Por que Fux não perdeu o visto de entrada nos EUA mesmo?

19 de julho de 2025, 14:11

No último dia 10 de abril, a insuspeita Gazeta do Povo – o veículo mais de direita do país hoje – no pódio com a Jovem Pan e a Revista Oeste – publicou uma matéria estranhamente intitulada “Fux e Trump personificam a esperança de reviravolta no julgamento de Bolsonaro”. O tarifaço só viria três meses depois. Não quero focar no repórter, seria antiético – e ele sabe suas razões para aceitar escrever isso – , mas sim na pauta e na foto que ilustra a “reportagem” – que também estampa esse artigo, com o devido crédito. A matéria diz, com todas as letras, o que já corre no subterrâneo: mesmo após virar réu no STF por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente – vou aspear de novo – “deposita a esperança de eventual reviravolta no julgamento em duas figuras”: o ministro Luiz Fux e Donald Trump. Fux faz parte da Primeira Turma do STF, que julga a denúncia de tentativa de golpe de Estado, onde estão também Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin – esses, realmente, Bozo pode esquecer. Como todos sabem, Luiz Fux foi, junto com os dois ministros nomeados por Bolsonaro para o Supremo – Kassio Nunes Marques e André Luiz Mendonça -, o único a não perder o visto de entrada nos EUA – o segundo tarifaço de Trump, esse jurídico. Isso é significativo e mostra, com absoluta certeza, que o Departamento de Estado de Trump deve ter recebido subsídios garantindo que Fux, como os “ministros bolsonaristas”, não é uma ameaça para o seu país – e para seus planos de liberar Bolsonaro. Ao contrário.

Fux, ou melhor, Luís XIV da França e Navarra, o Rei Sol, com sua indefectível peruca. Foi figura marcante da Era do Absolutismo, na prerrogativa de “o Estado sou Eu”. Imagem: Wikimedia Commons.

E eu fiquei com isso na cabeça: por que o ministro Fux – nossa versão, pelo menos na vasta cabeleira, do “Rei Sol” Luís XIV da França – foi liberado por Trump e pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio? Fux, apesar de ter acompanhado Alexandre de Moraes na votação unânime (5 a 0) para aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outras sete pessoas – realmente pegaria muito mal se fosse a única voz dissonante -, tem, regularmente, exposto divergências sobre “penas excessivas” a réus – chamada, na Corte, de dosimetria da pena. Fux pediu vista e suspendeu a tramitação da ação penal que tem como ré a cabeleireira – não é indireta, Fux – Débora Rodrigues dos Santos, que está presa há cerca de dois anos após ter participado dos atos de 8 de janeiro de 2023 – paralisando o processo. A ré vandalizou a estátua A Justiça, que fica em frente à sede da Corte, na Praça dos Três Poderes – e é símbolo da Justiça no país -, escrevendo “Perdeu, Mané” na escultura, avaliada entre 2 e 3 milhões de reais. Fux também pediu vista de outros processos. O ministro declarou, dirigindo-se a Moraes, que a Corte julga “sob violenta emoção” os casos ligados ao 8 de Janeiro.

Há pouco mais de um mês, Eduardo, sem disfarces, compartilhou falas do ministro Luiz Fux sobre a falta de assinatura de Jair Bolsonaro na chamada “minuta do golpe”. O vídeo foi editado e viralizado por gente da estirpe do deputado estadual paulista Bruno Zambelli (PL), irmão da deputada federal igualmente fujona Carla Zambelli. “Fux desmontou o castelo de areia com suas perguntas”, elogiou o “bananinha”. Fux, logo, virou a corda salvadora de Bolsonaro na areia movediça.

Pichadora golpista no ato: estátua da Justiça, em frente ao STF, durante os atos de vandalismo, em 8 de janeiro, que destruiu as sedes dos Três Poderes. A donzela defendida por Fux, flagrada em cima da escultura, com uma das mãos picha “Perdeu, mané”. Em seguida, posa para novas fotos, em cima da obra, exibindo mãos sujas de tinta e sorrindo. Foto: Gabriela Biló/Folhapresss, via Instagram.

