“Com o tarifaço, criando uma divisão entre quem estava a favor e contra o Brasil, Donald Trump virou o principal cabo eleitoral do Lula”

24 de setembro de 2025, 17:03

O Jornalistas pela Democracia teve uma conversa com o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, considerado um dos mais respeitados em sua área no país, sobre o momento das relações Brasil-Estados Unidos, a radicalização de Donald Trump e o afago inesperado do norte-americano em Lula, feito na terça-feira, 23, durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, chamando o governante brasileiro para uma conversa. Rolou “química” no breve encontro que tiveram, disse Trump, quando praticamente se esbarraram entre a saída de Lula do discurso – que Trump fez questão de ver pela TV da ONU – e a entrada em cena do “xerife do planeta”.

Mestre e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (CEAPG) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) , professor do departamento de Gestão Pública da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo), e especialista em Gestão e Políticas Públicas, Marco Antonio, que está em viagem à Espanha – onde participou, como convidado, da mesa-redonda “Políticas de transparencia y rendición de cuentas en América Latina”, realizada na Universidad Carlos III, em Madrid- , ainda assim conversou conosco.

Democrata e preocupado com os rumos da América Latina e do planeta, ele defende, no Brasil, mais educação e cultura política, sobretudo nas escolas, inclusive para explicar os papéis de cada poder, e o que é democracia – e o custo de conquista-la e mantê-la. No domingo, o professor postou em suas redes uma foto de Chico Buarque, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Gilberto Gil e Djavan, no alto do carro de som em Copacabana, em protesto contra a PEC da Blindagem, já devidamente enterrada, e a Anistia aos golpistas, próxima a comer capim pela raiz. “Brasil, meu Brasil brasileiro”, escreveu.

Professor, o sr acredita mesmo no gesto de conciliação de Trump em direção a Lula na Assembleia-Geral da ONU? Ou é teatro político, estratégia, armadilha?

Esperava-se um aperto de mãos e se conseguiu um abraço. O Donald Trump falou até em “química” (entre ele e Lula). Embora o que o Trump fala seja muito mais o improviso da informalidade do que um ato de diplomacia, isso já resume bem a expectativa da reunião da semana que vem. E como é uma reunião em cima de tarifas mesmo, pode superar o que é o principal problema da relação Brasil-Estados Unidos, que é um problema ideológico. Mais por parte dos Estados Unidos do que do Brasil.

O sr acha que essa reunião realmente acontecerá, ainda que virtualmente? O sr vê resultados concretos, como redução de tarifas, ou apenas um palanque para o presidente norte-americano?

Acontecerá sim, Ricardo, provavelmente deve ser virtual, porque o compromisso foi firmado numa conferência internacional, ao vivo, diante dos olhos do mundo todo. Então, temos sim um compromisso que não é feito por assessores, mas, sim, pelos dois protagonistas, sobretudo o protagonista principal, o Donald Trump, que criava obstáculos para o encontro. Não vejo como ele agora tentar dar passos para trás, até pela fala do (chanceler brasileiro) Mauro Vieira, sobre o trabalho diplomático que vinha sendo construído. Mas a gente não sabe quais serão os resultados. Eu penso que poderá sair um acordo.

E, se sair um acordo da cúpula entre Lula e Trump, será uma vitória sem precedentes do governo brasileiro. Não recuou, foi firme na ONU, e ainda foi vigoroso na defesa do sistema de Justiça brasileiro, que era o principal alvo.

Saindo do factual da ONU, como o sr analisa a atual a deterioração das relações Brasil-EUA? Faz parte da tentativa de preservar um aliado político, como Jair Bolsonaro, ou isso é um biombo? Porque o governo Trump está fazendo o que está fazendo com o governo Lula?

O problema começa quando Eduardo Bolsonaro resolve ficar nos Estados Unidos, se somar ao Paulo Figueiredo, e aproveitar que tem de contatos de direita dentro da Casa Branca, e começam a envenenar a relação de Donald Trump com o Brasil, levando a perspectiva de ambos, gerando falsas narrativas, de que o Brasil é um regime de exceção, uma ditadura, não uma democracia. E, certamente, nesse esperado encontro de Trump com Lula, ele vai fazer seu contraponto, mostrar a realidade. Provavelmente, a rigor, Trump já vinha tendo, ele não faria do nada a inflexão que fez ontem e todo esse compromisso.

Mas é bom lembrar que tem todo esse problema inflacionário nos Estados Unidos que o tarifaço vem provocando, os produtos brasileiros são de consumo do cidadão norte-americano, sobretudo o café, pelo volume que se consome. E a forma que essa crise escalou para o mundo inteiro, que assumiu posições.

Finalmente, projetando para o futuro, a iminência das eleições de 2026, Lula de um lado, uma pulverização de candidatos de direita de outro, Tarcísio de Freitas colocando a cabeça de fora. As reações fortes governo Lula, que muitos consideraram altiva, de defesa da soberania nacional, que se refletiram em pesquisas, podem ter um peso sobre as eleições de 2026, ou isso já terá sido absorvido e esquecido. E o que, afinal, definirá sobre quem será o próximo presidente?

Todo mundo da oposição queimou a largada. Tarcísio agora diz que não é mais candidato, depois de ter sido fritado pela família Bolsonaro, e estar às turras com o Eduardo Bolsonaro. E os demais candidatos presidenciáveis no exercício do governo do estado também não conseguem decolar.

E o Lula teve duas sortes, Primeiro, lá atrás, com a questão do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) – quem paga mais imposto é quem ganha menos -, que criou uma divisão na sociedade, entre quem apoiava a taxação dos ricos, quem estava ao lado dos ricos.

E, depois, com o tarifaço, Donald Trump virou o principal cabo eleitoral do Lula, criando uma divisão entre quem estava a favor do Brasil e quem estava contra. Lembrando que os governadores candidatos ficaram com Trump no início – e Tarcísio colocou o boné do MAGA (Make America Great Again – um dos símbolos do trumpismo), uma marca negativa eterna, a ser exporado na eleição.

Com o governo capitaneando uma boa estratéfia de marketing, e recuperando o verde-e-amarelo e a bandeira nacional – que, até então vinham sendo monopolizada pelos bolsonaristas. Candidato de fato hoje só tem o Lula. Tarcísio pode vir, mas queimou a largada ao radicalizar o discurso e criticar o Surpemo. Tem, então, um candidato muito forte, e a oposição fragamentada brigando dentro de suas próprias entranhas.

  • Cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira. Foto arquivo pessoal/Divulgação

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *