A bordo da Flotilha da Liberdade com Giovanna Vial e a vigilância constante de drones

9 de setembro de 2025, 09:27

A jornalista brasileira e ativista Giovanna Vial detalhou as dificuldades da viagem, a convivência a bordo e os objetivos da campanha humanitária da Flotilha da Liberdade, que saiu de Barcelona, na Espanha. “A gente só saiu efetivamente do porto de Barcelona na segunda-feira (25/08). Tivemos uma noite bem complicada, com mau tempo também de segunda para terça-feira (26/08)”, disse ela, numa entrevista concedida no último dia 21 de agosto. A jornalista relatou ainda que, desde a partida, a vigilância aérea vinha sendo constante.

Após uma escala de descanso na Ilha de Maiorca, o barco partiu na quinta-feira (28/08) em direção à Tunísia, onde devia atracar em aproximadamente três a quatro dias. “Na maioria das noites, a gente teve drones sobrevoando o barco, mas não sabíamos se eram israelenses, espanhóis, porque a gente estava em águas territoriais espanholas também, então é difícil saber de quem são esses drones. Mas o fato é que eles sobrevoaram por bastante tempo, quase todas as noites, desde que a gente saiu de Barcelona”, explicou.

Contexto

Nesta segunda-feira, 8, a Flotilha Global Sumud para Gaza (GSF) informou que seus principais barcos foram atingido por um drone em águas tunisianas, embora todos os seis passageiros e tripulantes estejam seguros. O barco de bandeira portuguesa, que transportava o comitê de direção da flotilha, sofreu danos causados ​​por incêndio no convés principal e no depósito abaixo do convés, informou a GSF em um comunicado. A flotilha é uma iniciativa internacional que busca entregar ajuda humanitária à Faixa de Gaza devastada pela guerra por meio de barcos civis apoiados por delegações de 44 países.

Em junho passado, outra Flotilha da Liberdade, liderada pelo navio Madleen, de bandeira britânica, tentou quebrar o bloqueio naval israelense da Faixa de Gaza para a entrega de ajuda humanitária. A flotilha foi interceptada em águas internacionais pela Força de Defesa de Israel, sendo impedida de chegar à Faixa de Gaza. Em maio, o navio Conscience foi atingido por projéteis em águas internacionais perto de Malta.

Diante da tensão e da vigilância constante, os ativistas a bordo da Flotilha da Liberdade seguiram na missão de desafiar o bloqueio marítimo imposto por Israel à Faixa de Gaza. Foto: Mohamed Messara/EPA

Cooperação internacional a bordo

Giovanna Vial lembrou, na ocasião, que a diversidade de nacionalidades a bordo da Flotilha da Liberdade exigiu um grande exercício de diplomacia e colaboração. Só no barco onde ela estava, havia dez nacionalidades diferentes, e mais de 40 em toda a flotilha.

“É preciso ter uma sensibilidade cultural bastante grande, mas todo mundo é muito cooperativo, a gente fez divisão de tarefas, todo mundo faz um pouco de tudo, limpa banheiro, limpa cozinha, enfim, as atividades são divididas e a gente tá tentando se organizar da forma mais harmônica possível”, disse.

A estratégia, segundo Giovanna, era simbólica e prática: abrir um corredor humanitário. Ela também afirmou que a carga principal levada pelo grupo era composta por alimentos e fórmulas infantis para bebés. No entanto, o propósito final vai além dessa entrega direta de mantimentos.

“Nosso objetivo não é necessariamente pisar em Gaza, mas abrir um corredor para que as embarcações possam passar, para que esse corredor seja aberto e então a ajuda humanitária possa começar a vir por mar, já que por terra a gente sabe que é praticamente impossível desde março deste ano”, explicou.

Segundo o comissário-geral da Agência da ONU, Philippe Lazzarini, pelo menos cem menores morreram na área de conflito por desnutrição. De acordo com o Unicef, o número de crianças mortas ou feridas em bombardeios e ataques aéreos chega a 40 mil. Além disso, pelo menos 17 mil estão desacompanhados e separados de suas famílias, e um milhão vive em profundo trauma sem acesso à educação.

