
Manobra manjada: Bolsonaro clona casos de direitistas pelo mundo que cometeram crimes e tentaram anistia

Formalmente indiciado e em pleno julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que provavelmente o condenará por liderar uma tentativa de golpe de estado, Jair Bolsonaro não é sequer original ao tentar, driblando a Justiça, a ética e o eleitor brasileiro, forçar a aprovação no Congresso de um proposta de anistia aos envolvidos nos atos de vandalismo de 8 de janeiro – ele primeiro. Com a ajuda de uma quadrilha incestuosa liderada pela dupla de lobistas em Washington, seu filho Eduardo Bolsonaro e o herdeiro de ditador Paulo Figueiredo, o governador espinhento Tarcísio de Freitas, de São Paulo – que faz jogo duplo, porque quer ser ele o candidato em 2026 -, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, que comanda a Bancada da Bíblia, e o pastor velhaco Silas Malafaia. No fundo, a extrema-direita brasileira repete manobras praticadas em vários países do mundo, nos últimos anos, como Bolívia, Peru, Espanha, Polônia, entre outros, por políticos reacionários e vigaristas, que tentaram escapar da lei e da cadeia. Alguns foram bem-sucedidos, obrigado.
Ex-presidente interina da Bolívia, a direitista Jeanine Áñe foi condenada por conspiração, sedição e terrorismo durante o perído que se seguiu à renúncia de Evo Morales em 2019, em um golpe de Estado com apoio militar. Está encarcerada, condenada a 10 anos de prisão pelos crimes de incumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição, decisão do Tribunal Primeiro de Sentença Anticorrupção. Chegou a ser solta por breve período da Penitenciária Feminina de Miraflores em La Paz, mas voltou pra sua jaula. “Não foi golpe, foi fraude. Este processo é um circo, a Bolívia está em chamas”, disse ela, na ocasiao, repetindo um mantra que temos ouvido muito por aqui. Ela segue aguardando que a justiça local, fortemente pressionada, abra caminho para uma possível anistia ou extinção do processo. Seu caso, lá, como aqui, envolve ex-ministros, militares e o ex-candidato a vice Marco Antonio Pumari.
Recentemente, numa decisão, no mínimo, controversa, o mais alto tribunal da Bolívia rejeitou uma das acusações criminais mais graves contra ela, por sua responsabilidade nos assassinatos de manifestantes em 2019, ordenando que o caso crítico seja reiniciado em um processo especial por supostos crimes cometidos por ex-chefes de Estado. A decisão ocorreu poucas semanas depois que as eleições gerais da Bolívia, em agosto, após duas décadas de domínio do Movimento ao Socialismo (MAS), liderado por Morales, colocaram no segundo turno os direitistas Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão (PDC), e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, do Partido Libre. O segundo turno está agendado para 19 de outubro de 2025. Mas a Bolívia já está alistada no “Clube do Milei”.

No vizinho Peru, hoje governado pela direitista Dina Boluarte, do Partido Peru Libre, em aliança com um Congresso controlado pela direita e pela extrema-direita – ela talvez seja a presidente mais impopular do mundo, com apenas 2% de aprovação -, partidos de direita e ultraconservadores anistiaram recentemente militares, polícias e milicianos que cometeram massacres, violações e torturas ao longo de décadas. A Lei 32107 simplesmente extingiu mais de 600 processos judiciais em andamento e anulou 156 condenações relacionadas a crimes cometidos durante o conflito interno vivido pelo país, incluindo desaparecimentos, torturas e execuções extrajudiciais. A sobrevivência política de Dina tem sido reputada à falta de líderes alternativos que ameacem sua estabilidade precária até 2026, quando termina seu governo, em meio a uma apatia social. Com uma presidente débil, o Congresso ultra-conservador a usa, como escreveu o analista político Augusto Álvarez, como uma pinhata para arrancar tudo dela.

