Para não dizer que não falei de Bolsonaro

12 de setembro de 2025, 01:15

Bateu o martelo!
27 anos e 3 meses para quem tentou arrancar, de novo, do povo, o seu direito ao condão.
O sufrágio livre, a urna eletrônica, o sacramento cidadão.
Bolsonaro, agora presidiário Jair, ex-presidente, ex-homem livre, condenado por golpe de estado.
O primeiro, em um país que, na sua imperdoável anistia, perdoou até torturadores.
Brilhante Ustra e seus nada pobres diabos.

Mas, para ele, Jair, barras de ferro, nunca choques, nem pau-de-arara.
Porque acreditamos na democracia, na sentença, nas leis.
E não no ferro em brasa.
Para ele, a desmoralização, a vergonha e a eterna amargura.
Mas nunca, em tempo algum, os maus-tratos e a tortura.
Somos civilizados, mesmo sem nunca nos recuperarmos das marcas e da loucura.

Jango, Herzog, Edson Luiz e Rubens Paiva.
O Calabouço, o cala-boca, afasta de mim esse cálice
Nas escolas, nas ruas, nas construções – e campos de concentração.
Lincoln Gordon, Costa e Silva, Médici, Geisel, Fleury e seu bastão.
Arena, AI-5, DOI-CODI, Riocentro, bomba na OAB, Anistia, Diretas Já, Constituinte.
Morrer pela pátria e, finalmente, viver com razão – com algum requinte.

E fomos caminhando e votando e seguindo a eleição.
Tancredo morto, Collor deposto e Sarney, o fraldão.
Fernando Henrique, o frouxo, rei do saldão.
Mas quem sabe faz a hora e espera a próxima eleição.
Chegou Lula, houve esperança, fé, luz, mas viria a escuridão.

E, num clarão aberto pela democracia, abriu-se um flanco homicida,
entrou o capitão, o golpista, o negacionista, o belicista, o genocida,
que infernizou nossas vidas, matou nossos filhos, rasgou nossa alma.
Sai de cena agora deixando um rebanho de bovinos, que segue mugindo
com nossa bandeira e a camisa canarinho.
Colocando nosso futuro num escaninho.

Não por um crime, por dois ou três.
Mas o prato feito, no almoço e na janta, baião de três.
O cardápio completo do estômago golpista.
Aprendido na infância armando bombas com sua ideologia militarista.
Na Presidência, como Deus e o Diabo na terra dos pastores neopentecostais.
É só deixar seu dízimo voluntarista.

Ele se julgava imune, senhor absoluto dos discursos inflamados.
Mas eis que surge a lei e Alexandre, o improvável.
Ergueu a barricada de provas, desmontou mentiras nos holofotes,
mostrou que o Estado não se verga, que não há encosto.
Mas há quem diga o oposto.

Do lado negro da savana, um leão sem dentes, mas com juba – bom, uma juba de araque,
Fux fez, no tráfego da Corte, seu número de malabarismo, botou seu fraque.
“Só cogitou”, disse, “não aconteceu nada”.
Como se a aurora da traição, na história, pudesse ser absorta em nota de rodapé.
Como se as cotoveladas de Trump fossem só um cafuné.

Um juiz que veste a bandeira alheia, e tem alma ianque,
sonha com a Disney e coloca Mickey em seu tanque.
A metade de um amigo é a metade de um traidor, escreveu Victor Hugo.
E o lutador de jiu-jitsu soprou, bufou, cuspiu no prato.
E o que todo mundo viu foi a índole de um rato.

Mas 27 anos e 3 meses é sentença que pesa.
Pouco para quem urdiu trama para demolir a Constituição,
para quem tentava erguer tirania à força de retórica, crime e medo.
Mas muito para quem se considerava dono de qualquer enredo.

Mas não basta condenar – é preciso manter em cela perpétua sua vergonha.
Que cada dia sem liberdade pese como grilhões,
que cada olhar que se volta lembre o golpe abortado, caiu na malha,
a covardia de sequer partir em uma esquadrilha da fumaça de canalhas.

Que este veredito seja pedra para selar a tumba de vaidade,
e sirva de alerta aos que ainda flertam com o discurso de abandono da lei.
A hora virá, o cárcere virá – eterno será o silêncio de quem tentou enganar outros ou uns.
E não adianta mais pix, bingo, rifa ou acampamento de bebuns.

Não te queremos, Bolsonaro, um aparecido político,
Nem boi de piranha, nem vítima do sistema, nem espantalho da elite.
Seu destino é sentar na cela e não conseguir sentir.
Porque sentir é pensar sem ideias, e por isso é compreender, -como escreveu Fernando Pessoa.

  • Imagem gerada em IA

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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