Dois perdidos numa madrugada suja
Em Kuala Lumpur, Malásia, 4h40 da madrugada, horário de Brasília. Em Washington DC, 3h40. Dois brasileiros, como lobos solitários, fizeram questão de dormir um na casa do outro, na capital norte-americana, para assistir juntinhos de madrugada e uivar ao que esperavam ser um fiasco, uma espécie de Volodymyr Zelensky 2, a Missão – com Donald Trump humilhando Lula, como fez com o presidente ucraniano, que, em 28 de fevereiro, no Salão Oval, terminaram o encontro de forma desastrosa e conflituosa, ao vivo. A ideia das pantufas de coelhinho foram do dono da casa, Paulo Figueiredo, “para dar sorte”, que tinha um par sobrando sob medida para o irmão de golpe Eduardo Bolsonaro. Foi para isso que eles “trabalharam”, como lobistas frilas das ambições da família miliciana mesmo contra os interesses do próprio país. A imagem fictícia acima – quem sabe não aconteceu? – retrata o desespero da dupla de excluídos Eduardo e Paulo, homens de bastidor, conspiradores de Washington, resignados à condição de platéia virtual do sucesso diplomático de Brasília e Washington.
Não é o mundo de Alice, mas algo aconteceu ali, desde o esbarrão “químico” de Lula e Trump na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, dia 23 de setembro, ao encontro – prometido e realizado, 33 dias depois, a 15 mil quilômetros de distância. O tema central foi tratado – a imposição por Washington de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras, elevadas de 10% em agosto — e as sanções impostas a autoridades brasileiras ligadas ao processo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Lula chamou isso de “erro” e defendeu uma retomada dos laços. Lula, de lambuja, sem trair a América Latina – Soy latino americano/E nunca me engano – saiu com essa: reforçou um pedido para manter a América do Sul como zona de paz, e se propôs a ser interlocutor com a Venezuela de Nicolás Maduro.
Os próximos passos: cronograma de negociação, definição de setores vulneráveis e a expectativa de que o impasse seja pelo menos parcialmente resolvido “em semanas”. Ficou combinado que representantes do Brasil, à frente o chanceler Mauro Vieira, seguirão se reunindo, sem postergações, com a tríade direista do ministério Trump, o representante Comercial dos EUA, Howard Lutnick, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e o secretário de Estado, Marco Rubio, para transformar intenções em ações. Lula e Trump posaram sorrindo, Trump trocou palavras amáveis com Lula e o Brasil e até um possível reencontro, de parte a parte, em Brasília e Washington, foi aventado. Essa parte não é ficção, pessoal, e Lula ganhou ao não se curvar à mais influente potência do mundo, como fizeram presidentes de países mais ricos e militarmente mais poderosos – a presidente da Suíça, Karin Keller-Sutter, e outros membros da diplomacia da União Européia, que foram correndo para Washington, e saíram de mãos abanando -, tratou, no timing certo, dos temas que quis, e mostrou-se confortável num cenário que muitos consideravam hostil. Como disse o PHD em economia política e internacional, o professor Samuel Braun, “foi melhor do que o esperado”, além da semiótica, os tons de voz, a linguagem corporal, os sorrisos.
Apanhados na teia que eles próprios ajudaram a tecer — a aposta de que o “quanto pior para o Brasil” beneficiaria o ex-governo e seu clã, já de olho em 2026- e de que o esquema paralelo lhes garantiria acesso oculto aos corredores de poder — os dois hoje se encontram desterrados: fora da “porta dos fundos” da Casa Branca, fora dos gabinetes que sonharam, sem bilhete de entrada, olhando o baile do lado de fora, sem ninguém chamar para dançar. A cena em Kuala Lumpur é um lembrete público de que quem aposta no caos alheio gera, em última instância, o seu próprio ostracismo.
Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo ficam com o quê? O cenário não é nada promissor. Não é simplesmente que o trem da vez deu partida sem eles — é que o trem fez questão de acelerar e os deixar para trás. O “quarto cantinho” no fundo da diplomacia e da política americana, esse era o lugar ideal para conspirar na penumbra, foi substituído pelo palco iluminado, de Lula brilhando e dos holofotes, que eles assistem mordendo o cotovelo de inveja.
A porta dos fundos da Casa Branca, que antes parecia um atalho promissor para seus sonhos de influência e articulação, hoje surge como símbolo de expectativa frustrada: não entram, não comandam, não circulam. O que lhes resta? Talvez a histeria retórica nas redes sociais – nesse momento viraram memes – ou uma tentativa de ressurgimento como vozes insurgentes. Mas ainda tem palco?
Mas as apostas de que o “quanto pior melhor” para o Brasil — e, portanto, para seus interesses — que foram vantagem política pessoal -, agora parecem arriscadas. O “quanto pior” funcionou como componente de uma estratégia que apostava na desestabilização para gerar oportunidade: queda de popularidade, crise institucional, tensão externa. Porém, no instante em que Brasília e Washington escolheram dialogar e dar seguimento à negociação, o que parecia atalho virou rua sem saída. Além de o Brasil demonstrar, em sua política externa, que conseguiria substituir o mercado norte-americano, por muitos outros ao redor do planeta – China incluída.
O futuro para Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo se divide em dois caminhos — e nenhum deles é confortável: ou se reciclarem, alinhando-se ao novo rumo diplomático, tentando recuperar traços de relevância; ou permanecerem no oposto, abrindo mão de diálogo e aceitando a condição de sombra, de “lunáticos” da vez. Monarks do lobismo político. Se escolherem permanecer na sombra, o risco é que se tornem irrelevantes — personagens de segundo plano em cenários em que a ação real acontece longe dos seus interesses iniciais.
Em suma: enquanto Lula e Trump apertavam a mão e anunciavam “bons acordos”, os dois conspiradores sentados na sala vêem seu estribilho de poder desvanecer. A madrugada suja para eles não foi aquela em Kuala Lumpur — foi a hora em que perceberem que o plano de dominação de bastidor não inclui plateia nem tapete vermelho. Resta-lhes agora decidir se voltam a sonhar com acesso ou se acordam para a política real – com todos os seus pesadelos e fantasmas.
- Imagem gerada em IA