
Quem é capaz de conter os que pedem a contenção alheia?

Se os juristas, que os jornalões chamam genericamente de especialistas, fossem médicos, milhares de pessoas com algum problema grave de saúde, que dependessem de seus diagnósticos, morreriam todos os dias.
Juristas decidem de acordo com suas referências, diria o filósofo Neném Prancha, e cada vez mais com base em suas crenças políticas e ideológicas. Tem como ser diferente?
É assim que um grupo diz que Flávio Dino agiu rigorosamente dentro da lei, ao estabelecer limites para cumprimento de decisões estrangeiras no Brasil. E outro grupo entende que ele agiu perigosamente fora da lei.
Dino é uma obviedade para alguns e um magistrado de decisões esdrúxulas para outros. Alguns podem até, inspirados em André Mendonça, pedir autocontenção de Dino, como pedem de Moraes.
Porque, dirão até os especialistas não consultados, é assim que funciona o Direito. Pela subjetividade, pelas sombras e luzes da hermenêutica, pelos olhares dos diferentes.
Especialistas dão a isso vários nomes, que interessam apenas a eles. Mas deveria interessar a todos e aos juízes que não temem o desconforto de ataques do fascismo disfarçado de discordâncias.
O que cabe é aceitar que o mundo hoje é dos juristas, dos magistrados, dos operadores do Direito e dos chutadores, não só no Brasil.
Trump só avança nos Estados Unidos por contar com uma base de dois terços da Suprema Corte. Juízes de primeira instância, que tentaram resistir ao avanço do trumpismo, já foram contidos pelos magistrados que estão acima deles.
É assim na Argentina, onde Maurício Macri aparelhou a Corte Suprema e quase todas as decisões são previsíveis. Quase tudo o que se decide em última instância na Argentina é contra o peronismo, o kirchnerismo, contra Cristina Kirchner. As estruturas do Judiciário foram sequestradas por direita e extrema direita.
Menos no Brasil? Aqui, a acusação é invertida, na direção dos que tentam conter o golpismo. Mas não há controle político do Supremo no Brasil. Nem controle pelo poder econômico. Muito menos pelo poder religioso. Mesmo assim, circula a conversa da ditadura da toga.
Os especialistas, que muitas vezes produzem poesia para explicar suas posições, sabem que oferecem respostas sustentadas por suas bases referenciais adequadas às circunstâncias. Ah, mas sempre foi assim.
Mas essas bases são cada vez mais contaminadas por suas crenças políticas e pela ideologia que está acomodada, às vezes de forma dissimulada, num canto das suas ferramentas de análise.
Assim é que um mesmo caso olhado por 10 juristas pode dividi-los ao meio, sem que nenhuma metade recue e reconheça que está errada.
Porque há erro médico. Há erro em cálculos estruturais de engenheiros. São muitos os erros desastrosos cometidos por jornalistas. Mas juristas acham que não erram. Eles apenas interpretam.
E, na interpretação de alguns especialistas que analisam as decisões de Moraes e Flavio Dino, ambos vão longe demais. E alguns juristas vão longe demais e vislumbram até os danos políticos das decisões de Moraes e Dino, o que não é pauta prioritária para juristas.
Decisões de Dino são definidas por ele mesmo como coisas simplórias. São mais do que singelas, são ululantamente simplórias. Mas os juristas da academia, que já foram complexos em latim, existem hoje muito mais para serem ouvidos pela Folha do que para dar aulas e conferências.
E assim a extrema direita vai sobrevivendo e se rearticulando, em nome da família e da pátria e com Deus acima de tudo e de todos. Mas abaixo de juristas e magistrados que clamam aos colegas pela contenção.
- Ministro Flávio Dino. Foto: Rosinei Coutinho/STF