

Deputado Nilto Tatto, coordenador da frente parlamentar ambientalista. “O Brasil vai sediar neste ano a conferência do clima, que é o maior evento no âmbito da ONU, e é importante que o parlamento também dê uma resposta e contribua com esse esforço mundial de enfrentamento à crise climática”, diz. Foto: Divulgação

Da mesma forma, a Frente Parlamentar Ambientalista, um naco de poder da situação, igualmente alegando ter 200 membros, não parece estar atrelada ao agro, mas ter boa relação com ONGs ambientalistas, como o SOS Mata Atlântica e o Greenpeace, e movimentos indígenas. É claro, são inimigos mortais da frente “agro é pop”, que ainda não priorizou as terríveis tragédias climáticas. Coordenada pelo deputado Nilto Tatto, do PT, foca em enfrentar a crise climática e está de oho na COP 30, em Belém.

Há outras frentes, mais ou menos numerosas, mais ou menos recentes, mais ou menos relevantes, de temas variados como a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa e Tributária, a Frente em Defesa da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial, a Frente em Defesa dos Criptoativos, a Frente em Defesa do Homeschooling (Educação Domiciliar), a Frente dos Games e Esports, a Frente da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial,e a recém-criada Frente Parlamentar da Liberdade Religiosa.

É, assim fica difícil para o Planalto, mas é o que temos para hoje.

  • Imagem gerada em IA

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, já foi repórter e editor nos maiores veículos do país - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa, analista sênior de informações e/ou ex-diretor de agências de comunicação corporativa - FSB Comunicação, Santafé Ideias, entre outras -, ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ, trabalhou no Senado Federal e na Prefeitura do Rio. Já foi assíduo colaborador dos sites Os Divergentes e DCM. E criador, com meu irmão Paulo Henrique, da revista cultural Tablado, que durou 20 anos a acabou na pandemia. Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog. E, PRINCIPALMENTE, pai do Bruno e da Gabriela, orgulhos da minha vida.

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