Mama África
Aos 92 anos, o presidente de Camarões busca reeleição – no poder desde 1982, chefe de Estado mais velho do mundo, Paul Biya vai concorrer a um oitavo mandato no país africano. Caso vença, ele poderá em tese permanecer no cargo até pouco antes de completar 100 anos. Por lá, a anistia tem trajetória invertida – a direita no poder rejeita libertar um ativista acusado de secessão. Em abril passado, o resistente anglófono Abdu Karim Ali foi condenado à prisão perpétua pela acusação de “hostilidade ao Estado” e “secessão”, após ser levado a julgamento em tribunal militar — julgamento criticado por organizações como a Anistia Internacional. Não há espaço para clemência na ditadura camaronesa. Como aconteceu na Turquia de Tayyip Erdogan, há mais de duas décadas no poder, onde o ex-presidente da Anistia Internacional na Turquia, Taner Kılıç, e outros membros, foram condenados por suposta “filiação a uma organização terrorista”. Não tem choro, nem vela. “Agora é a hora de proteger a vontade das pessoas que temos na mais alta estima”, escreveu Erdogan em sua conta no Twitter.

Na Espanha, após liderar um movimento independentista em 2017 e fugir da justiça de seu país, o separatista catalão Carles Puigdemont esperava se beneficiar de uma lei de anistia aprovada pelo governo socialista em 2024- uma tentativa do primeiro-ministro Pedro Sanchez de conseguir apoio do movimento Juntos pela Catalunha -, que pretendia perdoar crimes como desobediência e sedição ligados à tentativa de independência. O Tribunal Supremo da Espanha negou a aplicação da anistia a Puigdemont —e ele segue foragido. Suspeita-se que more em Waterloo, na Bélgica.

Há poucos dias, o Ministério Público Nacional da Polônia acusou o direitista e antissemita Antoni Macierewicz, vice-presidente do partido nacional-conservador Lei e Justiça (PiS) e ex-ministro da Defesa Nacional, por divulgar informações classificadas como “ultrassecretas”, bem como “informações às quais ele teve acesso em conexão com seu cargo”, entregando as defesas de seu país natal. Se condenado, pode pegar até cinco anos de prisão. Logo surgiu – adivinha! – uma proposta de anistia para quem, no passado, “defendeu a democracia”, que poderia beneficiar figuras como Macierewicz, anti-comunista ferrenho. A proposta foi barrada, mas agora tudo é possível, já que um aliado de Trump, o nacionalista de extrema-direita Karol Nawrocki, venceu a eleição presidencial da Polônia. Até seu slogan “Polônia em primeiro lugar, poloneses em primeiro lugar”, copia o “Make America Great Again” (“Torne a América Grande Novamente”) e o “America First” (“América em primeiro lugar”), de Trump.

E, em tempos de Donald Trump, vale fechar com o caso de Enrique Tarrio, militante neonazista do grupo de extrema-direita exclusivamente masculino Proud Boys (“Meninos Orgulhosos”, em inglês) – considerada uma organicação criminosa em vários países -, um dos condenados, em setembro de 2023, a 22 anos de prisão, por conspiração sediciosa e obstrução do processo oficial no caso do ataque ao Capitólio dos EUA, em 2021. Logo após sua cerimônia de posse, em janeiro passado, o presidente dos Estados Unidos concedeu “perdão completo” para cerca de 1.500 pessoas que invadiram o Capitólio, entre eles Tarrio. Mas promotores federais afirmam que Tarrio foi responsável por mobilizar centenas de membros do Proud Boys para participar do ataque. Segundo o decreto de Trump, foram perdoados todos os investigados pela invasão ou crimes relacionados ao ataque ocorridos entre 6 e 20 de janeiro de 2021. Na prática, uma anistia formal, já que a comutação pode ser vista como uma forma de clemência política.

Alguém ainda tem dúvida porque Trump não suporta Alexandre de Moraes e o STF e paparica o golpista Bolsonaro?
- Imagem de abertura gerada em IA