O carioca Fux, que além da vasta cabeleira, é conhecido por ser faixa-preta de jiu-jítsu e ter tocado guitarra na juventude – é uma espécie de Lobão do Supremo -, filho de imigrantes judeus romenos, está na lista de indicações equivocadas feitas, especialmente no Judiciário, pelos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff . Foi a ex-presidenta, supostamente por indicação do então aliado, o governador do Rio e, até recentemente presidiário, Sergio Cabral Filho, quem nomeou Fux em 10 de fevereiro de 2011, na vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Eros Grau, conhecido por escrever literatura com forte apelo erótico. Na época, Fux revelou que, antes de sua nomeação ao STF, buscou apoio político, incluindo reuniões com José Dirceu, então influente no Partido dos Trabalhadores. Apesar disso, no julgamento do caso conhecido como “Mensalão”, votou pela condenação de Dirceu.

O cantor Lobão, bolsonarista arrependido, e sua guitarra, paixão da juventude de Fux. “Eu sou um ‘vira-casaca’. Sou ‘traidor’. Caguei um balde.Nunca fui fã do Bolsonaro, mas queria destruir o PT. Queria destituir. Não estava nem aí se era fascista ou não.” Foto: Divulgação, publicada na revista Rolling Stones.

Na CNN, recentemente, a analista política Jussara Soares, ao comentar a liberação de Fux por Trump, disse que ele tem sido “elogiado por bolsonaristas” no processo de tentativa de golpe, inclusive confrontando Alexandre de Moraes. Em Nárnia, o jornalista brasileiro Paulo Figueiredo, denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no âmbito da trama golpista e articulador de sanções do governo Trump, declarou na última quarta-feira, em uma transmissão ao vivo junto com Eduardo Bolsonaro – se tiver estômago, veja, eu o fiz por razões profissionais – , que a Casa Branca consultou a dupla sobre a possibilidade de um asilo nos Estados Unidos. O filho conspirador, “exilado” nos EUA – por enquanto vive de graça numa mansão no Texas, mas Trump já mandou Rubio providenciar uma casa permanente pra ele -, traçou decálogo golpista de sempre, visivelmente surtado. Eduardo conta com o apoio da Universidade Internacional da Flórida e do Centro Adam Smith, instituição financiada pelo governador da Flórida, Ron DeSantis – outro capacho bolsonarista.

Live de Eduardo Bolsonaro, exilado” nos EUA, com Paulo Figueiredo, denunciado pela Procuradoria-Geral da República no âmbito da trama golpista, num papo animado entre golpistas fujões. Fonte: Youtube de Eduardo Bolsonaro.

A “mão boba” de Fux tem precedentes. Em março, Fux fez críticas à delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro – e peça-chave na delação do esquema golpista. Uma das preliminares questionava a competência do STF para julgar o inquérito do golpe. Fux foi o único a concordar com o pedido das defesas para que o processo descesse a outras instâncias ou, caso permanecesse na Corte, fosse a julgamento no plenário.

Flórida a serviço dos Bolsonaro: Eduardo conta com o apoio da Universidade Internacional da Flórida e do Centro Adam Smith, instituição financiada pelo governador Ron DeSantis. Foto: Paul Hennessy/SOPA Images via zuma. Press Wire/Picture Aliance

Fux contestou, ainda, o fato de o tenente-coronel ter prestado nove depoimentos em seu acordo de colaboração. Ele disse ver o número “com muita reserva”. Desculpe, Fux, depois de Trump te liberar para ir à Disney, junto com Kássio e André Mendonça, ninguém aqui é pateta: reservas contra você temos nós.

  • Foto publicada em matéria da Gazeta do Povo, com a fusão de imagens do ministro Luiz Fux, do STF, e do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e uma legenda em que diz que eles “personificam a expectativa de fortes pressões internas e externas sobre o curso do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro”. Reprodução

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Jornalista há 40 anos, já foi repórter e editor nos maiores veículos do país - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa, analista sênior de informações e/ou ex-diretor de agências de comunicação corporativa - FSB Comunicação, Santafé Ideias, entre outras -, ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ, trabalhou no Senado Federal e na Prefeitura do Rio. Já foi assíduo colaborador dos sites Os Divergentes e DCM. E criador, com meu irmão Paulo Henrique, da revista cultural Tablado, que durou 20 anos a acabou na pandemia. Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog. E, PRINCIPALMENTE, pai do Bruno e da Gabriela, orgulhos da minha vida.