“Game of Thrones” no STF

22 de outubro de 2025, 11:47

Em uma sequência de movimentos que parecem mais capítulos de “Game of Thrones”, com lances inesperados e finais que chamam para o episódio seguinte, muito mais, obviamente, que rotina administrativa, o ministro Luiz Fux – o rei Luís XIV da Corte – conseguiu criar um clímax que quase obscureceu as condenações do Núcleo 4 da trama golpista, formalizando, nesta terça-feira, 21, seu pedido para deixar a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal e migrar para a 2ª Turma, abrindo mão de continuar participando de um dos julgamentos mais importantes da história – embora tenha manifestado, sem convicção, disposição para participar dos casos já marcados. Ele vinha cumprindo seu papel de VAR do STF, mas, já poupado da Lei Magnitsky, agora, junto com os bolsonaristas André Mendonça e Nunes Marques, cria de vez uma turma para chamar de sua, a “turma da direita” do Supremo. No “Game of Thrones” do STF há até teorias conspiratórias, como a que Fux poderia levar o recurso de Bolsonaro contra a inelegibilidade determinada pelo TSE para sua “nova turma”. Veremos.

Segundo o ofício enviado ao presidente da Corte, ministro Edson Fachin, a justificativa é “ocupar a vaga deixada” pela aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso — um tapetão que mistura protocolo, regimento interno e aquele joguinho de cadeiras que se diz “normal”. Mas é evidente, e isso nem é bastidor – os holofotes estão na exuberância capilar e no raquitismo moral de Fux – , a aposta é diferente: a convívio entre Fux e os colegas da 1ª Turma estava insustentável e Fux precisava redefinir seu papel na Corte, se reinventar como o único ministro de direita nomeado pelo PT. Quem assistia de longe dizia que as divergências, os votos solitários – como os que ele deu ao absolver os réus do núcleo 1, incluindo Jair Bolsonaro, e do núcleo 4 – e a sensação de isolamento alimentaram o desencanto. Ao “abrir divergência”, Fux sempre esperou, mais do que consequências práticas em seus votos minotirários, tornar-se o protagonista que sempre quis ser – ainda que do lado negro da força.

Claro que Fux tentará emplacar a narrativa de que é tudo institucional, uma troca simpática, “acordei desejando novos ares” e blá-blá-blá. Mas na prática, para alguns, foi mais um “até logo, 1ª Turma” e “se quiserem, sigam sem mim”. O gesto, dizem, tem mais cheiro de escape do que de cordialidade. E não é pouca a dose de ironia no gesto: ao deixar a turma que julgou – entre outros – os mais sensíveis processos da tentativa de golpe -, Fux estaria, dizem os que cochicham nos corredores, aceitando “menos briga na sala de reunião”, e mais chance de construir um flanco fascista na 2ª Turma”, liderado por ele, claro.

Agora, cabe a Edson Fachin — que até aqui parece o único convidado para essa dança — aceitar ou recusar o pedido. Vai aceitar, óbvio, e a 1ª Turma ficará momentaneamente com quatro integrantes, abrindo o espaço para o novo ministro a ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva preencher o assento de Fux. Hoje, tudo indica, embora Lula esteja fazendo um pouco de cera, será mesmo Jorge “Bessias”, o Advogado-Geral da União – cujo papel no governo Dilma Rousseff, todos conhecem – leia meu artigo anterior-, quando Lula seria nomeado para a Casa Civil, pouco antes de ser preso na marra, e áudios foram vazados pelo então juiz e futuro ministro de Bolsonaro, Sérgio Moro, para o Jornal Nacional. As pressões do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) diante da provável escolha de “Bessias” são parte do jogo político, ele que defende o nome do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que Lula quer ver disputando o governo de Minas Gerais.

Em resumo: não se trata de mudar de sala, mas de mudar o tabuleiro. E nos salões do STF, dizem os que sabem, o desconforto da 1ª Turma com Luiz Fux há muito ultrapassava votos e divergências — chegava ao nível de convivência. E quando o cardápio do tribunal fica indigesto, trocar de cardápio vira até ato de auto-preservação. Além, claro, da oportunidade de exercer o protagonismo, nem que seja nas portas do inferno – mais político que jurídico. “Por mim se vai à terra dolorida, / Por mim se vai ao eterno sofrimento, / Por mim se vai à gente perdida. / Justiça moveu meu autor sublime; / Divina potência me fez, / A suprema Sabedoria e o Amor primeiro. / Antes de mim nada foi criado senão eternas coisas; Eu para sempre me firmo. / Deixai toda esperança, ó vós que entrais!”, escreveu Dante Alighieri no Canto III da “Divina Comédia”

  • Imagem gerada em IA

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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