
Fale para o Sul, presidente

Lula disse, na semana passada, em discurso em Rio Branco, referindo-se ao bolsonarista catarinense Jorginho Mello: “O governador é o maior inimigo nosso”. Mello governa o Estado com o mais intenso e agressivo ativismo bolsonarista.
Mas Lula já venceu uma eleição em Santa Catarina. Foi uma única vez, na primeira, em 2002, quando teve 64,14% dos votos e José Serra ficou com 35,86%. Depois, perdeu em 2006 para Alckmin e, em 2022, para Bolsonaro.
Em 2022, inverteram-se os números de 20 anos antes. Lula teve 30,73% e Bolsonaro, 69,27% dos votos. Lembrando que a vitória em 2002 aconteceu em Santa Catarina e em todos os Estados do Sul.
Mas a região refuga o petismo desde a segunda eleição de Lula e, depois, quando os candidatos foram Dilma Rousseff e Fernando Haddad.
Na última eleição, Bolsonaro obteve, na soma, 62,67% dos votos no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Lula teve 37,33%.
Todas as pesquisas que tentam medir os humores políticos dos sulistas são desfavoráveis a Lula e ao governo e apresentam, na região, os melhores resultados do país em questões que envolvam Bolsonaro.
É uma bronca que já está ensaiada de novo para 2026. O que fazer? Além do mais básico e óbvio, Lula poderia mandar acenos para o Sul de vez em quando.
Dirão que ele esteve quatro vezes no Rio Grande do Sul quando das cheias do ano passado, que foi rápido ao determinar o socorro ao Estado, que esteve em Santa Catarina na retomada do controle do porto de Itajaí pela União, que visitou o Paraná e anunciou investimentos na Petrobras e a reabertura de uma fábrica de fertilizantes.
Mas não é disso que se fala. É dos acenos que Lula dirige ao povo, quando decide falar para quem é sua base hoje muito mais do que em 2002: o povo pobre. Lula tem que falar para o povão do Sul com o mesmo entusiasmo com que falou dos nordestinos na entrevista a Reinaldo Azevedo, na terça-feira, na BandNews.
Lula falou do povo da sua terra, da sua bravura, da sua cultura, do maracatu, do frevo. Falou para o povo corintiano do Sudeste, que pede uma reação do seu time. Disse que o povo tem o direito de continuar sonhando.
Mas não fez menção direta ao povo que ele precisa reconquistar no Sul. Lula poderia ter mandado um aceno para o agricultor de 20 hectares, que planta soja para exportar.
O cara que só tem uma vida boa na agricultura familiar, mas também intensiva e empresarial do Noroeste gaúcho, porque a China compra 70% do que ele exporta. Esse cara não vota em Lula como já votou.
Esse é o Sul dos descendentes dos imigrantes alemães, italianos, poloneses, holandeses, letos, austríacos, dos europeus que branquearam o Estado a partir do início do século 19 e que são, hoje, a base social do bolsonarismo nas zonas industriais da Serra e nas regiões da agricultura intensiva do Noroeste.
Lula precisa relembrar que, em 2002, sua campanha foi lançada em Ijuí, no centro da zona produtora de soja, de onde a lavoura de exportação se expandiu, nos anos 70, para Santa Catarina, Paraná e para o Centro-Oeste.
Lula teve, naquele 2002, 55,84% dos votos dos gaúchos. Em 2022, recebeu 43,65%. O Sul da direita de Synval Guazzelli, Daniel Krieger, Tarso Dutra, Jair Soares e Jarbas Lima não existe mais. Virou bolsonarista e gerou aberrações políticas.
Hoje, a direita gaúcha tem Hamilton Mourão, Luis Carlos Heinze, Coronel Zucco, Onyx Lorenzoni, Eduardo Leite e Marcel Van Hattem. A direita do Sul se degradou e se bolsonarizou.
Lula não precisa dizer que gosta de uma rancheira como sempre gostou do maracatu, mas pode usar sua capacidade de manifestar afeto acenando, não só nas emergências, para esse Sul afogado em extremismo.
- Imagem do presidente Lula durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto de arquivo: Adriano Machad/Reuters