
General Freire Gomes perde a capa e a espada em depoimento no STF
Foi dada a largada para o desfile de cerca de 81 testemunhas dos acusados (cálculo feito por alguns juristas), de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado de direito – os mais graves -, e mais dois crimes relativos à depredação dos prédios públicos. A estreia ficou a cargo do general Marco Antônio Freire Gomes, à época o comandante do Exército (2022), que tentou apelar para o “espírito de corpo”, a fim de salvar a pele do também comandante, o da Marinha, Almir Garnier.
Não fica bem para um militar, principalmente em posição de comando, expor colegas de fardas, ou “entregar” os seus malfeitos. Assim, no depoimento que deu primeiramente na Polícia Federal – que a princípio ficaria sob sigilo -, falou à vontade, posou de herói e até mencionou uma frase de efeito, que, afinal, não disse: “presidente, se o senhor continuar eu serei obrigado a prendê-lo”.Play Video
Ali, diante do ministro relator, Alexandre de Moraes, tentou desanuviar sua fala, ajeitando a figura de Garnier, que até mesmo em um levantamento feito sob encomenda das Forças Armadas pela FGV, na semana de 7 de setembro de 2022, aparecia com a graduação máxima para o quesito em que apontava os adesistas ao golpe. Com o brigadeiro Carlos Almeida Batista Júnior, da Aeronáutica, não se preocupou. Já na PF ele havia se saído bem da fita. O estudo foi um termômetro para os comandos saberem a quantas andava o engajamento em um possível golpe no país, publicado com exclusividade pelo 247 em 6 de setembro daquele ano. https://www.brasil247.com/blog/exclusivo-forcas-armadas-fazem-levantamento-sobre-oficiais-dispostos-a-aderir-ao-golpe-prometido-por-bolsonaro
Em seu primeiro depoimento, houve quem enxergasse em Freire Gomes, enfim, o herói que o Exército tanto gosta e procura. Principalmente nesse episódio, que já entrou para a história e deixou mal a instituição, por mais que os comandos falem em “punir” para “separar o joio do trigo”.
O que o depoimento de Freire Gomes deixou ver é que joio e trigo estavam no mesmo saco, até que alguém pesou e mediu e constatou que o “day after” desta vez seria ainda mais danoso do que os últimos 21 anos de ditadura, para o Exército. Já começou com o sarrafo lá em cima, falando em “matar todo mundo”, projetando campo de concentração e exibindo plano de assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (O Jeca) envenenado; o seu vice, Geraldo Alckmin (o Joca, sem definição de método), e o ministro Alexandre de Moraes, degolado.
A contradição entre um tom e outro do seu depoimento não passou despercebido ao ministro relator, que observou: ou ele mentiu na PF ou estava mentindo sob juramento, o que lhe daria cana por crime de perjúrio. Indignado, Freire Gomes tentou dar uma carteirada com o seu tempo de serviço e suas dragonas, para afirmar que não mentiria. Perdeu. Teve de rever posição e, mesmo amenizando o que havia dito sobre Garnier, manteve. O marinheiro, de fato, aderiu ao golpe. Disse isso tentando dar à fala o colorido de um saco de balas jujubas, com um sorriso amarelo e a “coragem” de um general…
Mas o que ele não consegue explicar, nem para Moraes, nem para mim ou alhures é: por que o cântaro foi tantas vezes à bica? Na primeira reunião, foi-lhe apresentada uma minuta de golpe. Na segunda reunião, em que pese o país ter passado recentemente por uma eleição, dando vitória ao candidato do campo oposto, não estranhou que o derrotado, na solidão do palácio que não mais lhe pertenceria, punha diante dele um “estudo” sobre Estado de sítio, o remédio mais amargo do cardápio em tempos de guerra.
Sem mencionar a manutenção dos acampamentos país afora, a carta em defesa dos acampados à frente do QG e o silêncio sobre uma carta/pressão, com assinaturas de militares da ativa.
Não quis saber em que contexto o tal instrumento seria usado, e tampouco porque o tema estava na pauta do ex-presidente postado à sua frente. Sim, porque passada a eleição, era esta a condição de Jair Bolsonaro: ex-presidente.
Numa tentativa desesperada de disfarçar o que ficou evidente – Gomes caminhou com o golpe até onde deu, mas depois medrou -, o general argumentou que “os instrumentos listados no documento estão previstos na Constituição”. Bidu!!!! Claro que estão. O que importa aqui, é como e com que destinação seriam usados. O general foi incapaz de questionar Bolsonaro sobre o que pretendia? O país não vivia um confronto armado, pelo contrário. Havia se libertado do jugo de um desvairado, imprevisível, negacionista. A vitória de Lula era uma realidade. Era hora de arrumar as gavetas. E Freire Gomes não estranhar isso é sintomático. Ou, puro disfarce.
E tanto é assim que ao ser relembrado de sua declaração à PF, de que sempre deixou claro ao ex-presidente que o Exército não participaria “na implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral”, demonstrou a sua total compreensão das intenções do homem que lhe estendia uma proposta de golpe. Portanto, sabia muito bem o que estava por vir. E voltou lá três vezes. Não se deu conta de que alguém já com as malas prontas, não teria motivos para fazer estudo sobre Estado de Sítio?
E, pior: havia no tal “estudo” uma descrição da necessidade de prender Moraes. Alô, general!!! Você viu um elefante voando e não considerou, no mínimo estranho? Francamente… É comum, não é mesmo, prender ministro do Supremo? Fala sério… E ainda minimizou a postura de Garnier com a seguinte pérola: “o almirante se colocou à disposição do presidente”, quanto aos planos golpistas. E então estávamos falando do quê? De que cor era o cavalo branco do Napoleão?
E ainda reforçou: “o almirante Garnier tomou essa postura de ficar com o presidente”, mas não gostaria de “aferir” as reais intenções de Garnier. Beirou o ridículo, o esforço do general Freire Gomes para saltitar entre uma desculpa e outra. É possível que não tenha reduzido em nada o dano para Garnier, e ainda tenha exposto ao sol a própria pele para torrar. Tudo nos leva a crer que o herói perdeu a capa e a espada…
Fonte: Brasil 247
Foto: Divulgação