America Party, facção de Elon Musk para confrontar o “bipartidarismo” norte-americano, expõe extrema-direita do Vale do Silício

18 de julho de 2025, 18:42

No ápice de sua briga, pelas redes – embora seja fatal sonhar com os dois se espancando num ringue – com o ex-dating Donald Trump, o bilionário Elon Musk, depois de trocas de mensagem de baixo calão e graves ameaças recíprocas, jurou criar uma espécie de terceira via a Republicanos – partido do atual presidente – e Democratas – de Biden, Obama, Clinton, Carter, entre outros. Não está escrito em lugar nenhum, mas historicamente os Estados Unidos viraram um país bipartidário – desde 1852, sempre tiveram presidentes de um partido ou de outro. Isso não significa que não possam existir outros partidos, e existem – até um comunista, pasmem, de vertente marxista-leninista, com votação sempre residual. E é nessa onda que Musk – o CEO da Tesla, Space X, sua subsidiária Starlink , e dono do X -, que foi o maior doador individual da campanha de Trump, chegando a ser nomeado conselheiro presidencial – ameaça surfar: criar o seu America Party para “devolver a liberdade aos EUA”. Ele até sonha em, como nas redes, engajar a ideologia pelo mundo. Pelos pensadores com quem tem conversado, gente barra pesada, o America Party seria uma máfia de extrema-direita do Vale do Silício, que adoraria dominar a porra toda.

llustração gerada por IA de um possível logotipo do Partido América, e foto de Elon Musk em uma coletiva na Casa Branca, antes de romper com Trump, quando achou que era “dono do pedaço”. Publicado em matéria da Newsweek.

Obviamente, Musk pode estar blefando. Mas ele tem de fato mantido contato com gente como o “programador” do Vale do SIlício Curtis Yarvin, hoje filósofo antidemocrático, que oferece insights sobre um novo manual para um governo de elite e governança corporativa, num futuro pós-democrático, que promoveria ideias autoritárias e elitistas, com traços antidemocráticos e até com visões racialistas. E Peter Thiel – magnata da tecnologia, outro bilionário defensor da “tecnocapitalismo”, onde manda quem controla empresas de tecnologia disruptivas. Muitos chamam de Máfia do PayPal — um grupo de estrelas do Vale do Silício com ligações ao período de formação do aplicativo de pagamentos — e tornou-se parte integrante do segundo governo Trump. Em comum, Musk, Yarvin e Tiel, todos podres de ricos, têm uma obsessão por mudar a forma de governo no planeta, por algo mais parecido com uma monarquia de CEOs do Vale do Silício – já apelidada de Gov-Corp, ou Government Corporation.

E outra – e isso não é folclore, gente – são todos obcecados por uma perseguição doentia pela imortalidade, em projetos em que têm investido fortunas, envolvendo criogenia – à frente empresas como Alcor e Cryonics Institute -, e transferência de consciência para um computador – objeto da startup Nectome. Thiel e Sam Altman, da OpenAI, aplicaram milhões na Retro Biosciences, startup de biotecnologia da Califórnia focada em prolongar a vida por meio da autofagia celular. Bill Gates parece ser o único do bando a recusar financiar projetos de vida eterna.

Curtis e Yarvin: coloquem esses nomes na boca do sapo

Curtis, cientista da computação, blogueiro e teórico político norte-americano, mais conhecido pelo pseudônimo Mencius Moldbug, é uma figura lendária no movimento neorreacionário (NRx), também chamado de Iluminismo das Trevas – você vai ouvir muito essa expressão -, que propõe uma crítica radical à democracia liberal e ao igualitarismo moderno. A partir de 2007, Yarvin ganhou notoriedade com o blog Unqualified Reservations, onde passou a defender que a democracia é um sistema falido e ineficiente. Ele propõe substituí-la por um modelo de governo autoritário, liderado por um “CEO soberano”, inspirado no cameralismo prussiano — uma filosofia administrativa que trata o Estado como uma empresa. Esse modelo é denominado por ele de “neocameralismo”. Entre seus conceitos mais influentes está o termo “A Catedral”, que descreve uma suposta aliança informal entre universidades, mídia e burocracia, responsável por moldar e perpetuar valores progressistas e igualitários na sociedade ocidental.

Curtis Yarvin, filósofo da corte MAGA, que argumenta que os Estados Unidos deveriam ser governados por uma tecnomonarquia. Foto: Sophie Park para o The New York Times

Embora inicialmente marginal, as ideias de Yarvin ganharam espaço em círculos conservadores e tecnocráticos nos EUA. Ele é citado como influência por figuras como o bilionário Peter Thiel, o senador J.D. Vance e o investidor Marc Andreessen. O investidor e empreendedor de tecnologia Thiel, nascido na Alemanha, um “disruptor” do Vale do Silício que ajudou a fundar o PayPal ao lado de Elon Musk e fez fortuna como um dos primeiros investidores do Facebook, catapultou-se para o topo da classe de megadoadores ao investir nas campanhas de Trump e candidatos conservadores. Virou ume lenda. Thiel é outra figura central do futuro America Party, se vier a existir. Ele está em todas as frentes. Para exemplificar seu caráter, criou a Thiel Fellowship, financiando jovens para abandonarem a universidade e iniciarem projetos próprios,e investiu em biotecnologia antienvelhecimento -como a SENS Foundation -, entre outras paradas elitistas.

