
O bolsonarismo vai testar a persistência da militância antifascista

Duas dúvidas que os democratas, e não só as esquerdas, terão de enfrentar depois das manifestações de domingo. A primeira é essa: o que se faz com tanto sucesso? A segunda remete à síndrome de entusiasmos passados: qual é o nível de persistências das ruas hoje?
O êxito das mobilizações, com a surpreendente dimensão assumida pelas caminhadas, põe figuras com liderança, mandatos e alguma representação na obrigação de corresponder ao que aconteceu no domingo.
Cobravam reação da militância e o brasileiro foi pra rua. A resposta das manifestações exigirá ações adequadas ao fato novo, principalmente dentro do Congresso, onde a direita se encolhe e o fascismo se assusta, mas é preciso mais.
As ruas ofereceram suporte para que se amplie o engajamento à posição do deputado Lindbergh Farias, por exemplo. O não à anistia não pode oferecer um meio sim às concessões da dosimetria. Sem concessões. Sem acordos que representem armadilhas.
As ruas foram ocupadas por gente que não aparecia em atos coletivos há muitos anos. Podem dizer, e não estão errados, que isso significa a volta da militância de classe média, e não do povo, aos embates da esfera pública.
Sem problemas. Esse é o ativismo de esquerda, que só não pode voltar a ser excessivamente intermitente. Que o próximo retorno às ruas não se dê daqui a alguns meses, como ocorria nas caminhadas contra Bolsonaro na pandemia.
O Brasil deve aprender um pouco com as lições dos argentinos, que começaram batendo tambor nas ruas de Buenos Aires, em pequenos grupos, em 2001, e acabaram derrubando Fernando de la Rúa com multidões indo à luta.
Foi a partir do que aconteceu no domingo que Hugo Motta se referiu pela primeira vez às ‘pautas tóxicas’ que circulam no Congresso por imposição de direita e extrema direita.
Ele e todos nós estamos sendo pautados pelo golpismo e pelo fascismo. Acontece desde 2018, e tudo o que fazemos é reação às investidas políticas deles em várias frentes. As esquerdas só reagem.
Quem foi e quem não foi às ruas tem agora uns dias, mas não muitas semanas, para avaliar o impacto do que aconteceu de fato nas pautas do momento.
Se o bolsonarismo entender que a militância de esquerda não tem pernas para continuar metendo medo e ampliar seus alcances, sabe-se o que acontecerá.
Se ficarmos numa nebulosa, sem clareza sobre a força dos gestos antifascistas, é provável que as expectativas sobre os estragos das reações à PEC da bandidagem e à tentativa de anistia somente tenham respostas no ano que vem, com o acréscimo de novos fatos.
Mas o ano que vem está logo ali, na primeira esquina. E as ruas continuarão à disposição, onde sempre estiveram.
- Manifestantes participam de ato contra a PEC da Anistia e da Blindagem, no MASP. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil.