
Jorge “Bessias”, o ministro evangélico de Lula: entre tribunais, bastidores e a ambição silenciosa

Desde que foi anunciado para chefiar a Advocacia-Geral da União, no início do terceiro governo Lula, Jorge Messias – uma figura relativamente apagada nos holofotes políticos da Corte e muito mais afeito ao formigueiro dos bastidores do poder petista – surpreendeu não por declarações bombásticas, mas por apostas claras: reforçar a advocacia de Estado – e mostrar que este canteiro institucional importa não apenas nas cúpulas do poder – e trabalhar para ir mais longe. O que acontecerá se for nomeado, como tudo indica – apesar do lobby senatorial por Rodrigo Pacheco -, para a vaga de Luiz Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF) – que se aposenta no fim-de-semana, Messias levaria na valise alguns diferenciais e desafios. Diferencial, por sua extensa experiência interna: conhece o funcionamento das carreiras jurídicas do Estado, as sutilezas dos atos presidenciais e do contencioso federal, parece comprometido com a conciliação institucional como método, e é claramente um alinhado ao projeto do PT no governo Lula, embora sem ostentar filiação ou perfil de liderança partidária. Incluindo a proximidade do pernambucano com o senador petista Jaques Wagner, de quem foi assistente parlamentar entre 2019 e 2022 – e hoje é forte padrinho do “ministro” Messias.
No início do governo, até janeiro de 2023, falava-se muito, para a AGU – puxemos pela memória -, no jurista Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, então integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – hoje consultor legislativo do Senado -, no advogado eleitoral Anderson Pomini – muito próximo do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin e hoje diretor-presidente da Autoridade Portuária de Santos, com mandato prorrogado até 2027 – e em Daiane Nogueira de Lira, ex-chefe de gabinete de Dias Toffoli no STF, e que, ao ser empossada no CNJ, no ano passado, foi cumprimentada calorosamente pelo então presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, do PP. Ninguém falava em Messias – mas a certa altura ele já sabia. Curioso que o ex-presidente, parça de Silas Malafaia, que prometia nomear para o STF um ministro “terrivelmente evangélico” para o lugar de Marco Aurélio Mello – seja lá o que isso signifique – acabou indicando o “suavemente evangélico” pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, André Mendonça. Ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, pode ser um pé no saco em pautas progressistas, mas é lembrado por tudo, menos por ser evangélico. Se Lula nomear mesmo Messias, estará nomeando um evangélico “terrivelmete fiel ao PT”- ele é membro da Igreja Batista e dá ao presidente mais esse trunfo.

Até então, Messias era mais lembrado por uma das raras vezes em que iluminou-se junto à opinião pública – não que quisesse – , e que teve seu nome inesperadamente exposto num episódio relevante. Numa gravação, com áudio ruim, de conversas entre Lula e Dilma Rousseff, grampeados e cujo teor foi vazado pelo então juiz Sérgio Moro, a tempo de entrar no Jornal Nacional – quando ainda era o dono do latifúndio de intrigas, desonestidades e fake news chamado de Lava Jato -, o então então subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência no governo Dilma era citado como “Bessias” ao invés de Messias – o homem que levaria o termo de posse ao ex-presidente. Sua fidelidade canina neste episódio será sempre lembrada. O vazamento, divulgado em 16 de março de 2016, explorado pela república lavajatista e pela grande mídia, impediu que no dia seguinte Lula fosse nomeado para a Casa Civil – um abrigo possivelmente seguro, por um tempo, antes de Lula ser declarado inelegível, ser preso, no dia 7 de abril de 2018, ficando encercerado 580 dias e sendo impedido de participar das eleições de 2019, que elegerem o fascista Jair Bolsonaro, tirando os grilhões dos direitistas no armário e revelando um país miserável e dividido.

Graduado em Direito pela UFPE, e mestre e doutor em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília (UnB), Messias trilhou carreira dentro da AGU, chegando a ocupar cargos estratégicos no Ministério da Educação, na Casa Civil e Ciência e Tecnologia e foi procurador do Banco Central e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O que pouca gente nota, porém, é como Messias conseguiu se consolidar não só como executor técnico, mas como figura-chave em temas sensíveis, mesmo antes de comandar a AGU. Ele participou de decisões e mediações delicadas — privatizações, contratos públicos, regulações —, o que o tornou jóia rara no meio jurídico não pelo ativismo midiático, mas pela capacidade de resolver nós jurídicos. Um exemplo: sua atuação no impasse sobre petróleo na Amazônia, onde a AGU foi chamada para dar parecer que equacionasse interesses ambientais, regulatórios e econômicos. Ele tem defendido, em público, valores constitucionais como a democracia, a transparência, integridade pública, resgate da memória política (como quando participou de homenagem a vítimas da ditadura militar no Recife) e controle de fake news. Sua proximidade com causas consideradas polarizadoras — como disputas ambientais na Amazônia, direitos indígenas, marco temporal — sugere que, no STF, poderá ser um voto decisivo em matérias que cruzam direito, política e meio ambiente. Tá bom pra você?

Caso aporte no STF, como terceiro ministro nomeado por Lula – Cristiano Zanin, neste mandato, e Cármem Lúcia e Dias Toffoli, nomeados por Lula em outros mandatos. O que Lula não pode é repetir o erro de DIlma Rousseff, responsábel por nomear o Luiz XIV do STF, Luiz Fux, então um medíocre desembargador do Tribunal de Justiça do Rio, em 2011 – mas aí o Sérgio Cabral disse, “confia”. Deu no que deu. O desafio será manter sua independência, sem esquecer as raízes, quando for cobrado por isso: juízes supremos têm autonomia plena, e quem chega vindo de cargo político-jurídico está sob forte escrutínio quanto a ligações partidárias, proximidades com o Executivo, e compromissos anteriores. Messias já demonstrou fidelidade ao governo, ao discurso presidencial, ao projeto de Lula, fato que inevitavelmente será observado caso venha a ocupar a cobiçada toga e a capa do Batman.
- Jorge Messias, futuro ministro do STF. Ou não. Foto: Jorge William/Ag. O Globo