Dois perdidos numa madrugada suja

26 de outubro de 2025, 15:52

Em Kuala Lumpur, Malásia, 4h40 da madrugada, horário de Brasília. Em Washington DC, 3h40. Dois brasileiros, como lobos solitários, fizeram questão de dormir um na casa do outro, na capital norte-americana, para assistir juntinhos de madrugada e uivar ao que esperavam ser um fiasco, uma espécie de Volodymyr Zelensky 2, a Missão – com Donald Trump humilhando Lula, como fez com o presidente ucraniano, que, em 28 de fevereiro, no Salão Oval, terminaram o encontro de forma desastrosa e conflituosa, ao vivo. A ideia das pantufas de coelhinho foram do dono da casa, Paulo Figueiredo, “para dar sorte”, que tinha um par sobrando sob medida para o irmão de golpe Eduardo Bolsonaro. Foi para isso que eles “trabalharam”, como lobistas frilas das ambições da família miliciana mesmo contra os interesses do próprio país. A imagem fictícia acima – quem sabe não aconteceu? – retrata o desespero da dupla de excluídos Eduardo e Paulo, homens de bastidor, conspiradores de Washington, resignados à condição de platéia virtual do sucesso diplomático de Brasília e Washington.

Não é o mundo de Alice, mas algo aconteceu ali, desde o esbarrão “químico” de Lula e Trump na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, dia 23 de setembro, ao encontro – prometido e realizado, 33 dias depois, a 15 mil quilômetros de distância. O tema central foi tratado – a imposição por Washington de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras, elevadas de 10% em agosto — e as sanções impostas a autoridades brasileiras ligadas ao processo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Lula chamou isso de “erro” e defendeu uma retomada dos laços. Lula, de lambuja, sem trair a América Latina – Soy latino americano/E nunca me engano – saiu com essa: reforçou um pedido para manter a América do Sul como zona de paz, e se propôs a ser interlocutor com a Venezuela de Nicolás Maduro.

Os próximos passos: cronograma de negociação, definição de setores vulneráveis e a expectativa de que o impasse seja pelo menos parcialmente resolvido “em semanas”. Ficou combinado que representantes do Brasil, à frente o chanceler Mauro Vieira, seguirão se reunindo, sem postergações, com a tríade direista do ministério Trump, o representante Comercial dos EUA, Howard Lutnick, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e o secretário de Estado, Marco Rubio, para transformar intenções em ações. Lula e Trump posaram sorrindo, Trump trocou palavras amáveis com Lula e o Brasil e até um possível reencontro, de parte a parte, em Brasília e Washington, foi aventado. Essa parte não é ficção, pessoal, e Lula ganhou ao não se curvar à mais influente potência do mundo, como fizeram presidentes de países mais ricos e militarmente mais poderosos – a presidente da Suíça, Karin Keller-Sutter, e outros membros da diplomacia da União Européia, que foram correndo para Washington, e saíram de mãos abanando -, tratou, no timing certo, dos temas que quis, e mostrou-se confortável num cenário que muitos consideravam hostil. Como disse o PHD em economia política e internacional, o professor Samuel Braun, “foi melhor do que o esperado”, além da semiótica, os tons de voz, a linguagem corporal, os sorrisos.

Apanhados na teia que eles próprios ajudaram a tecer — a aposta de que o “quanto pior para o Brasil” beneficiaria o ex-governo e seu clã, já de olho em 2026- e de que o esquema paralelo lhes garantiria acesso oculto aos corredores de poder — os dois hoje se encontram desterrados: fora da “porta dos fundos” da Casa Branca, fora dos gabinetes que sonharam, sem bilhete de entrada, olhando o baile do lado de fora, sem ninguém chamar para dançar. A cena em Kuala Lumpur é um lembrete público de que quem aposta no caos alheio gera, em última instância, o seu próprio ostracismo.

Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo ficam com o quê? O cenário não é nada promissor. Não é simplesmente que o trem da vez deu partida sem eles — é que o trem fez questão de acelerar e os deixar para trás. O “quarto cantinho” no fundo da diplomacia e da política americana, esse era o lugar ideal para conspirar na penumbra, foi substituído pelo palco iluminado, de Lula brilhando e dos holofotes, que eles assistem mordendo o cotovelo de inveja.

A porta dos fundos da Casa Branca, que antes parecia um atalho promissor para seus sonhos de influência e articulação, hoje surge como símbolo de expectativa frustrada: não entram, não comandam, não circulam. O que lhes resta? Talvez a histeria retórica nas redes sociais – nesse momento viraram memes – ou uma tentativa de ressurgimento como vozes insurgentes. Mas ainda tem palco?

Mas as apostas de que o “quanto pior melhor” para o Brasil — e, portanto, para seus interesses — que foram vantagem política pessoal -, agora parecem arriscadas. O “quanto pior” funcionou como componente de uma estratégia que apostava na desestabilização para gerar oportunidade: queda de popularidade, crise institucional, tensão externa. Porém, no instante em que Brasília e Washington escolheram dialogar e dar seguimento à negociação, o que parecia atalho virou rua sem saída. Além de o Brasil demonstrar, em sua política externa, que conseguiria substituir o mercado norte-americano, por muitos outros ao redor do planeta – China incluída.

O futuro para Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo se divide em dois caminhos — e nenhum deles é confortável: ou se reciclarem, alinhando-se ao novo rumo diplomático, tentando recuperar traços de relevância; ou permanecerem no oposto, abrindo mão de diálogo e aceitando a condição de sombra, de “lunáticos” da vez. Monarks do lobismo político. Se escolherem permanecer na sombra, o risco é que se tornem irrelevantes — personagens de segundo plano em cenários em que a ação real acontece longe dos seus interesses iniciais.

Em suma: enquanto Lula e Trump apertavam a mão e anunciavam “bons acordos”, os dois conspiradores sentados na sala vêem seu estribilho de poder desvanecer. A madrugada suja para eles não foi aquela em Kuala Lumpur — foi a hora em que perceberem que o plano de dominação de bastidor não inclui plateia nem tapete vermelho. Resta-lhes agora decidir se voltam a sonhar com acesso ou se acordam para a política real – com todos os seus pesadelos e fantasmas.

  • Imagem gerada em IA

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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