O contraste entre o acanhamento do campo progressista e a ofensiva extremista

13 de setembro de 2025, 06:37

Nikolas Ferreira acelerou o carro novamente. É seu esporte preferido. Não nasceu para propostas concretas ou para a construção de algo. Nasceu para acelerar o carro.

Na semana em que seu criador foi condenado a 27 anos de reclusão e detenção, explorou a ameaça que teria sofrido no Espírito Santo. Evidentemente que tentou criar um fio narrativo subliminar com o assassinato do jovem líder da extrema-direita dos EUA, Charlie Kirk. Ainda não está claro o perfil do assassino, Tyler Robinson, mas há indícios que seria mais extremista que Kirk. O que não importa nada para o empreendimento político de Nikolas.

Nesses dias de muito tumulto e perdas para o bolsonarismo, Nikolas decidiu acelerar e lançou um movimento – ainda de uma única pessoa movimentada: ele mesmo – para demissão de “extremistas de esquerda”. A começar, pela sugestão de ofensiva às universidades, um dos temas mais gastos e repisados dos extremistas do planeta.

Nikolas desfechou uma série de postagens nas suas redes sociais. Começou com a sugestão aos empresários para demitirem os verdadeiros extremistas de suas empresas, passando para a exploração da morte de Charlie Kirk para, então, chegar ao que lhe interessa mais: a postura do “Neurocirurgião de Recife comemorando a morte de um pai inocente”. Daí foi um pulo para o deputado criticar as universidades brasileiras, alegando que elas estariam formando pessoas que “desejam, concordam ou incentivam matar pessoas inocentes por desavença política”, e acusou o ambiente acadêmico de se tornar um “laboratório de degeneração moral”.

O que é mais importante dessa história toda é este espírito aguerrido dos bolsonaristas. O que contrasta com a confusão política e o espírito acanhado do campo progressista.

A sequência da prisão de Lula, impeachment de Dilma Rousseff e vitória de Bolsonaro em 2018 parece ter ecoado fundo na autoestima dos progressistas brasileiros. Uma demonstração desta insegurança política veio justamente após o massacre de bolsonaristas no julgamento do STF. Ao invés da comemoração e ofensiva sobre o bolsonarismo e adjacências (procurando debelar as certezas das áreas adjacentes ao extremismo), o tema mais comentado foi a motivação do voto de Fux. Na prática, elevaram o feito de um único ministro e o projetaram nas redes sociais como alguém mais forte que os 4 ministros que negaram sua leitura esdrúxula.

Parte deste acanhamento tem relação com a ausência da orientação dos dirigentes e lideranças do campo de esquerda. É algo conhecido que a luta política se apoia na soma de organização com mobilização. A atual direção petista demonstra dificuldades nítidas de organização da base, nem mesmo a militante, muito menos a de simpatizantes. Isto se deve à subordinação canina ao governo e liderança de Lula – que diminui a autonomia partidária – e ao foco no marketing político.

O marketing é uma maneira edulcorada de dizer o que o eleitor deseja ouvir. Não avança o sinal, não assume uma postura pedagógica, não entra em bola dividida. Esta postura recuada desarticula a base militante que se vê desprovida de motivação e, no fundo, não compreende porque nunca é orientada para avançar, para estar na ofensiva. O que resta é postura de espectador de jogo: torcer e gritar. No máximo, xingar o juiz.

No outro polo, a mobilização. Já é evidente que o campo progressista vem tendo uma performance para lá de ridícula neste quesito. Sua última grande demonstração foi no “Fora Bolsonaro”. Mesmo assim, não aproveitou para avançar, ficando num movimento circular de passeatas nas regiões centrais das cidades e, terminado com o retorno para casa. Nada de pronunciamento público. Nada além de “Fora Bolsonaro, Vacina no Braço, Comida no Prato”. Nada de projetar uma estratégia de país. Ficou na negação do poder bolsonarista.

As mobilizações, para um segmento do campo progressista, aparecem como obrigação política. Como, anos atrás, se pensava a greve geral como preâmbulo para uma ofensiva que apontava para o “poder dual”. Fica aquela exigência interna, como um grilo falante ao ouvido, de que é preciso medir forças com o bolsonarismo. Então, a cada manifestação do lado de lá, aparece a convocação de outra do lado de cá e vice-versa. Ocorre que mobilização se relaciona com motivação e … organização.

Sem organização mínima, o chamado das lideranças aparece como um canto de sereia desafinado. Não atrai e fica aquela sensação de que não está muito claro porque devemos sair às ruas: qual bandeira? Qual o plano político em que esta manifestação se encaixa? Qual o objetivo a alcançar? Basta número ou a manifestação de hoje tem que ir além disso?

Manifestação não é efeméride.

Então, a comparação da ofensiva solitária de Nikolas com a reação do campo progressista no dia seguinte à condenação de Bolsonaro et caterva emerge naturalmente.

Está na hora de virar a chave. Um trauma machuca, mas existe para ser superado ou traga a alma de todos. Como qualquer obstáculo na vida. Obstáculo existe para ser superado. Caso contrário, nos leva ao pânico e à paralisia.

Escrito por:

Rudá Ricci, sociólogo, mestre em ciência política e doutor em ciências sociais. Ex-consultor da ONU e presidente do Instituto Cultiva. Autor, dentre outros livros, de "Desafios do Educador" (Editora Letramento) e "Fascismo Brasileiro" (Editora Kotter)

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