
Aldo Rebelo sabe que será difícil tirar os golpistas da frigideira
Aldo Rebelo é mais um personagem do século 20 que, não pela idade, mas pela postura política e pelo conjunto de atitudes e de falas, parece desconfortável no século 21. A aula de linguística no duelo com Alexandre de Moraes, no depoimento de sexta-feira, seria digna de um Jânio Quadros. Mas meio século atrás.
Todos conhecem o resumo do embate. Rebelo afirmou que, quando alguém diz ‘estou à disposição’, diante do líder de um golpe, como o ex-chefe da Marinha Almir Garnier teria dito a Bolsonaro, isso não pode ser lido literalmente.
Na sua lição de estagiário de curso de Letras, mas diante de ministros do STF, o ex-comunista continuou: quando alguém diz que está frito, não significa que esteja dentro da frigideira. E arrematou em alto estilo: quando alguém afirma que está apertado, não significa que esteja sendo submetido ‘a um tipo de pressão literal’.
Moraes não gostou, e Rebelo esteve sob a ameaça de ser o primeiro preso, por desacato, durante uma aula de interpretação de falas e textos no STF. Teremos mais cenas semelhantes.
A direita gosta de analogias, de sentidos rasos para as palavras e de repetir que golpe talvez não signifique golpe. Bolsonaro se dedica às analogias com casamento, sedução, sexo e machismo, para falar das relações promíscuas da política.
O advogado de um dos militares kids pretos, na primeira sessão de acolhimento das denúncias no Supremo, disse que as mensagens trocadas por seu cliente não têm nunca a palavra golpe. Se não têm a palavra, não havia a articulação de um golpe.
O ministro Flavio Dino disse, a respeito de argumentações semelhantes, na mesma sessão, que todos os kids pretos e seus parceiros de golpe usavam armas, e não bíblias, e que o golpe era, sim, um plano de gente armada.
Toda a extrema direita diz, na linha do argumento de Aldo Rebelo, que um golpe, como está previsto como crime na lei, só será considerado golpe se tiver o uso de violência ou de grave ameaça. O golpe do 8 de janeiro não teve tanques, armas e soldados.
E pensar em dar um golpe, reunir-se para planejá-lo e juntar gente para executá-lo não seria a mesma coisa que tentar um golpe. Seria liberdade de pensamento e de reunião, ou o que Rebelo chamou, na sua “apreciação da língua portuguesa”, como “força da expressão”.
Um caso já clássico de força de expressão por analogia não serve para socorrer Rebelo. Foi o que envolveu o físico e cientista Rogério Cerqueira Leite e o então juiz Sergio Moro.
Cerqueira escreveu na Folha de S. Paulo que, como justiceiro lavajatista, Moro poderia acabar na fogueira, queimado pelos próprios aliados, como aconteceu com o padre dominicano fanático e moralista Girolamo Savonarola, em Florença, no século 15.
Moro, o leitor de biografias, achou que Cerqueira queria mesmo vê-lo queimado e condenou publicamente a incitação à violência. Rebelo tenta agora equiparar um texto como o de Cerqueira às falas golpistas da turma de Bolsonaro.
Seria tudo metáfora e analogia, coisa das amplidões do sentido figurado, sem a força concreta que acham que deva ter. Eles não queriam derrubar Lula e quebrar e incendiar Brasília.
Teremos muitos Rebelos pela frente, considerando-se que são mais de 80 testemunhas. Vão dizer que não foi bem assim, não era isso que eles queriam dizer, nunca se falou em golpe e nunca se pegou em armas.
É a hermenêutica dos falsos neutros a serviço do golpismo, convocados como testemunhas pelos chefes do golpe exatamente porque irão apresentar as atenuantes do não sei e não quero saber.
Quando levou um tranco de Moraes, para que parasse com a conversa sobre o sentido das palavras, Rebelo encolheu-se como uma testemunha que se sentia frita ou apertada, enquanto fingia, com a conversa de estágio probatório, que ministrava uma aula magna.
Tentou se virar nos trinta, como outros tentarão. Porque a desculpa de que os golpistas diziam coisa por força de expressão já aparece em quase tudo que eles dizem. Como na interpretação da mensagem vazada de conversas do agente federal Wladimir Soares, em que ele diz que “iríamos matar meio mundo de gente”.
Soares, que já é réu, poderia ter Rebelo como testemunha. O que ele disse, afirmaria Rebelo, foi força de expressão, porque ninguém mata meio mundo. E assim todos os golpistas, hoje quase fritos, poderiam escapar.
Foto: Agência Brasil