Por questões de segurança, não foi revelado quem os receberia do lado palestino, segundo os planos originais. “É muito difícil falar para vocês quem é que tá esperando do outro lado e qual é a nossa contrapartida de lá, não é? Porque a gente não pode dar nomes, não pode colocar outras pessoas em risco.”

Proteção governamental

Questionada sobre o acompanhamento do Governo brasileiro, Giovanna afirmou que o Itamaraty tinha “plena noção da missão”. E lembrou a atuação ativa da diplomacia brasileira durante o sequestro e a prisão do ativista Thiago Ávila pelo Executivo israelita na missão anterior.

No entanto, a jornalista lamentou a ausência do presidente Lula naquele momento, principalmente pelo fato de o chefe de Estado brasileiro ter reunido com o presidente francês, Emmanuel Macron.

“Faltou um pouco de pronunciamento da parte do Presidente Lula, que estava em viagem oficial a Paris, depois ao sul da França. Inclusive, naquele momento, também havia cidadãos franceses no barco onde o Thiago estava, e nenhum dos dois pronunciaram efetivamente, explicitamente, sobre a presença dos seus cidadãos no barco”, ressaltou.

Aalém de Giovanna, outros brasileiros estavam a bordo da Flotilha da Liberdade: Bruno Gilga Rocha, Lucas Farias Gusmão, João Aguiar, Mohamad El Kadri, Magno Carvalho Costa, Ariadne Telles, Lisiane Proença, Carina Faggiani e Victor Nascimento Peixoto, além da vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Mariana Conti, e da presidente da legenda no Rio Grande do Sul, Gabrielle Tolotti.

“É praticamente impossível que o Governo não estivesse a par da situação, e obviamente não omitiriam ajuda diplomática ou negariam ajuda se a gente precisar em casos de intercetação e sequestro”, esclareceu. 

Sobre a notícia de que o Governo português se recusou a prestar apoio aos seus cidadãos na flotilha, a jornalista foi taxativa: “Isso na verdade não foi escolha deles. É uma obrigação administrativa e governamental que eles não podem se eximir”, reforçou.

Entre os portugueses navegando ao lado dos ativistas brasileiros, estavam a deputada pelo Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, a atriz e modelo Sofia Aparício e o ativista Miguel Duarte. 

Sabotagem

Antes de se despedir, a jornalista brasileira fez um alerta a respeito do risco de sabotagem pelo Governo de Benjamin Netanyahu. Giovanna Vial explicou que flotilhas anteriores sofreram diversos tipos de interferência, desde um ataque de drone em 1º de Maio até articulações diplomáticas de Israel para impedir a saída dos barcos de portos europeus.

“Esse estilo de sabotagem é bem clichê, é bem carta marcada já”, pontuou. “A gente já está acostumado a lidar com esse tipo de coisa, mas a sabotagem vem de todo lado, né? Nós estamos falando de um Estado pária que faz qualquer coisa para impedir que civis ajudem outros civis famintos com a fome que eles mesmos orquestraram”, afirmou.

Apesar das ameaças e dos desafios, a tripulação manteve o ânimo e a vigilância. “A gente esteve alerta para todos os tipos de sabotagem, mas por enquanto navegamos”, finalizou Giovanna, enquanto o barco seguia seu curso rumo a Gaza. Até vir o ataque.

  • Foto da jornalista brasileira Giovanna Vial. Reprodução.

Escrito por:

Radicada em Lisboa, é jornalista correspondente de Opera Mundi e escreve em veículos como Jacobin Brasil, Jornal Expresso e Rádio TSF Portugal. Atuou em redações como Revista Brasil Já e Sapo Mag, além de contribuir para diversos meios, entre eles Brasil de Fato, ICL Notícias, Brasil 247, DCM, Correio Braziliense e Rádio Bandeirantes. Cobriu conflitos como as guerras da Ucrânia e do Líbano, as eleições presidenciais na Rússia, as eleições judiciais no México e a Cúpula do Brics, em Kazan e no Rio. Seus principais focos são guerras, conflitos, direitos humanos, migrações, habitação, política e cultura.

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