Meninos, eu vi!

22 de setembro de 2025, 11:17

Eu vi a realeza da música popular brasileira, com seus cabelos brancos, no alto de um carro de som, mobilizando o melhor dos nossos corações democratas, para, mais uma vez, tomar o Brasil nas nossas mãos. Eu vi Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Djavan, lado a lado, com a aquarela das suas camisas resgatando as cores da nossa bandeira, da nossa pátria, como diria Vinicius, “de minha pátria sem sapatos e sem meias, pátria minha, tão pobrinha!”

Ali do alto, com a alegria de quem parecia estar num trio elétrico, no carnaval de Salvador, a generosidade de quem luta há tanto tempo, a nos dizer o tanto que ainda temos por fazer, tanto por lutar, tanto por construir esse país. Aquele mar de gente cantou as canções que contam a nossa história. Nos identificamos, nos reconhecemos como gente brasileira, quando Caetano mandou “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome!”, naquela tarde de céu de anil que vai ficar para sempre impressa na alma de quem esteve ali.

Feliz do país que numa tarde de domingo pôde ver, todos juntos, os nossos melhores intérpretes. Nos abraçamos na rua, quando Gil, nos mandou “aquele abraço”. Saudamos a nossa capital, nascida num momento de sonho de Brasil, quando Djavan cantou “céu de Brasília, traço do arquiteto, gosto tanto dela assim”. Niemeyer teria adorado assistir da sua janela sobre o mar, na Avenida Atlântica onde morou, tão perto dali.

Como disse o nosso sábio “A vida é um sopro”. Mas ontem, naquela pororoca de gente que não parava de chegar e sempre pedia “uma licencinha aí”, “passe”, “tem lugar pra todo mundo”, o sopro virou ventania de esperança. Aqueles senhores lindos no palco reavivaram o melhor de nós. O ato político foi protesto de 1968, foi todos os festivais da canção, foi campanha das “Diretas Já”, foi comício e resistência que explodiu no refrão do Chico “Apesar de você amanhã há de ser outro dia…” porque sempre teremos outro dia para lembrar quem somos e ir buscar o Brasil que amamos, o Brasil que vale à pena.

Esse Brasil que é roda de capoeira e de samba nos nossos quintais, que é Sapucaí e que me levou às lágrimas quando Paulinho da Viola convocou minha Portela, “ai, minha Portela” e puxou o coro “foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar” porque ali estávamos formando um rio de gente, com nossos corações arrastados pela beleza daquele palco, que teve também Ivan Lins pedindo a nossa “risada mais gostosa” e o nosso “jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa” porque pode mesmo se a gente souber arrancá-la com as mãos, porque esse país é nosso e nunca mais vão roubá-lo de nós. Teve Frejat trazendo Cazuza e a gente pedindo bis “pro dia nascer feliz”.

A tarde foi virando noite à beira-mar, as ondas quebravam na praia, e a gente queria mais. Nossos senhores tinham cumprido sua missão. Arrebataram o país. O palco de Copacabana reverberou Brasil afora. E nós, no chão, exaustos, mas felizes como a gente não lembrava mais como era ser tão feliz. E ninguém queria ir embora porque a gente queria prolongar o êxtase. Pretinho da Serrinha assumiu o comando e mandou um “não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar…” E a gente cantou e dançou mais uma vez, como se não houvesse amanhã. Meninos, eu chorei, eu me arrepiei, eu saí de Copacabana feliz de um jeito que nem sei… Meninos, eu vi!

  • Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque e Gilberto Gil em ato político-musical contra a PEC da Blindagem e a Anistia aos golpistas, domingo, em Copacabana – Mídia Ninja/Reprodução

Escrito por:

Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. Entre outros veículos, trabalhou no jornal Resistência, Jornal do Brasil, Veja, Folha de São Paulo e Rede Globo. Atualmente, trabalha no ICL Notícias e Carta Capital. Tem quatro livros publicados.

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