Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Com fundo bilionário, projeto tenta garantir controle do Estado na economia digital

26 de novembro de 2025, 09:30

O deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), deu entrada nesta terça-feira (25) na Câmara dos Deputados, com o Projeto de Lei 5960 de 2025, que inaugura uma nova disputa simultaneamente política, econômica e jurídica sobre o futuro da economia digital no Brasil. O texto propõe um marco normativo mais abrangente do que os projetos já em tramitação: PL 2338/23 (exige criação de órgão de supervisão de IA, mas com estrutura definida posteriormente), e o PL 4675 ( que fortalece o CADE com superintendência dedicada à economia digital). O projeto Jadyel redefine os poderes do Estado, as obrigações das plataformas digitais e sistemas de inteligência artificial, resguarda os direitos de autores e criadores e estabelece um fluxo econômico próprio, que alimentará o setor através de um “Fundo Nacional de Economia Digital”.

A proposta rompe com o modelo fragmentado de regulação vigente proposto no PL 2.338 que funciona como regulador da inteligência artificial e o PL 4675 cujo foco central é a criação de um modelo concorrencial que busca equilíbrio frente ao poder das big techs. O projeto recém apresentado pelo deputado Jadyel Alencar tenta consolidar o Estado brasileiro como protagonista no desenvolvimento tecnológico e no controle das infraestruturas que sustentam a economia de dados. O parlamentar reposiciona o debate sobre inteligência artificial e economia digital no Congresso e reforça a estratégia de apoiar medidas que ampliam a presença e o poder regulatório do Estado em setores considerados estratégicos.

Do ponto de vista político, o PL desloca o debate sobre inteligência artificial do campo meramente técnico para uma arena de soberania nacional, ao afirmar que infraestruturas digitais, modelos fundacionais de IA e bases de dados anonimizados são ativos estratégicos. O projeto nitidamente introduz um discurso que tende a alinhar parte expressiva do Congresso em torno da ideia de autonomia tecnológica e proteção de interesses nacionais.

Essa narrativa fortalece parlamentares que defendem maior intervenção estatal e cria um ambiente de pressão para que opositores se justifiquem diante do argumento de que eventuais críticas representariam fragilização da soberania brasileira. A proposta também mobiliza grupos influentes como setores culturais, universidades, empresas nacionais de tecnologia e estados que buscam atrair investimentos públicos e privados vinculados ao novo marco.

Politicamente, o PL ainda cria novos espaços de poder dentro do Estado. O fundo nacional, o sistema de certificação, o instituto de segurança em IA e as bases públicas de dados exigem estruturas de governança que envolverão disputas por nomeações, influência técnica e direcionamento de políticas públicas. Esses instrumentos ampliam o poder do Executivo, mas também fortalecem o Congresso, que passa a legislar sobre áreas antes dominadas por regulações setoriais e normativas infralegais.

Fundo

No campo econômico, o PL 5960 cria instrumentos que transformam a lógica financeira do ecossistema digital. A instituição do “Fundo Nacional de Economia Digital” estabelece uma nova fonte estratégica de recursos para financiar inovação, pesquisa, startups, enxoval tecnológico de universidades, capacitação profissional, desenvolvimento de modelos fundacionais brasileiros e uso de energias renováveis em infraestruturas digitais.

O fundo se alimentará de receitas diversificadas, incluindo valores pagos pelo acesso às bases de dados anonimizados, parte dos dividendos de estatais, aportes internacionais, multas e inclusive uma parcela das receitas de petróleo. Essa estrutura amplia a capacidade do Estado de direcionar investimentos, cria oportunidades econômicas para setores produtivos nacionais e estabelece um eixo de financiamento menos dependente de ciclos externos ou de restrições orçamentárias típicas de políticas públicas de inovação.

O projeto também produz impacto econômico significativo sobre grandes plataformas e empresas globais de IA. A exigência de identificação de conteúdo gerado por IA, somada à obrigatoriedade de atribuição de fontes e ao pagamento proporcional pelo uso de obras jornalísticas, literárias, audiovisuais ou musicais, introduz custos de conformidade e mecanismos de redistribuição econômica.

Essa redistribuição interessa diretamente aos setores culturais brasileiros, que passam a ter uma base jurídica para pleitear remuneração contínua pelo uso de seus conteúdos em respostas automatizadas. Ao mesmo tempo, a obrigatoriedade de relatórios de transparência com métricas auditáveis altera a assimetria de informação entre plataformas e criadores, permitindo cálculo mais preciso do impacto econômico do uso de conteúdos por IA.

No campo econômico, o projeto de Jadyel altera profundamente a dinâmica financeira da economia digital ao introduzir mecanismos permanentes de redistribuição de recursos. O fundo bilionário torna-se um pilar central dessa estratégia ao estabelecer uma fonte estável de investimentos destinada a transformar o país não apenas em consumidor, mas em produtor de tecnologia.

Revela uma tentativa de criar um modelo autofinanciado de política industrial focado em inteligência artificial, inovação e infraestrutura digital. Tal arranjo pode aumentar a competitividade de empresas brasileiras, reduzir a dependência de soluções estrangeiras e estimular a criação de modelos fundacionais nacionais capazes de disputar espaço no mercado internacional.

Inovação

O projeto também cria incentivos para que universidades, institutos de pesquisa e centros tecnológicos se tornem atores centrais no desenvolvimento científico nacional. A previsão de editais, bolsas, subvenções e linhas de crédito voltadas à formação de especialistas, desenvolvimento de software aberto e construção de clusters regionais de supercomputação aponta para uma estratégia de formação de capacidade tecnológica que pode modificar o cenário de inovação no país.

