No cenário de retomada do golpe, Eduardo humilha Tarcísio, que tenta humilhar Moraes

4 de setembro de 2025, 16:29

Não são dois ou três. A maioria dos analistas da política, no bonde onde cabem jornalistas, cientistas, especialistas genéricos, palpiteiros e assemelhados da grande mídia, empenha-se em dar ar de normalidade ao que aconteceu essa semana em Brasília. São normais as movimentações do extremista moderado Tarcísio de Freitas.

Tratam com normalidade, em notinhas do colunismo abastecido pelo centrão, o cenário em que Alexandre de Moraes iniciava o desfecho do processo contra os golpistas, e ao lado Tarcísio, dado como ‘amigo’ de Moraes, batia panelas e manobrava para anistiá-los.

É dado como normal que, no esforço para se habilitar a ser o candidato de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas vá a Brasília, exatamente no dia do início do julgamento de Bolsonaro, para articular a anistia.

Está normalizada, pelas abordagens dos jornalões, a situação em que Tarcísio, dado como amigo de Moraes, é humilhado por Eduardo e decide, para cumprir as ordens do filho de Bolsonaro, tentar humilhar Moraes.

Tarcísio, o amigo de Moraes, o governador com poder suficiente para pedir que empurrem para o fundo de uma gaveta o caso do senador Jorge Seif no TSE. Que subiu no caminhão de Malafaia. Que fez foto com o boné de Trump. Mas que vacilou na defesa na anistia – esse extremista moderado agora se jogou com tudo no cumprimento das ordens de Eduardo.

Tarcísio disse pela primeira vez, em aglomeração na Paulista, que não seria nada sem Bolsonaro. Lula reafirmou que o extremista moderado não existiria sem a proteção de Bolsonaro. E Eduardo transformou tudo em uma ordem: assuma a anistia, vacilão.

E aconteceu o que os jornalões noticiaram como se fosse mais um movimento normal da política brasileira. Tarcísio escondendo-se nas sombras de Brasília, sem agenda oficial, articulando contra o amigo Moraes.

Porque, no contexto dessa normalidade, Tarcísio poderia dizer depois ao amigo: tudo isso é jogo de cena. A anistia talvez fique pela metade, mas eu preciso cumprir um roteiro, que inclui desrespeitá-lo como a autoridade dedicada à condenação dos golpistas.

Tarcísio de Freitas, o amigo de Moraes, tinha certeza de que, na acomodação de coisas anormais, Moraes iria entender. O governador mais poderoso do Brasil tinha que se submeter à humilhação das ordens de Eduardo. E para isso era preciso tentar humilhar o amigo Moraes.

E chegamos até aqui sendo convidados a ver só coisas normais. E descobrindo que os editoriais dos três jornalões brasileiros, contra a anistia, são mais incisivos do que toda a cobertura que dão ao que se passa em Brasília em torno das manobras pelo perdão aos golpistas.

Os editoriais de Folha, Estadão e Globo são mais assertivos, na defesa da democracia, do que o tom médio das reportagens ‘informativas’ dos três sobre o que vem acontecendo nesse caso em que o amigo Tarcísio tenta usar o amigo Moraes para ficar bem com Eduardo.

Chegamos a uma situação em que os donos dos jornais, pelo que expressam nos editoriais, conseguem ser mais antifascistas do que os jornalistas ‘neutros’ que eles empregam. Porque tudo continua normal. 

O golpe contra Dilma foi normal. A caçada, a condenação e a prisão de Lula também. Assim como a fuga de Bolsonaro para os Estados Unidos em avião da FAB no final de 2022. 

Não há uma linha, uma só, como contribuição da grande imprensa ao desvendamento do golpe permanente. Tudo é vazamento de informação produzida pelo sistema de Justiça ou o que é exposto no andamento do processo.

Os movimentos de Tarcísio, fazendo o que Eduardo mandou, mesmo que deprecie o trabalho do amigo Moraes, são complementos dessa normalidade. Nada é excepcional.

O golpe é crônico, sem fim, e se realimenta da energia gerada pela própria podridão, com a ajuda do jornalismo frouxo das corporações de mídia e da inércia do que já chamaram um dia de sociedade civil organizada. A solidão real de Alexandre de Moraes é maior do que a percebida.    

  • Imagem gerada em IA

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *