Como misturar carne e café com Maduro e Petro?

25 de outubro de 2025, 13:10

O título deste artigo já resume a ideia central: como equilibrar, se é que isso será feito e será tratado na mesma proporção, no provável encontro entre o presidente brasileiro Lula e o “rei” norte-americano Donald Trump, o tema original da conversa, o tarifaço sobre produtos brasileiros – justamente despolitizando a conversa, sem a família Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes na pauta -, e não se omitir diante do gravíssimo momento vivido por dois países latino-americanos, os vizinhos Venezuela e Colômbia, ambos de esquerda, que veem no mar do Caribe, para intimida-los, o que há de mais destruidor nas Forças Armadas dos EUA? Ou seja, como Lula vai misturar carne e café, dois dos produtos mais afetados pelo tarifaço, defendendo os interesses dos empresários exportadores brasileiros, e a soberania das nações independentes governadas por Nicolás Maduro e Gustavo Petro, ambos chamados de narcotraficantes por Trump?

O fato é que, se Trump não der para trás, neste domingo, 26, em Jacarta, Indonésia, o presidente brasileiro Lula vai se encontrar com Trump – o que já torna o encontro histórico, diferentemente de Jair Bolsonaro, que frequentava não só o Salão Oval, mas Mar-a-Lago, como bom lambedor de botas – para, dentro do roteiro original, tratar espencialmente de tarifas comerciais: enquanto Brasília busca negociar melhores condições para exportações brasileiras, Washington aparece com uma agenda de duplo foco — comércio e poder geopolítico. Para o governo brasileiro – e isso mostraria muito poder de Lula -, a eventual flexibilização das tarifas, ainda que não voltassem ao patamar original, seria um passo importante para reequilibrar as relações econômicas entre os dois países.

O paradoxo, porém, é que enquanto se fala de recuar – ainda que parcialmente – no tarifaço de muitos produtos brasileiros e cooperação econômica, os Estados Unidos intensificam ações militares no Caribe e estão quase no litoral da Venezuela, fora o sobrevoo de bombardeiros e helicópteros para ações secretas, e, mais recentemente, o deslocamento do gigantesco porta-aviões USS Gerald Ford, sinalizando para uma operação militar de escopo significativo — algo que o Itamaraty e Brasília parecem minimizar em público. Ou pelo menos sem se pronunciar com a gravidade que deveriam. Tudo em nome de não “melar” o encontro com Trump? Analistas do Planalto acham que Lula poderá tirar – ou minimizar o tema América Latina da conversa. Lula, que antes tivera uma posição firme de não querer “humilhar-se” em negociações com Trump, agora aceita a interlocução — o que por si só já mostra como Brasília está calibrando seu jogo externo.

Enquanto isso, a operação militar dos EUA no Caribe e frente à Venezuela passa da retórica à ação, o que muitos analistas classificam como “monroe-doutrinismo 2.0”. Segundo fontes recentes, bombardeiros supersonicos foram enviados até a costa venezuelana, submarinos operam na zona, e navios de superfície foram encaminhados para o sul do Caribe em missões de “interdição de drogas”. Lula tem sido econômico nas defesas de Maduro e Petro e, quando muito, diz que ações militares desestabilizariam o ambiente político na América Latina. Nenhuma declaração condenando uma eventual invasão à Venezuela e as hostilidades contra Petro, e família, que sofreram uma sanção dos EUA, que bloqueou bens de Petro, da primeira-dama e de um de seus filhos.

Seria um grande blefe? Ou uma invasão iminente, com a volta do histórico intervencionismo dos EUA na América Latina – na maioria das vezes não diretamente, com tropas – isso foi mais comum na América Central, casos da tentativa de invadir Cuba, do Panamá, Guatemala, Nicaraguá, Honduras, etc – mas com apoio político e de sua inteligência. Exemplos clássicos são o golpe no Chile contra Salvador Allende em 1973, patrocinado pela CIA, e o apoio ao regime militar no Brasil após o golpe que derrubou João Goulart em 1964 — este último com a chamada “Operation Brother Sam” preparada pelos EUA. Esse legado torna‐se uma sombra sobre os atos de poder que se veem hoje, ainda que com outros formatos.

No Brasil, Lula recorda esse passado com ênfase. Ele já afirmou que “já perdoamos a intervenção dos EUA em 1964” — referência ao golpe que derrubou Goulart —, mas que agora vê uma nova “intervenção” disfarçada por via económica ou militar como algo inaceitável. Esse discurso, por sua vez, abre espaço para que ele levante o tema no encontro com Trump: não apenas tarifas, mas soberania, independência, respeito mútuo. Será que Lula terá culhão para colocar esses temas na pauta? E será que Trump não cortará simplesmente o assunto?

O encontro em Jacarta, marcado para domingo, será interpretado por muitos como o momento de alinhar dois eixos: um, uma trégua ou redefinição comercial Brasil-EUA; dois, um teste para ver até que ponto o Brasil aceita ou ignora a agenda militar americana na sua vizinhança. Até agora, o Itamaraty evitou críticas explícitas à escalada dos EUA perto da Venezuela, só declarações genéricas do chanceler Mauro Vieira – o assessor especial e ex-ministro Celso Amorim tem sido mais enfático -, o que gera questionamentos sobre a consistência da política externa brasileira.

Do outro lado, nos EUA, a estratégia revela duas frentes: econômica e militar. Em termos econômicos, as tarifas elevadas sobre o Brasil e outros países da região são vistas como instrumentos de coerção — mais que de simples comércio. Em termos militares, a presença de bombardeiros, submarinos e navios próximo à Venezuela já provocou reações diplomáticas de Caracas e Bogotá. Para a América Latina, o cenário é inquietante. A escalada dos EUA no Caribe é vista por governos como da Venezuela e países vizinhos como ato de guerra por procuração ou intimidação.

A contradição torna-se explícita: enquanto os Estados Unidos pedem diálogo comercial com o Brasil, em outro flanco mapeiam forças para operações além-mar, possivelmente de terra, contra o regime de Nicolás Maduro. A convergência deste conjunto de fatos, neste momento histórico, coloca o Brasil em um dilema: se vai participar de integração global, manter bom trato com os EUA e, simultaneamente, preservar sua autonomia de protestar perante uma superpotência que historicamente interveio na região. A postura de Lula — que quer avanços no comércio, mas recusa ingerência — será submetida a teste prático quando ele se sentar com Trump. O Brasil pode aceitar uma agenda de estabilidade comercial, mas renunciar à crítica ao uso de força dos EUA? Ou procura alavancar sua voz regional?

Em última análise, o encontro de domingo pode vir a simbolizar o momento em que duas realidades colidem: de um lado, a diplomacia econômica, a assinatura de acordos, e a sombra de décadas de intervenção externa de outro, e o risco de que o comércio seja peça numa engrenagem geoestratégica maior — a qual o Brasil, líder da América do Sul, não pode ignorar. A pergunta que paira é: Lula vai falar só de tarifas, ou vai reclamar também o cerco militar que avança na vizinhança? E Trump: vai tratar o Brasil como parceiro ou como apêndice de uma política hemisférica mais ampla?

Ou seja, Lula vai misturar carne e café com Maduro e Petro?

  • Imagem gerada em IA

    Republicada após inclusão de fatos novos

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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