Motta recuperou apenas a cadeira

7 de agosto de 2025, 17:20

Sabemos de gente que sentiu pena de Hugo Motta ao ver o vídeo em que ele precisou do deputado Helio Lopes como batalhão precursor, para tentar chegar à sua cadeira na mesa da Câmara. 

Motta era um personagem do século 19 saído de uma cápsula do tempo. Uma figura frágil, que se extraviou e caiu naquele cenário sem entender direito onde estava e qual seria sua atribuição no espetáculo do motim. 

Foi como se um roteirista anarquista das mais medonhas séries da Netflix misturasse figuras de várias épocas na mesma cena, para nos colocar cara a cara com as muitas faces da bandidagem nacional ao longo da História. 

O Brasil juntou numa mesa a representação da maldita ceia de todos os tipos de delinquentes, facínoras, gângsteres, mafiosos e milicianos. Todos estavam ali representados. 

E o herói improvável tinha que ser Hugo Motta escoltado por Hélio Lopes. Não se imagina, nem na ditadura, que alguém fizesse o papel que ele fez, com circunstâncias e personagens assemelhados. 

Por isso sentimos pena de Motta. Pela falta de imposição física, pelo vacilo, pelos pedidos de me deixem passar, pelo tom de voz sem potência para enfrentar os que o afrontavam. 

Motta descobriu, ao tentar retomar sua cadeira, por que diziam que na ditadura até os bons modos prolongaram os horrores. O fascismo das liturgias públicas, incluindo a ala colaboracionista do Congresso, muitas vezes era excessivamente cordial. 

A ditadura perseguia, prendia, cassava, torturava e matava com método. Mas dava a entender que agia com certo decoro, porque a imagem do horror para consumo externo mostrava outras faces. 

O fascismo evoluiu e agora ostenta publicamente suas crueldades dentro do Congresso desqualificado pelos próprios congressistas.

A mesa da maldita ceia do golpismo deu protagonismo ao terceiro time do bolsonarismo. E Hugo Motta não tinha ninguém, como havia na ditadura, que o agredisse mas ao mesmo tempo o tratasse respeitosamente de vossa excelência. 

Devem ter dito, no tom gaúcho de ser, coisas na linha do tu só te senta aqui de novo se fizer o que a gente mandar. Motta vacilou, foi, voltou e cedeu, depois de socorrido pelo padinho sinhô Arthur Lira. 

Os amotinados devolveram a cadeira em troca do fim do foro privilegiado, pela proibição de prisão de parlamentares por ordem do Supremo e pela anistia aos golpistas. 

O presidente da Câmara era um coroinha tentando retomar o lugar no altar que já foi de Ulysses Guimarães. Por isso sentimos pena dele. Porque não conseguia ser nem um Severino Cavalcanti. Por transmitir fraqueza, insegurança, medo e desamparo. 

Um representante da nova geração do velho coronelismo nordestino não tinha armas para enfrentar a fúria do novo cangaço miliciano. 

Motta estava fora do tom até quando tentou, já sentado, transmitir a mensagem de comandante que retoma o posto, sem certeza de que era isso mesmo que estava acontecendo. 

O humilhado disse: “Um somatório de acontecimentos recentes nos trouxe esse sentimento de ebulição dentro da Casa”. 

O discurso não foi ruim, tem uma boa argumentação e um bom encadeamento. Mas não conseguiu produzir uma manchete. Faltou algo mais do que o sentimento de ebulição. Foi suave, cândido e quase pediu desculpas aos amotinados: 

“Eu penso que o que aconteceu aqui nesta Casa não foi bom, não foi condizente com a nossa história e só reforça que nós temos que voltar a obedecer ao nosso regimento, à nossa Constituição, para o bom funcionamento desta Casa”. 

Motta retomou a cadeira, mas não há garantia alguma de que esteja de volta ao comando da Câmara, agora compartilhado com os amotinados, os que mostraram e os que esconderam a cara.

  • Imagem do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados.

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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