“Inteligência artificial”, ou o “prometeu Moderno”

28 de outubro de 2025, 15:45

Desde Mary Shelley e seu Frankenstein, a humanidade reflete sobre o poder e a responsabilidade de criar.

Na história, o cientista dá vida à sua criatura, mas perde o controle sobre ela.
Hoje, o nosso “monstro” não é feito de partes humanas, mas de dados humanos: músicas, textos, vozes, imagens.

A inteligência artificial nasce do que nós criamos. Nosso desafio é garantir que essa nova criatura não destrua seus próprios criadores.

A inteligência artificial está transformando o mundo, e isso é fascinante, mas também traz desafios enormes, especialmente pra quem cria.

Porque o que está em jogo aqui não é só tecnologia.

É a sobrevivência do trabalho humano na cultura. É o valor simbólico e econômico da criação.

A CISAC – Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores – vem alertando: as perdas geradas pelo uso de obras humanas sem autorização, em treinos de IA, podem chegar a bilhões de dólares por ano.

Isso significa menos renda, menos independência e menos diversidade cultural.

Quando o criador deixa de ser remunerado, a arte deixa de ser sustentável.

A gente não é contra a tecnologia – muito pelo contrário. A inteligência artificial é uma grande ferramenta e pode ser uma grande aliada.

Mas ela precisa respeitar quem veio antes: as músicas, os roteiros, as vozes, os textos, as imagens que alimentam esses sistemas.

Se a IA aprende com a gente, é justo que a gente participe dos resultados.

Há um Projeto de Lei que está em discussão na Câmara que já traz avanços importantes, especialmente no capítulo que trata dos direitos autorais e conexos.

É essencial garantir que toda obra usada por IA seja identificada, autorizada e, quando for o caso, remunerada.

Mas a gente precisa dar um passo além: restabelecer o princípio do tratamento nacional – ou seja, que o autor brasileiro tenha o mesmo respeito e proteção que qualquer autor estrangeiro, e vice-versa.

Isso é básico, é o que garante igualdade no cenário global da cultura.

O que nós defendemos é:

– Transparência: os criadores precisam saber quando e como suas obras foram usadas;
– Remuneração justa: se há uso comercial de conteúdo humano, tem que haver compensação;
– Consentimento e crédito: o autor tem direito de autorizar, negar e ser reconhecido;
– Responsabilidade das plataformas: quem lucra com IA também tem que respeitar regras.

Regular a IA é mais do que necessário.

E já que falei em Frankstein, cito aqui outra grande obra da genialidade humanidade: Blade Runner. Como no filme, o que separa as máquinas dos humanos são as memórias e os sentimentos.

É isso que a gente precisa proteger: a memória emocional da cultura, o sentimento que dá vida à arte.

Que o avanço da inteligência artificial nunca signifique o retrocesso dos direitos humanos e culturais.

  • Imagem gerada em IA.

Escrito por:

Manno Góes, cantor, músico, escritor e diretor artístico de Salvador, é fundador da banda Jammil e Uma Noites e autor de sucessos como “Milla” e “Praieiro”. Suas composições já foram gravadas por grandes nomes e integraram trilhas de novelas da Globo. Em 2024 e 2025 assinou direções artísticas de importantes projetos musicais. É diretor da UBC e referência na defesa dos direitos autorais.

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