Lula viaja para se solidarizar com a Venezuela e não se solidariza com a Venezuela
NA MADRUGADA DESTE domingo (9), o presidente Lula deixou Belém, onde ocorre a COP 30, um dos principais eventos de seu terceiro mandato, tomou um voo de oito horas até Santa Maria, no litoral norte da Colômbia. Permaneceu por menos de quatro horas no país, com o objetivo de proferir um discurso de sete minutos na cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE). Em seguida, voltou à capital paraense.
O PRINCIPAL PONTO DE TENSÃO do encontro era debater a agressão estadunidense à Venezuela e Colômbia. A força aeronaval deslocada para o Caribe não tem precedentes no continente. Ela compreende mais de duas dezenas de navios de combate, incluindo o maior porta-aviões do mundo, um submarino nuclear, mais de cem aeronaves e um efetivo de 10 mil soldados. No total, 69 pessoas foram assassinadas por ordem da Casa Branca, sob a duvidosa acusação de narcoterrorismo. É impossível qualquer liderança global ignorar o assunto.
NA QUARTA (5), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, declarara à imprensa que o chefe do Executivo viajaria para externar “um apoio” e “uma solidariedade regional à Venezuela”. Algo aconteceu no intervalo de quatro dias para que nada disso fosse falado na reunião. Lula não mencionou a Venezuela, não mencionou a agressão dos EUA, não mencionou Donald Trump e não conclamou solidariedade alguma. O que se viu foi o tradicional tratamento ambíguo de temas urgentes, típicos da sinuosidade verbal lulista de dizer nada aparentando dizer muito.
“A AMEAÇA DE USO DA FORÇA militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe. Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais”. Sim, sim, ameaça de uso de força militar. Por parte de quem? Sob que contexto? Sob que alegação? Não se sabe. Quem é o sujeito da oração? A “ameaça”. E o objeto? O “cotidiano”. Mais claro impossível.
A PARTIR DAÍ, GENERALIDADES em profusão: “A intolerância ganha força e vem impedindo que diferentes pontos de vista possam se sentar à mesma mesa” Quem está impedido quem de se sentar à mesa? “A intolerância”, claro! Adiante, sobra uma lapada ziguezagueante a não se sabe quem, pois tudo é meticulosamente vago: “Projetos pessoais de apego ao poder solapam a democracia”. Malditos projetos pessoais, que andam a solta por aí. É possível que o alvo seja Nicolás Maduro, mas vai saber…
LOGO CHEGA O TRECHO dos nobres propósitos: “Somos uma região de paz e queremos permanecer em paz”. De repente, um tema grave é mencionado: “Democracias não combatem o crime violando o direito internacional”. Que crime de graves proporções acometem o continente? Vários, mas a que se refere o presidente? Quem se vale do “uso da força militar” nesses dias é Donald Trump em sua investida contra a Venezuela, acusada de abrigar “narcoterroristas”. É esse o “crime” a ser combatido?
SEGUE A ARENGA: “É preciso reprimir o crime organizado e suas lideranças, estrangulando seu financiamento e rastreando e eliminando o tráfico de armas. O alcance transnacional do crime coloca à prova nossa capacidade de cooperação”. Sim, sim, obviedade acaciana. Mas do que fala o brasileiro? Com que objetivo?
EM SEGUIDA, LULA muda de assunto e passa ao tema aparentemente central em sua intervenção. “Temos um enorme potencial de aprofundar nossos laços econômicos. O Acordo MERCOSUL-União Europeia prova que é possível fortalecer o multilateralismo também na frente comercial”. Sim, o acordo assimétrico e nada vantajoso para a região.
O PRESIDENTE REITERAVA algo mencionado no início de sua exposição: “A CELAC e a União Europeia são centrais para a construção de uma ordem mundial baseada na paz, no multilateralismo, e na multipolaridade”. É isso mesmo? Esqueça o BRICS, esqueça o Sul Global e a disputa Leste/ Oeste pela hegemonia mundial. A parceria fundamental para a América Latina é a União Europeia. Ah, o Velho Mundo! Conversemos sobre paz com a principal impulsionadora da guerra na Ucrânia, continente-sede da OTAN, palco fundamental do crescimento do fascismo, da extrema-direita, da intolerância e um dos bastiões de apoio ao sionismo.
É POSSÍVEL QUE LULA tenha em mente uma nova terceira via, que possibilite ao governo brasileiro mais uma vez não tomar posição sobre a polarização mundial, em busca da famosa “neutralidade ativa” repetida logo no início de sua gestão Lembremos sempre que não existe ponto morto em política. Não toma posição, tomando posição, é o que parece. Um projeto político e tanto, que vale o sacrifício de 16 horas totais de voo em meio a COP 30, para discursar por sete minutos.