A chacina contra Gaza que Israel não quer que o mundo veja, o massacre de jornalistas por forças israeleneses e o “genocídio digital” das big techs apoiadas por Trump

A Gaza que Israel quer que o mundo veja – nunca uma chacina ou revanche – e o “colonialismo digital” cúmplice das big techs

23 de maio de 2025, 20:06

A mídia do mundo todo cobre o massacre – conflito? fala sério! – na Faixa da Gaza, território palestino composto por uma estreita faixa de terra na costa do Mar Mediterrâneo, que tem sido retirada do mapa pelo Governo de Israel à base de bombardeios intensos e ofensivas terrestres quase diários. O número de mortes já é incalculavel – de acordo com as autoridades de saúde locais, perto de 60 mil palestinos já foram mortos – mas muitos foram jogados em valões, bem à moda nazista, o que dificulta a contagem. A questão aqui é avaliar o que você consome, exceções de praxe, o que compra como notícia, com a guerra real, longe dos “correspondentes de guerra” de estúdio, de terno e gravata, e sem colete à prova de balas, em Londres, Paris ou Nova York, lendo releases de agências de notícias globais.

Mas de onde você acha que partem as informações sobre o que realmente acontece em Gaza? Mídia palestina? Esses estão sendo exterminados, como a população civil. Quem cobre a guerra, aquela que chega ao seu córtex central, é a grande mídia, de longe, especialmente a norte-americana, agora com a ajuda crucial do que o professor e pesquisador Walter Lippold, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor do livro “Colonialismo digital”, já chamou de “primeiro genocídio veiculado e transmitido em tempo real” pelas bich techs. Que, como se sabe, não se restringem a eventuais contratos para fornecimento de drones e tecnologia de ponta a serviço da chacina de uma minoria étnica, mas ao filtro das hard news pelas empresas que controlam as redes, aliadas a Trump – tudo isso que você lê no seu celular, acrescida de fake news, claro. Distorcendo notícias que favoreçam os palestinos. Vale a versão de Israel. Não por acaso chamadas pelo pesquisador de “necrocorporações”.

Para o professor Walter Lippold, autor do livro “Colonialismo digital”, esse é o “genocídio veiculado e transmitido em tempo real” pelas” big tech – não só fornecendo tecnologias, mas filtros de informação, acoberta o que acontece na Palestina – como outros fazem em pontos do planeta. Foto: Divulgação/redes sociais

A Palestina é a região mais mortal para os jornalistas no mundo hoje. Se um jornalista está lá, examine de que lado estão e quem protege suas vidas. Ou se ninguém as protege – ao contrário. A todo custo, repórteres palestinos tentam se fazer ouvir sob a sombra da guerra. É difícil ignorar a quantidade de informação conflitante que existe agora, a manipulação, claro, é recíproca. Mas claramente há um lado muito mais fraco e vulnerável. Se os jornalistas independentes tivessem liberdade para reportar, eles poderiam mostrar-nos o que está realmente a acontecer – não só o número de mortos, mas também a realidade da vida em Gaza, as consequências dos ataques aéreos e o impacto mais amplo do conflito nos civis. Este tipo de transparência é importante. Não só ajudaria o público global a entender o que está a acontecer, como também poderia responsabilizar mais todos os envolvidos. Governos e organizações dependem da pressão pública para agir, e sem informação precisa, essa pressão ou não se cria ou acaba por ser mal direcionada. Até porque são os mais visados.

Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) divulgou nos primeiros meses desse ano, 70% dos jornalistas que morreram no massacre eram palestinos, mortos por forças israelenses – número possivelmente subestimado. Segundo o CPJ, pelo menos 82 comunicadores e funcionários de meios meios de comunicação morreram desde o início da guerra em 7 de outubro passado – 75 palestinos, quatro israelenses e três libaneses. Pelo menos cinco só esse ano. A grande maioria da mídia “estrangeira” ou está proibida entrar por Israel, ou já desistiu de tentar. Melhor os estúdios refrigerados e as agências de notícia. Não é um julgamento de valor, tenho 40 anos de jornalismo, já sofri riscos e ameaças, mas nunca fui correspondente de guerra.

Wael Al-Dahdouh abraça sua filha enquanto chora a morte de outro filho, Hamza, em Rafah, na Faixa de Gaza. Foto: AFP

Para quem resiste ficam exemplos como o do chefe da sucursal da Al-Jazeera em Gaza, Wael Al-Dahdouh, que chorou 12 familiares mortos em um dos ataques israelenses no centro de Gaza – e que se tornou um dos síbolos da resistência dos jornalistas locais. “Estamos cobrindo a guerra em Gaza porque este é o nosso dever jornalístico. Isso nos foi confiaça”, disse Mariam Abu Dagga, fotojornalista do Independent Arabic deslocada na cidade de Rafah, no sul de Gaza.

As agências de direitos humanos pediram – imploraram – repetidamente pela proteção dos jornalistas no território palestino. Em fevereiro, especialistas da ONU alertaram que “ataques seletivos e assassinatos de jornalistas são crimes de guerra”. A guerra em Gaza registou “um número recorde de violações contra jornalistas e mídias”, segundo o relatório. Parece bastante óbvio que quando os repórteres não conseguem entrar e fazer o seu trabalho, a desinformação prolifera. Vídeos do TikTok, posts do Reddit e Whatsapp, e as redes sociais em geral, preenchem as lacunas com rumores, teorias da conspiração e imagens manipuladas. E a verdade é abafada. A confiança na comunicação social já é bastante frágil – por que piorar as coisas, excluindo as pessoas cujo trabalho é obter os fatos.

