Estamos diante de uma ‘Gestapo’ portuguesa?

28 de agosto de 2025, 12:53

As recentes mudanças nas políticas migratórias em Portugal têm gerado uma espécie de “caça aos imigrantes” de forma geral. Porém,  o fato da comunidade brasileira ser a maior no país, tem feito com que a pressão sobre esses cidadãos aumente, especialmente devido à falta de informações claras e ao acolhimento por parte da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). 

Essa realidade tem causado dúvidas e insegurança em relação ao futuro de quem escolheu Portugal para viver.

Nos últimos anos, o número de brasileiros que foram para Portugal tem sido maior do que o de portugueses que migraram para o Brasil, resultando em um fluxo migratório inverso. 

De acordo com as projeções mais atuais da AIMA e do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), estima-se que aproximadamente 500 mil brasileiros estejam vivendo no país de forma regular, enquanto os cidadãos portugueses, ou de origem portuguesa, que residem no Brasil, estão em torno dos 708 mil, segundo os dados mais recentes divulgados em 2023.

No entanto, é importante lembrar que, ao longo da história, essa situação já foi diferente.

Entre 1900 e 1930, mais de 750 mil portugueses migraram para o Brasil devido à crise econômica provocada pela instabilidade política da então recente República. Esse movimento voltou a se repetir durante a época da ‘Grande Depressão’, quando mais de 100 mil cidadãos trocaram Portugal pelo Brasil em busca de uma vida melhor.

Além disso, entre 1945 e 2011, mais de 500 mil portugueses se estabeleceram em solo brasileiro. Esses anos marcaram o fim da Segunda Guerra Mundial, a ditadura fascista de Salazar, que aprofundou a desigualdade social em Portugal, e a crise econômica de 2011, que também afetou duramente a vida dos trabalhadores de norte a sul do país.

Entretanto, a memória e os laços históricos entre os dois países não têm sido suficientes para evitar uma potencial crise diplomática. Isso porque o governo português tem adotado uma postura de endurecimento nas políticas migratórias, sem considerar adequadamente a própria Constituição de Portugal ou os importantes acordos bilaterais entre as duas nações. 

Um exemplo é o Estatuto de Igualdade, parte do Tratado do Porto Seguro, firmado há 25 anos e que garante direitos iguais, como o direito ao voto, acesso à universidade e outros serviços públicos. Desde 16 de junho, o Diário da República portuguesa não tem publicado os novos Estatutos relacionados a esse acordo, o que gerou preocupação no Itamaraty. 

No entanto, ambos os governos afirmaram que nada mudou em relação ao tratado, mesmo sem uma explicação oficial da AIMA sobre o motivo da não divulgação dos documentos, nem uma previsão de quando eles serão publicados novamente.

Esse episódio serviu como mais um alerta para os imigrantes brasileiros, especialmente às vésperas das eleições que definirão novos representantes do poder local (Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Assembleia de Freguesia), lembrando que esses imigrantes podem participar do pleito desde que solicitem o recenseamento junto à entidade eleitoral reguladora após dois anos de residência regular.

Uma polícia política?

Outro ponto importante que vem estremecendo a relação entre portugueses e brasileiros está relacionado à criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), novo departamento policial responsável por fiscalizar e deter imigrantes pegos em situação irregular no país. 

O Consulado  do Brasil em Lisboa chegou a emitir nesta segunda-feira (25), um alerta com recomendações à comunidade brasileira, indicando como devem proceder caso sejam abordados pela nova polícia migratória, considerada pelo mestre em Relações Internacionais e Estudos Europeus, Fábio Reis Vianna, como uma espécie de polícia política.


Segundo o analista, ao criar uma polícia específica para abordar estrangeiros de maneira aleatória, utilizando-se do poder de polícia conferido aos agentes pelo Estado português, poder este que é eminentemente discricionário, ou seja, não exige critérios ou protocolos rígidos que evitem abusos por parte das autoridades, cria-se um monstro que muito dialoga com o momento em que a Europa vive de avanço da extrema-direita.

“Dentro desta perspectiva, o fantasma do fascismo estará pairando em cada um desses policiais designados para abordar transeuntes etnicamente “suspeitos”. Em suma, uma verdadeira polícia política, uma espécie de ‘Gestapo Lusitana’, reitera Vianna.

Entre as recomendações aos imigrantes brasileiros, destacam-se a necessidade de portar um documento oficial de identificação, como, por exemplo, o passaporte, além de algum comprovante que demonstre a permanência de forma regular em solo português.

No que diz respeito a prisões, o Consulado informou que cidadãos brasileiros têm a possibilidade de contestar e solicitar a designação de um defensor público, na qual os custos do processo são arcados pelo serviço social do Estado através das unidades da Loja do Cidadão, repartição equivalente ao ‘Poupatempo’ em São Paulo, ao ‘Vapt Vupt’ em Goiás ou à ‘UAI’, em Minas Gerais.

Pacote anti-imigração

A criação da nova polícia aconteceu simultaneamente à aprovação de alterações na Lei dos Estrangeiros. A medida, admitida na Assembleia da República em tempo recorde, ficou conhecida como ‘pacote anti-imigração’, com votos favoráveis da bancada do governo, formada pelos partidos PSD e CDS, e dos deputados do Chega, legenda que representa a extrema direita liderada por André Ventura.

Projeto este que foi barrado pelo Tribunal Constitucional em uma votação apertada entre os juízes da corte. Um dos temas mais polêmicos consiste nas mudanças em relação ao reagrupamento familiar, que só aconteceria após dois anos de residência legal, e a condição do imigrante em poder recorrer à justiça caso o seu processo de Autorização de Residência seja negado.

Seria cômico se não fosse trágico, pontuar que aproximadamente 40% dos representantes que hoje ocupam cadeiras no Parlamento são formados em Direito, incluindo o primeiro-ministro e o ministro da Presidência de Portugal, António Amaro Leitão, doutor em direito pela Universidade Católica de Lisboa e mestre em direito pela Harvard Law School. 

Imagem gerada em IA

Escrito por:

Radicada em Lisboa, é jornalista correspondente de Opera Mundi e escreve em veículos como Jacobin Brasil, Jornal Expresso e Rádio TSF Portugal. Atuou em redações como Revista Brasil Já e Sapo Mag, além de contribuir para diversos meios, entre eles Brasil de Fato, ICL Notícias, Brasil 247, DCM, Correio Braziliense e Rádio Bandeirantes. Cobriu conflitos como as guerras da Ucrânia e do Líbano, as eleições presidenciais na Rússia, as eleições judiciais no México e a Cúpula do Brics, em Kazan e no Rio. Seus principais focos são guerras, conflitos, direitos humanos, migrações, habitação, política e cultura.

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