O historiador e o banco: Karnal estrela campanha do Bradesco

18 de agosto de 2025, 14:41

Em um país em que um pequeno grupo de acadêmicos respeitados rompeu a bolha – uma comunidade restrita, ainda mais filósofos e historiadores, convidados para programas da moda, bombando nas redes sociais e dando entrevistas a podcasts – , é curioso que um deles avance mais alguns metros, numa direção, digamos, polêmica. Aceitar ser protagonista da campanha de um dos maiores bancos privados do país – certamente por um valor compensatório. Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé, Mario Sergio Cortella, Clóvis de Barros Filho, Viviane Mosé, Márcia Tiburi, entre outros poucos, tornaram-se rostos conhecidos com suas aparições midiáticas. Nada disso superou, ao menos pra mim, o impacto de ver o professor, escritor e palestrante Leandro Karnal como protagonista da nova campanha publicitária do Bradesco, intitulada “Autoajude-se” – calculada para drenar sua imagem pública para uma instituição que simboliza um capitalismo historicamente predatório.

A campanha – assista a uma das peças -, é voltada para o segmento PJ do Bradesco. Nela, ele aparece segurando um livro inexistente, em que aparece na capa, simbolizando a transição da teoria à prática – o mote central da campanha. Um dos destaques é a mensagem de que “livros de autoajuda são ótimos, mas não garantem cinco dias sem juros no cheque empresarial”, reforçando o papel prático do banco. O Bradesco, ao escolher Karnal, um pensador midiático e honrado, para liderar essa nova campanha, não apenas inova ao incorporar um intelectual à sua comunicação, mas também estabelece um novo padrão na forma como instituições financeiras se conectam com seus públicos. Como isso fica para a imagem de Karnal, não sei calcular, mas sua conta bancária não vai reclamar.

Karnal e o Bradesco: o historiador usa sua boa imagem para dar uma forçano segmento PJ. Reprodução/Youtube.

Os cachês devem compensar se você pensar, por exemplo, que, antes do professor Karnal – o que revela uma estratégia de marketing do banco -, o ator Selton Mello, reerguido ao estrelato pelo premiado filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, primeiro longa brasileiro a conquistar uma estatueta do Oscar – foi o mais recente protagonista de campanha multinacional do Bradesco, posando, como chamam, como “cliente propaganda” do banco há décadas. Antes dele, o global Pedro Bial – outro nome de “credibilidade” -, vendeu sua imagem ao Bradesco. Mas Karnal introduziu um tipo de propaganda diferente – pelo menos por aqui -, criada, como as demais, pela agência AlmapBBDO – veja como a própria agência define a campanha clicando aqui -, para supostamente “incentivar empreendedores a irem além da reflexão e partirem para a ação”. É o texto acadêmico-comercial e só pode ser explicado numa sociedade muito confusa e dominada por ícones de redes sociais, ainda que professores, onde se misturam de MCs a filósofos.

Não é inédita lá fora

Nem o Bradesco inventou a roda, nem Karnal o apreço pelo vil metal. Nomes famosos e respeitados, como o físico britânico Stephen Hawking, participou de campanhas publicitárias – diversas, no caso dele. Uma das mais famosas, em 2016, foi um super-produzido comercial da Jaguar – assista aqui -, dirigido por Tom Hooper, que esteve atrás das câmeras em filmes como “A Garota Dinamarquesa” e “O Discurso do Rei”.

O brilhante Hawking – que sofria de uma doença neurodegenerativa rara e progressiva que afeta os neurônios, e vivia preso a uma cadeira de rodas altamente tecnológica – também fez comerciais para a BT (British Telecom), destacando a importância da comunicação, para a ótica Specsavers, falando sobre a capacidade de enxergar o universo, para a seguradora GoCompare, no qual abre um buraco negro para silenciar o irritante cantor da campanha, e até para a Intel. Todas tinham, de alguma forma, o mote “científico”.

O físico Julius Sumner Miller estrelou, nos anos 80, comerciais australianos para a marca de chocolates Cadbury. Também apareceu em anúncios de panelas antiaderentes e da empresa de petróleo Ampol, ilustrando aspectos físicos de maneira didática. O divulgador científico Jeffrey Vinokur apareceu em um comercial do Super Bowl 2020 para o TurboTax – software de declaração de impostos.

Enfim, Karnal, que sua vida bancária seja tão frutífera quanto a acadêmica.

  • Imagem do historiador Leandro Karnal na propaganda do Bradesco, estrelada por ele. Reprodução/Youtube.

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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