O bilionário nascido na Alemanha, um “disruptor” do Vale do Silício, Peter Thiel investe milhões nas eleições de Trump e conservadores. Fotografia: Marco Bello/Getty Images

Outros bilionários já flertaram com Musk pela criaçãoda facção política America Party, compartilhando a visão do ex-chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) de criar um partido “tecnolibertário”. Como o empresário e investidor Mark Cuban, que expressou apoio público à criação do America Party, elogiando a estratégia de Musk de focar em cadeiras-chave no Congresso para influenciar a legislação . Em seu podcast Pod Save America – todos parecem ter um – afirmou que o Partido América se concentrará em algumas cadeiras importantes na Câmara e no Senado que poderiam servir como “voto decisivo” em “leis controversas”. “É assim que Elon pensa. Ele busca influência. E há uma influência absoluta em garantir que os dois partidos no poder não tenham poder suficiente para aprovar nada”, disse Cuban no podcast.

O empresário e investidor Mark Cuban, proprietário do Dallas Mavericks, que em seu podcast “Pod Save America”, expressou apoio público à criação do America Party, elogiando a estratégia de Musk de focar em cadeiras-chave no Congresso para influenciar a legislação. Foto: Rocky Widner / NBAE via arquivo Getty Images.

Influenciadores fascistas

Lá, como aqui, “influenciadores” fascistas – nossos Monarks e Alexandres Garcias – também fazem seu trabalho. Anthony Scaramucci, ex-diretor de comunicações da Casa Branca, manifestou interesse em se reunir com Musk para discutir o partido. Andrew Yang, fundador do Forward Party, Yang afirmou estar em contato com Musk e sua equipe, sugerindo colaboração para desafiar o sistema bipartidário. Andrew Yang, ex-pré-candidato presidencial democrata em 2020, e fundador do Forward Party, em 2022, – uma fusão de dois embriões partidários, Serve America Movement e o Renew America Movement – , legenda centristra, defende, entre outras bizarrices elitistas. a implementação do voto por classificação (ranked-choice voting), que atribui uma ordem de preferência aos candidatos. O presidente do Comitê Nacional Libertário, Steven Nekhaila, mandou um recado para Musk: junte-se a nós e não lute a difícil batalha de lançar um terceiro partido. “Criar um novo terceiro partido seria um erro”, disse Nekhaila ao Score na terça-feira. “O Partido Libertário é o partido mais preparado para ser o partido dissidente e subversivo.”

Andrew Yang, ex-candidato presidencial, discursa em um evento político.Foto: Brandon Bell/Getty Images – publicado na Time.

Joe Rogan, que ganhou destaque como comentarista de UFC (Ultimate Fighting Championship) – carro-chefe da franquia de açougue de luta entre artes marciais mistas (MMA) – que se chama de esporte -, usa seu atual podcast The Joe Rogan Experience para defender a “Musk Experience” – por sinal, seu recordista como convidado ao canal. Na Alemanha, Naomi Seibt, conhecida como a “anti-Greta”, tem interagido com Musk nas redes sociais e compartilha de suas visões políticas, especialmente em relação ao partido de extrema-direita alemão AfD, que Musk também apoia publicamente. Empresário e influenciador baseado em Dubai, Mario Nawfal tem sido amplamente promovido por Musk nas redes sociais. Ele conduz entrevistas com líderes políticos controversos e é visto como uma voz alinhada às visões geopolíticas de Musk, especialmente em relação à Rússia e ao Oriente Médio. Líder do partido Reform UK e figura central no Brexit, Nigel Farage manteve diálogos com Musk sobre possíveis doações ao seu partido. Líder do Partido Conservador do Canadá – até no Canadá, minha gente! – Pierre Poilievre foi elogiado por Musk, que compartilhou entrevistas suas e demonstrou apoio às suas políticas conservadoras.

Ativista anti-Islã e influenciador, Taleb Al-Abdulmohsen, direto da Arábia Saudita – já uma monarquia absoluta teocrática, sonho de Musk – onde o príncipe herdeiro autorizou o assassinato do jornalista Jamal Khashogg, que era colunista do The Washington Post, em caso de repercussao mundial – declarou o bilionário do X como uma de suas principais inspirações políticas. Ele utilizou avatares de IA com a imagem de Musk para promover mensagens contra o governo alemão e em apoio ao AfD.

Joe Rogan em seu popular podcast, The Joe Rogan Experience, um dos influenciadores norte-americanos que demonstram o ceticismo em relação ao poder institucional e o pensamento heterodoxo. Foto de divulgação.

Como escreveu Aldous Huxley, na obra-prima “Admirável Mundo Novo”, As flores do campo e as paisagens têm um grave defeito: são gratuitas”.

  • Foto de capa: O bilionário Elon Musk, idealizador do America Party, em foto postada nas redes sociais. Reprodução do perfil DogeDesigner/X.

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, já foi repórter e editor nos maiores veículos do país - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa, analista sênior de informações e/ou ex-diretor de agências de comunicação corporativa - FSB Comunicação, Santafé Ideias, entre outras -, ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ, trabalhou no Senado Federal e na Prefeitura do Rio. Já foi assíduo colaborador dos sites Os Divergentes e DCM. E criador, com meu irmão Paulo Henrique, da revista cultural Tablado, que durou 20 anos a acabou na pandemia. Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog. E, PRINCIPALMENTE, pai do Bruno e da Gabriela, orgulhos da minha vida.

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