
Haddad desabotoou o terno e defende às claras o lado dos pobres
Aqui, abaixo do Equador, onde a escravidão perdurou muito mais do que em qualquer outro lugar do mundo – fomos o último país a aboli-la -, nos acostumamos aos mandos e desmandos dos senhores de engenho. A usar e abusar das negras e a açoitar os negros até lanhar as suas costas como um bife na tábua de carne. Fomos nos desenvolvendo com uma elite que despreza o povo e não renuncia aos privilégios. Lugar comum? Sim. Porque é comum não olhar para baixo, a não ser para gritar, dar ordens, subjugar. É esse o perfil dessa “gente fina” que rosna contra qualquer possibilidade de consentir em pagar uma fatia mínima que seja, de imposto, porque é apenas deles, é o reino dos privilégios, das compras de grife e das viagens luxuosas.
É chegada a hora do enfrentamento, do discurso correto, de dizer à população por que e para quem vão os impostos. É chegada a hora de explicitar para a turma da base da pirâmide, como funciona o sistema financeiro. É chegada a hora de abrir essa discussão com a parcela miserável, que apenas compra como pode, gasta o que não tem e dorme apenas para acordar no dia seguinte e agradecer por ter emprego, ainda que o salário não dê para cobrir toda a despesa do mê
O que estamos assistindo é a um presidente e um ministro da Fazenda esclarecendo com todas as letras porque a distância entre o pico da pirâmide e a base espremida em suas dificuldades é tão larga. Nunca, antes, na história desse país se discutiu às claras com a população, os motivos pelos quais o leão do Imposto de Renda morde com toda a vontade a classe média, enquanto os milionários deslizam mar adentro com os seus iates, sem pagar um tostão de imposto por eles.
No país, 49% da população não tem saneamento básico, mas há jatinhos isentos de IR cruzando o céu de norte a sul a todo momento. E ai de quem avente a hipótese de tirar dos seus lucros um tostão sequer. Eles não coram, não perdem o sono, não perdem a fome e ignoram essa realidade, que se revelada a eles pode provocar-lhes engulhos. Melhor não.
Estamos sendo assaltados, hoje (25/06), no Congresso – onde o presidente da Câmara, por pura pirraça e vingança, por não ter atendidos os seus pedidos de liberação de nacos do orçamento que garantam o seu futuro político e aos de sua casta -, coloca abaixo o projeto de diminuir ainda que seja de maneira ínfima, a desigualdade, a distância entre ricos se pobres. Estão achando cantochão esse texto? Vulgar? Pois que achem.
Estou com o estômago doendo de indignação e não vou deixar de externar esse sentimento ainda que seja dessa maneira alinhavada, sem requinte, sem citações de grandes teóricos, porque o que está me importando nesse momento é dizer dessa forma, em jorros, o que está me causando essa dor.
Chega de ler sobre a desigualdade. A realidade que grita na minha frente, sob a forma do penteado gomalinado do presidente da Câmara, Hugo Motta, é que não! Mil vezes não! Eu não vou me importar em alinhar o meu texto, quando desalinhados estão os meus sentimentos, vendo se desenrolar esse teatro do absurdo, onde senhores de ternos bem cortados, dos vários segmentos dos endinheirados, descem dos aviões em Brasília, para colocar o pé na porta do Congresso aos berros de: daqui vocês não passam! Não pagaremos um tostão para sustentar pobres no Bolsa Família! Não pagaremos a conta dos aposentados, com salários atrelados a aumentos maiores que a inflação! Não sustentaremos os portadores de comorbidades sob a forma de BPC! Não queremos que os pobres sobrevivam! Eles estão nos custando caro demais!
São banqueiros, em defesa dos seus títulos e rendimentos; são empresários do ramo das fintechs, são barões da grande mídia! Todos com isenções gordas nas suas contas mensais, que custam 800 bilhões aos cofres públicos! Quem perdoa dívida de pobre??? Quem desce da cobertura para ver o que tem nas panelas do cômodo onde se espreme o porteiro e a sua família?
O ministro Fernando Haddad, vê-se em seu rosto, tomou um banho de realidade, assistindo a guerra dos ricos nos bastidores dessa luta desigual. Seu discurso mudou. Sua postura mudou. Para melhor. De cara para essa podridão, Haddad agora desabotoou o terno e defende às claras o lado dos pobres.
O presidente Lula o defende e enfrenta os esperneios, se dizendo cansado de ouvir empresários reclamarem da carga tributária no país, mas não tratarem das isenções que o governo concede aos setores. Segundo Lula, os empresários reclamam do patamar dos impostos, mas ficam “olhando pro dinheiro da educação para gente cortar”. “Não é possível. Não vai dar certo”, lançou na cara de todos.
No mesmo tom, o que tem usado nos últimos tempos, convencido de que é preciso parar com o desatino, o ministro Haddad replica: “O decreto do IOF corrige uma injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores”.
Os ricos, parecem dizer: “Eles que lutem”! Mas, caros senhores, até para lutar é preciso ter o estômago cheio. Não transformem o nosso país, tão rico, em uma zona de apartheid social. Somos fortes e há espaço para todos. O mínimo de consciência não faria mal nenhum a vocês. Cínicos, transvertem o discurso, apontando o dedo para Lula, a quem acusam de gastar demais! Revelem a real!!! Expliquem aos miseráveis que eles não arcarão com um tostão a mais de impostos! Que o que está sendo tirado é do bolso de vocês, recheados do lucro isento do imposto que agora lhes será cobrado, sim!!!
Fiquem tranquilos. Eles, os pobres, não invadirão os seus shoppings e suas lojas reluzentes. A fartura da nossa gente é processada em alegria ao ar livre, nos encontros regados a cerveja, música e abraços. Permitam. Rumem seus jatos para os destinos luxuosos. Deixem aqui nossa gente fechar as contas do mês.
Imagem do presidente Lula e si Fernando Haddad, Foto: Ricardo Stuckert / PR.
Fonte: Brasil 247/