
116,06 bilhões de reais merecem sua atenção

O mais recente levantamento da Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima) expõe, com números robustos, a força da música como motor da economia criativa no Brasil. Em 2024, o PIB do setor atingiu R$ 116,06 bilhões, com protagonismo do segmento de serviços, em especial a música ao vivo, que sozinha movimentou R$ 94 bilhões, representando 81% de toda a atividade econômica da área. O dado não surpreende: o público tem gastado mais, os megashows se consolidaram como âncoras do calendário cultural e eventos como o Carnaval do Rio, o Rock in Rio e até o show de Madonna em Copacabana transformaram-se em combustíveis fundamentais da engrenagem turística e financeira do país.
Ainda assim, como ressalta Daniel A. Neves, presidente da Anafima, essa pujança não se reflete na devida atenção por parte de governos e formuladores de políticas públicas. “Muitas vezes nosso setor é considerado hobby, entretenimento, algo menor”, diz ele, lembrando que a música ainda recebe menos de 1% dos incentivos tributários federais — uma proporção irrisória quando comparada à indústria automobilística ou ao agronegócio. O contraste é gritante: enquanto setores tradicionais contam com farta renúncia fiscal, a música, mesmo gerando impacto direto em turismo, arrecadação e imagem internacional, segue subestimada.
Outro dado relevante é o crescimento da música gravada, que movimentou R$ 3,486 bilhões em 2024, com avanço de 21,7% sobre o ano anterior. O streaming, responsável por quase 88% das receitas, consolidou-se como modelo dominante, tendo o Spotify na liderança do mercado. Além disso, a predominância de conteúdo nacional impressiona: 93,5% das 200 músicas mais consumidas no Brasil são brasileiras, evidência da vitalidade cultural do país. A arrecadação de direitos autorais, de R$ 1,8 bilhão, também mostra amadurecimento, com distribuição para 345 mil titulares entre as sociedades do Ecad.
Mas a base empresarial que sustenta esse setor é frágil: 88% das empresas são micro, e quase metade são MEI. O ecossistema, portanto, é pulverizado, dependente de políticas de estímulo e extremamente vulnerável a oscilações. Some-se a isso a dependência externa de insumos, já que 99% dos instrumentos e equipamentos de áudio são importados, fazendo com que artistas e produtores brasileiros paguem o dobro do preço praticado nos Estados Unidos ou na Europa. A música, como lembra Neves, é um ativo estratégico de alto retorno, mas precisa de condições mais sólidas para prosperar.
Diante desse cenário, existe uma proposta de se criar a Agência Nacional de Música (AGEMUS). A entidade poderia organizar o setor, estimular a formalização e articular políticas de fomento e exportação cultural, trabalhando em parceria com o Ministério da Cultura e Ministério do Turismo. A inspiração está na Coreia do Sul, que utilizou suas indústrias criativas como ferramenta de soft power, transformando o k-pop e o audiovisual em fenômenos globais.
O estudo da Anafima é relevante por ser um alerta e, ao mesmo tempo, uma convocação. A música brasileira movimenta bilhões, gera empregos, atrai turistas e molda a imagem do país no exterior. Mas continua sendo tratada como apêndice da economia. É preciso reconhecer e potencializar o setor. Se o Brasil compreender a música como ativo estratégico, o futuro pode transformar o que hoje já é potência cultural em verdadeira política de desenvolvimento nacional.
- Imagem gerada em IA