Ao mesmo tempo, a iniciativa favorece startups e pequenas empresas, que passam a ter acesso privilegiado a financiamento, estrutura de certificação simplificada e oportunidades derivadas de contratações públicas inovadoras. A proposta, ao estimular a competição interna, tenta reduzir a distância entre empresas nacionais e gigantes internacionais que dominam a economia digital.

Campo jurídico

No aspecto jurídico, o PL não apenas cria novas obrigações, mas reestrutura a relação entre direitos autorais, proteção de dados, regulação tecnológica e defesa dos direitos fundamentais. O texto articula-se com a Lei Geral de Proteção de Dados ao proibir reidentificação de bases públicas anonimizadas e ao prever sanções administrativas robustas nos casos de violação.

O projeto cria ainda um novo regime jurídico para sistemas de inteligência artificial ao instituir o “Sistema Nacional de Certificação de Inteligência Artificial” (Sincai). Esse regime exige certificação obrigatória para sistemas classificados como de alto risco e cria selos que atestam segurança, transparência, governança e responsabilidade.

O Sincai opera como instrumento de proteção de direitos fundamentais ao impor controles sobre decisões automatizadas que afetem integridade física, segurança, processo democrático ou dados pessoais. A certificação cria também uma moldura jurídica mais previsível para investidores, que passam a operar em ambiente regulatório definido, o que tende a reduzir incertezas e riscos legais.

Monetização

Outro eixo de aspecto jurídico relevante é a criação das bases nacionais de dados anonimizados geridas pelo Executivo e acessadas mediante pagamento. O projeto estabelece regras de governança multissetorial, proíbe expressamente a reidentificação de dados pessoais e limita o uso das informações, garantindo proteção a direitos fundamentais.

Além disso, o texto cria um novo regime de certificação para sistemas de inteligência artificial por meio do Sistema Nacional de Certificação de IA, que exige avaliação de segurança, transparência e impacto ético, especialmente nos casos de tecnologias classificadas como de alto risco. A certificação se torna condição para operação no país e introduz padrões que poderão influenciar desde modelos de crédito e avaliação de risco até algoritmos usados em saúde, educação e segurança pública.

O PL propõe uma arquitetura legal que combina licenciamento coletivo, acordos setoriais e mecanismos de arbitragem, criando um novo ambiente jurídico em que o uso de obras por sistemas de IA deixa de ser invisível e passa a ser rastreável e monetizado. A exigência de relatórios periódicos contendo métricas auditáveis e valores pagos às entidades representativas dos titulares de direitos autorais estabelece um nível de transparência inédito no país.

Ao mesmo tempo, o texto não altera a essência da Lei 9.610 (Direitos Autorais), mas cria um ambiente em que a exploração econômica por sistemas de IA deixa de ser área cinzenta e passa a ter regras claras de atribuição, transparência e pagamento.

Com a criação das bases públicas de dados anonimizados, o PL inaugura um novo segmento jurídico-administrativo sobre o uso de insumos estatais para desenvolvimento de tecnologias privadas. Há prestação remunerada, regras de acesso, controle contra reidentificação, governança multissetorial e salvaguardas para uso científico.

Esse conjunto de normas cria um mercado estatal estruturado de dados, cujo acesso será regulado por critérios definidos em regulamento. Do ponto de vista jurídico, esse modelo rompe com a tradição brasileira de dados públicos fragmentados e cria novo campo de atuação para advogados, reguladores e órgãos de controle.

Punições

As sanções previstas são outro ponto de forte impacto político e econômico. Multas que podem chegar a R$ 50 milhões de reais, combinadas com suspensão de atividades, fazem com que plataformas globais e empresas de IA tenham de negociar ajustes regulatórios e operacionais mais rapidamente. Há um claro esforço para reduzir a assimetria entre gigantes tecnológicos e criadores brasileiros ao estabelecer penalidades que tornam o descumprimento economicamente inviável.

A justificativa do autor argumenta que o Brasil precisa de um projeto de Estado para evitar dependência tecnológica e para assegurar uso estratégico de dados, infraestrutura e modelos de IA. Esse discurso cria ambiente favorável à aprovação do marco, pois associa inovação à proteção de direitos fundamentais, competitividade internacional e desenvolvimento econômico de longo prazo.

No conjunto, o PL 5960 de 2025 se firma como um dos projetos mais amplos e estruturantes já apresentados sobre economia digital no Brasil. A proposta estabelece novo mapa de poder envolvendo Estado, plataformas, criadores, academia e setor produtivo, reorganiza fluxos financeiros, impõe responsabilidades jurídicas inéditas e cria um arranjo institucional capaz de redefinir a economia digital brasileira pelos próximos anos.

A tramitação deve provocar embates intensos, inclusive internacionais, pois afeta diretamente interesses econômicos e regulatórios de grandes corporações, redefinindo os contornos jurídicos e políticos do desenvolvimento tecnológico no país. Agora serão três formas diferentes de tentar regular a área digital brasileira tramitando no Congresso Nacional.

Escrito por:

Jornalista (Reg prof 1618 - DF) 40 anos de profissão, com passagem pelas redações da Radiobras, Jornal de Brasilia, O Globo, Jornal do Brasil, agências de notícias Folhapress e JB, Rádio CBN, IDG Computerworld, Convergência Digital. Editor do blog Capital Digital.

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