
A música que o Brasil não pode esquecer

Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro encara um julgamento histórico, o país parece afinar seus ouvidos para algo maior que a retórica de tribunais: a memória. Porque se há uma coisa que ditaduras sempre tentam silenciar, sem nunca conseguirem de fato, é a música.
Durante a ditadura militar de 1964, artistas foram presos, torturados, exilados. Chico Buarque precisou virar “Julinho da Adelaide” para driblar censores. Gilberto Gil e Caetano Veloso foram obrigados a sair do país. Geraldo Vandré teve sua carreira esmagada pelo regime: “Pra não dizer que não falei das flores” virou hino proibido. Geraldo Azevedo teve dias cinzas nos porões da ditadura. Gonzaguinha, Milton Nascimento, Taiguara, todos sentiram o peso da censura.
Agora, imaginemos o que teria acontecido se a aventura golpista de Bolsonaro tivesse dado certo em 8 de janeiro: talvez estivéssemos discutindo qual música poderia ou não ser cantada em shows, ou quem poderia subir ao palco sem jurar fidelidade ao “mito”. Talvez “Apesar de Você”, de Chico, fosse outra vez crime contra a pátria. Talvez “Cálice” (Chico e Gil), fosse outra vez proibida. Talvez o Lollapalooza exibisse em sua grade aquele ex-ministro destruindo a sanfona e o Pink Floyd, antes do show de Leonardo, o rei do gado.
Bolsonaro, o imperador da terra-plana; o pai da cloroquina, aquele que não é coveiro, hoje enfrenta a história. O julgamento de hoje é sobre qual Brasil queremos ouvir: o país dos microfones ligados, das vozes diversas e dissonantes, ou o país do silêncio, do medo e do refrão único imposto pela força. A história nos mostra que, mesmo sob censura, a música brasileira sempre encontrou um jeito de desafinar o coro dos contentes.
O julgamento de Bolsonaro nos faz lembrar da trilha sonora que o Brasil não pode esquecer. Nunca mais.
- Imagem gerada em IA