Homem segura colete de proteção pertencente a Wael Al-Dahdouh, jornalista da Al Jazeera, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza / Bassam Masoud/Reuters
Família, amigos, incluindo o repórter da Al Jazeera Wael Al-Dahdouh, em 7 de janeiro de 2024, durante o funeral dos jornalistas Hamza Al-Dahdouh e Mustafa Thuraya, mortos em um bombardeio em Gaza. Fonte: Ahmad Hasaballah/Getty Images

No final das contas, não se trata de escolher lados. É sobre transparência. Quer apoie Israel, a Palestina, ou ninguém, mas simplesmente queira ver um fim à violência, provavelmente concordará que merecemos saber o que está realmente a acontecer. Se não podemos confiar em reportagens precisas, ficamos no escuro. Os poucos jornalistas estrangeiros que foram autorizados a entrar no enclave – especialmente no início do conflito – acompanharam principalmente as Forças de Israel e podem ter submetido suas imagens aos militares para revisão de segurança, embora mantendo o controle editorial. Tanto Israel como o Egito, que controlam as fronteiras de Gaza. No momento, a ordem é recusar que novos jornalistas internacionais tenham acesso irrestrito à faixa, dizendo que não podem garantir a sua segurança.

O fotojornalista local Mohammad Ahmed viu um estilhaço perfurar sua perna após um ataque israelense a um prédio em Jabalya, no norte de Gaza. O fotojornalista da emissora estatal turca TRT disse que estava viajando pelo bairro, depois de ter sido deslocado do campo de refugiados local. Seu colete de imprensa protetor absorveu um estilhaço que acertaria seu estômago. Mas os médicos não conseguiram remover o estilhaço alojado na parte superior da coxa direita. O pai de três filhos conta, em relatos na imprensa, que é atormentado repetidamente cenas de guerra, sejam crianças pedindo ajuda debaixo dos escombros, ou palestinos feridos inundando um hospital após um ataque israelense. Às vezes, diz ele, precisa parar de filmar e liberar suas emoções.

O editor-chefe do site de notícias Al-Khamsa, Saeed Al-Taweel, foi morto por um ataque aéreo israelense no oeste da cidade de Gaza, segundo a agência de notícias palestina Wafa. Al-Taweel era famoso entre os palestinos em Gaza por seu programa matinal, “Akhabr ‘Arrei”, que significa “notícias com o estômago vazio”, segundo Saba Al-Jaafrawi, amiga próxima e jornalista. “Perder Saeed foi uma perda imensa tanto no nível jornalístico quanto no nível social”, conta

Morte do cinegrafista da Reuters se soma à outras 7 mortes de profissionais da comunicação na Faixa de Gaza / Ashraf Amra/Anadolu. Via Getty Images

O destino de outros jornalistas palestinos permanece desconhecido, segundo o CPJ. Nidal al-Wahidi, fotojornalista de pouco mais de 30 anos, não foi mais visto desde que foi detido pelas forças israelenses ao lado do colega fotojornalista Haitham Abdelwahed, 25, enquanto reportava sobre os ataques de 7 de outubro liderados pelo Hamas no sul de Israel. Tudo relatado em um relatório da Anistia Internacional.

Pressionado pelos ministros ultranacionalistas, e por boa parte de sua própria população, o premiê Benjamin Netanyahu só está preocupado com o apoio de Donald Trump, que já falou – o rei Abdullah da Jordânia é testemunha – em transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio”, após, claro, “realojar” seus habitantes. Os palestinos. A alegação oficial para o extermínio palestino e a devastação de Gaza é forçar o Hamas a aceitar um cessar-fogo que inclua a libertação dos israelenses sequestrados em 7 de outubro de 2023, que ainda estão na Faixa de Gaza. Não há termos de negociação, e é evidente o isolamento do governo israelense pelo mundo civilizado.

Jornalistas – repórteres e fotojornalistas – que resistem a cobrir o massacre de Gaza são menos ouvidos, pela força das big techs, que aqueles que cobrem o a chacina de milhares de quilômetros de distância, lendo releases, em ambientes refrigerados

Não há nada que justifique o sequestro feito pelo Hamas ter virado o extermínio palestino. Mas com menos jornalistas independentes no terreno, conta-se a guerra que quiser.

Fontes de informações diversas e confiáveis e créditos das fotos em suas legendas.

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, já foi repórter e editor nos maiores veículos do país - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa, analista sênior de informações e/ou ex-diretor de agências de comunicação corporativa - FSB Comunicação, Santafé Ideias, entre outras -, ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ, trabalhou no Senado Federal e na Prefeitura do Rio. Já foi assíduo colaborador dos sites Os Divergentes e DCM. E criador, com meu irmão Paulo Henrique, da revista cultural Tablado, que durou 20 anos a acabou na pandemia. Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog. E, PRINCIPALMENTE, pai do Bruno e da Gabriela, orgulhos da minha vida.

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