O bolsonarismo se livra de Bolsonaro e ameaça o futuro do clã
Está cada dia mais claro que o bolsonarismo, movimento orgânico da extrema-direita brasileira que tirou das sombras o fascismo, está, aos poucos, expurgando seus fundadores: a família Bolsonaro. São claríssimos os sinais de que os bolsonaristas agora pretendem sobreviver sem a interferência deletéria do clã – especialmente de seu fundador.
A família enfrenta dificuldades em quase todos os quadrantes. Em consequência, três de seus cinco varões podem deixar a política pela porta dos fundos na eleição de 2026.
O chefe do bando está na iminência de ser recolhido a um estabelecimento prisional nos próximos dias e tem contra si duas condenações que o inabilitaram para o processo eleitoral. Ninguém, nem ele mesmo, alimenta mais a esperança de que venha a disputar a próxima eleição.
Seu filho Eduardo, depois da campanha infamante contra o Brasil, só por um milagre improvável conseguirá retornar ao país sem ser preso. Eleição? Esqueça!
Carlos Bolsonaro, o “vereador federal”, enrolou-se em Santa Catarina e duela contra as deputadas Ana Campagnolo, Carol de Toni e o senador Esperidião Amin pela segunda vaga ao Senado da federação PL/PP.
A família Bolsonaro, que se considera ungida por Deus, cobra dos correligionários submissão total ao seu desiderato, e enfrenta aliados cada dia mais dispostos a não se submeter aos refundadores do movimento fascista brasileiro.
Os únicos integrantes da família que parecem não enfrentar, ao menos por enquanto, grandes dificuldades são a ex-primeira-dama Michelle e o senador Flávio Bolsonaro.
Quanto a Flávio, resta saber se o eleitor fluminense se disporá a renovar seu mandato numa disputa em que estarão fortes os nomes do governador Cláudio Castro, elevado à condição de ídolo da extrema-direita após a chacina da Penha, e da petista Benedita da Silva.
Ele é o favorito, e as chances abertas com a disputa em duas vagas não são desprezíveis. Mas é recomendável lembrar sempre a frase célebre do mineiro Magalhães Pinto: “A política é como as nuvens: você olha e elas estão de um jeito; olha de novo e já mudaram de forma.”
Em relação a Michelle, a despeito de suas promessas de submissão, ninguém – nem o “apenado” Jair – confia. É uma incógnita como as relações internas, baseadas no ódio recíproco e na desconfiança, vão permitir que o grupo se harmonize no futuro.
Na tempestade que se arma sobre os Bolsonaro, chama a atenção o alto grau de entropia das relações internas, tanto dentro do contexto da família quanto no núcleo duro de aliados que agora se posicionam claramente como adversários.
O caso mais aberrante se localiza na estranha relação entre Eduardo e Jair – o pai e seu filho mais complicado. Eduardo Bolsonaro, meses atrás, mostrou que não tem apreço pelo pai ao qualificá-lo como “ingrato” e mandá-lo ir tomar no cu.
Agora, diz abertamente que o pai não tem mais autonomia para decidir as alianças do grupo, pois estaria “sequestrado pelo sistema” e impedido de tomar decisões acertadas.
Ele tem afirmado e reafirmado, em incontáveis oportunidades nas redes sociais, que não irá considerar o que Jair Messias eventualmente decidir sobre a composição das alianças visando às eleições do ano que vem, num autêntico processo de interdição do patriarca do clã.
Enquanto enterra vivo politicamente o próprio pai, Eduardo, paradoxalmente, cobra lealdade infinita daqueles que buscam autonomia dentro do bolsonarismo.
Ele tem alimentado crises seguidas entre os apoiadores do “mito”. Brigou com todos os que ousaram ensaiar voo solo – caso notório dos pretensos pré-candidatos Tarcísio de Freitas, Ratinho Jr., Romeu Zema e Ronaldo Caiado.
À sombra do processo eleitoral que se descortina, Bananinha já arranjou encrenca até com o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, que nem pretende ser candidato à eleição presidencial.
A troca de farpas foi muito além do que o debate político civilizado recomenda. Mauro Mendes afirmou que Eduardo Bolsonaro “só fala merda” e foi por ele chamado de “bosta”, para alegria de todos os que acham que ambos, nesse caso ao menos, têm total razão.
Não bastassem as desavenças com aliados fora do círculo familiar, atritos internos produzidos por movimentos dos Bolsonaro agora começam a chamuscar os próprios Bolsonaro.
As farpas trocadas com a deputada estadual Ana Campagnolo, a mais votada para a Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 2022, ameaçam concretamente o projeto de Carluxo.
Campagnolo defende que a candidata da federação em seu estado seja a deputada federal Carol de Toni, que, há algumas semanas, inclusive abdicou da liderança da minoria na Câmara Federal para, numa manobra espúria e inaceitável até para os débeis padrões morais de Hugo Motta, tentar salvar o mandato do próprio Bananinha.
O bolsonarismo já não serve de lastro nem mesmo para que o governador Jorginho Mello abandone a expectativa de renovar o mandato do senador Esperidião Amin para acolher o filho do “mito” de outrora.
Enquanto o movimento iniciado por Bolsonaro se desmancha, seu principal líder hoje vai desaparecendo na bruma de sua declinante trajetória política. Ninguém mais pergunta o que o “mito” desmistificado pensa sobre as principais questões nacionais. A palavra de Bolsonaro não importa mais nada – nem para seus filhos, nem para os principais próceres do bolsonarismo.
O ocaso do Capitão ocorre de maneira solitária – e não se pode dizer que não tenha coerência com os valores e atitudes que orientaram sua extensa vida política. O bolsonarismo não precisa mais de Bolsonaro.
E, assim como ele mesmo fez a vida toda, parece não haver ninguém mais disposto a jogar-lhe uma bóia de salvação antes que afunde nas águas de sua própria irrelevância.
E, cá pra nós: já vai tarde!