
Hugo Motta nunca leu Maquiavel

A cena, por si, já era grotesca. Um bando de adultos resolve fazer uma pantomima infantil e aparece diante das câmeras de TV com esparadrapos tapando suas bocas. O problema é que o local para apresentar o teatro mambembe é a Câmara de Deputados. Ainda pior: são deputados eleitos que aparecem com esparadrapos. Quebravam qualquer noção de decoro para com a casa parlamentar.
Mas, ainda era pouco. Transformaram a mesa diretora numa espécie de “Santa Ceia” revisitada por algum artista descompensado e impediram que os trabalhos parlamentares fossem retomados depois de vários dias de recesso.
E, então, se projeta a figura indecisa do presidente da Câmara.
Hugo Motta não sabia o que fazer. Inicialmente, em seu gabinete, o jovem parlamentar deu ares de autoridade e disse que de lá não sairia enquanto o teatrinho sem eira nem beira permanecesse instalado na mesa diretora. Contudo, autorizou o ex-presidente da Câmara de Deputados, seu aparente aliado Arthur Lira, a negociar com a trupe de aloprados. E, a partir daí, sua autoridade desmoronou.
O fato é que ficou evidente que Motta nunca leu Maquiavel. Nem mesmo sua obra mais conhecida, O Príncipe.
Dizem que Catarina de Médice foi a única da poderosa família – para quem Maquiavel dedicou O Príncipe – a ler e aplicar as lições na “Noite de São Bartolomeu” quando, em meio às comemorações do acordo entre católicos e protestantes, mandou assassinar seus desafetos. Motta não precisava copiar os feitos de Catarina, mas poderia ter se inspirado para não se humilhar tanto.
Maquiavel ensinou que não se deve dar chances à oposição. Sugeria que jamais se deve deixar que um distúrbio se alastre e, para tanto, é preciso limitar o poder dos mais fracos para não se tornarem fortes. O bolsonarismo não é exatamente fraco na Câmara dos Deputados, mas é minoria. Na noite da tomada da mesa diretora, bolsonaristas impediram que a maioria aparecesse. A mesa diretora real foi substituída pela mesa simbolicamente ocupada pela minoria. E Motta nada fez.
Ao contrário, Motta fez exatamente o contrário. Desde sua posse, andou na corda bamba como um bêbado, inicialmente se aproximando do governo Lula, para depois encará-lo no enfrentamento do aumento do IOF. Ali, já ficava claro se tratar de alguém que pouco entende de xadrez, já que deu de presente um discurso para o governo federal. A partir dali, nascia o mote para a campanha de 2026, o discurso em que os ricos, tendo Motta como aliado no Congresso Nacional, não cedem nada para os pobres e querem viver sem pagar impostos.
Maquiavel havia ensinado mais. Dizia que um líder não deve se amedrontar com as adversidades porque deve transmitir segurança aos governados. Motta, naquela noite da tomada do balcão que deveria dirigir os trabalhos parlamentares, era a própria imagem da insegurança.
Faço uma última citação de Maquiavel porque nela estão as bases da cartilha do Centrão que Motta parece desconhecer:
“O príncipe não pode basear-se naquilo que vê em tempos de paz, quando os cidadãos têm necessidade do Estado, pois nessa época todos acorrem (…); porém, nos períodos adversos, quando o Estado necessita dos cidadãos, então poucos se apresentam. Por isso que um príncipe sábio deve cogitar um meio de fazer com que seus cidadãos, não importa o tempo que faça, precisem sempre dele e do Estado – e daí em diante lhes serão sempre fiéis.”
Os erros foram tantos que os blocos e partidos não dependem mais de Motta para negociar suas pautas e interesses na Câmara de Deputados. O presidente da Câmara perdeu o poder que havia conquistado. Ficou minúsculo.
Passada a festa dos bagrinhos no Congresso Nacional, vários deputados revelaram o tamanho do estrago. Ouvi de um deputado que “Motta piscou e diante de fascistas é um erro fatal”. Muitos disseram que ficou claro que o cargo parecia muito pesado para um presidente da Câmara despreparado.
Também percebi certa desconfiança sobre o comportamento de Motta. Um parlamentar disse, após o rescaldo, que “a esta altura melhor ter sido fraqueza e não jogo combinado”.
Para alguns, o próprio Centrão sentiu que o erro dos parlamentares bolsonaristas exige distância deles a partir de agora. Porém, a fragilidade de Motta atingiu a imagem dos experientes políticos de direita. Para alguns deputados, se afastar do bolsonarismo exige cuidado porque “cair no colo do governo” seria um erro similar a ficar ao lado dos bolsonaristas. De certa maneira, sugerem que a insegurança de Motta trouxe a polarização para a Câmara que passou a ter um Centrão apagado entre o protagonismo de bolsonaristas e lulistas.
Tudo isso a um ano das eleições.
Natsu Miyashita narra uma saborosa curiosidade em seu livro “Floresta de lã e aço”. Em determinado momento, um afinador de piano observa que a preferência do som dos pianos é gradativamente inclinada para tons mais agudos, medido em Hertz, métrica da velocidade com que um ciclo se repete.
Este personagem relata, então, que “no Japão, até o término da Segunda Guerra Mundial, o valor de referência era de 435Hz, mas antigamente, na Europa, na época de Mozart, era de 422Hz. Foi subindo cada vez mais, gradualmente. Hoje em dia, em muitos lugares, é de 442Hz”. E arremata: “todos estão cada vez mais impacientes, por isso, o padrão de referência está subindo.”
Estamos mais impacientes. Menos inteligentes. O que faz do bolsonarismo algo cada vez mais aloprado, levando os inseguros de roldão.
- Imagem gerada em IA