Bolsonaro usa até Valdemar para afrontar o Supremo

15 de setembro de 2025, 19:00

Nem presos com direito a visitas íntimas têm o que Bolsonaro pede ao ministro Alexandre de Moraes. O chefe da organização criminosa, condenado a 27 anos de cadeia pelo Supremo, quer receber visitas semanais de Valdemar Costa Neto em casa.

Enquanto aguarda a decisão sobre o local em que será encarcerado, Bolsonaro deseja ter, em prisão domiciliar, conversas semanais e profissionais com o dono do PL. Para continuar articulando os próximos passos do centrão e da extrema direita, depois do estrago da condenação do núcleo do golpe.

É como se o chefão do tráfico, mesmo depois de condenado, pedisse ao juiz para continuar conversando com membros da sua facção, porque agora eles tratarão de coisas normais. Bolsonaro foi sentenciado como chefe da quadrilha que tentou o golpe e quer continuar tendo uma vida sem restrições.

Sabemos que Valdemar, indiciado pela Polícia Federal, escapou de ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República, na decisão mais surpreendente da PGR ao formar o lote de golpistas encaminhado ao Supremo.

Valdemar se safou para poder continuar conversando todas as semanas com o chefão, com a desculpa, talvez, de que não faz parte, sob o ponto de vista do MP e da Justiça, da organização criminosa.

Se for autorizado a receber Valdemar todas as semanas para o chá da tarde, Bolsonaro continuará agindo politicamente, quando já deveria ter sido imobilizado em casa.

Um preso, mesmo contido onde mora, pode receber cúmplices políticos, para continuar tratando de atividades que acabaram por levá-lo à condenação? Podem responder que Bolsonaro não tratará de mais um golpe e que tem liberdade para conversar com quem quiser.

Sabe-se que não tem, ou daqui a pouco até Augusto Heleno poderia pedir para vê-lo aos domingos. É elementar que um sujeito condenado como criminoso por atividades políticas ilegais não pode continuar agindo, em articulações políticas, como se isso fosse normal. Não é normal, nem razoável, nem aceitável.

Valdemar declarou essa semana que o golpe foi planejado e não aconteceu porque não entrou em execução. Também já disse que Bolsonaro foi condenado e que não há mais o que fazer na área da Justiça, restando outras saídas que devem ser pensadas.

O presidente do PL pretende tratar dessas questões com Bolsonaro, e não sobre a situação do Palmeiras no Brasileirão. O condenado Bolsonaro se sente no direito de continuar tramando alguma coisa com o dono do seu partido. E todas as semanas.

Mas não poderia se sentir tão à vontade, nem uma vez por mês. Bolsonaro deveria ser avisado de que precisa se concentrar agora no que fará quando estiver preso. E não continuar agindo como se tivesse permissão para fazer o que deseja.

Bolsonaro não pode tramar, em conluios políticos, contra o Supremo que o condenou, articulando a própria anistia ou o reagrupamento do fascismo em torno dessa e de outras ideias. Porque a tentativa de anistia é um ataque à instituição que o julgou.

Não seria razoável se um chefão do tráfico, condenado pelo juiz, decidisse reunir suas forças, em nome da liberdade de expressão e de organização, para tentar derrubar a decisão do magistrado – não em outra instância da Justiça, mas por artimanhas da política. 

Mesmo assim, o requerimento para autorização das visitas de Valdemar diz o seguinte: “A solicitação justifica-se pela indispensável interlocução com o dirigente máximo da agremiação partidária, cuja função demanda contato direto e frequente com o peticionante, notadamente para coordenação de pautas institucionais e planejamento de ações políticas de alcance nacional”.

O chefe da organização criminosa quer continuar tratando de pautas profissionais com um interlocutor que, por decisão da PGR, livrou-se de ser denunciado como golpista. Para planejar ações políticas de alcance nacional.

Bolsonaro não tem o direito de sugerir aos brasileiros que submetam o Supremo ao que pensa e deseja, por dispor de um foro imaginário que lhe assegura privilégios.

Não há como imaginar que o chefe do golpe, em prisão domiciliar e a caminho do cárcere, possa participar de ações políticas consideradas normais, depois de ter sido condenado por comandar ações anormais e criminosas.

  • Bolsonaro e Valdemar Costa Neto. Foto de arquivo: PL/Divulgação

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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