Rapadura é doce, mas não é mole
Moralismos nunca funcionaram bem para análise política. Podem servir para a prática política, com o intuito explícito ou não de enganar trouxas. No mundo concreto do jogo bruto da política, a moral é outra. No parlamento é ainda mais comum. Justamente porque o parlamentar parla, parla e se move em círculos. Ataca na tribuna e, segundos depois que já está pisando no chão acarpetado, dá e recebe tapinhas nas costas e inicia novo circuito de pedidos de assinaturas para seu projeto de lei que está prestes a ficar engavetado. Há exceções, como o de Glauber Braga, que acabam involuntariamente virando moeda de troca em mais um acordão embalado por tapinhas nas costas.
Ontem, a bancada petista do Senado estampou impudentemente esta prática. Neste caso específico, alimentada pelo pragmatismo lulista.
O lulismo é isso: um pragmatismo exacerbado, quase doentio. Faz uma leitura rápida sobre a “correlação de forças” e se ajoelha “aos fatos”. Jaques Wagner chegou a dizer, com o rosto vermelho como um pimentão, que não dá murro em ponta de faca. Nem um cursinho ligeiro sobre meditação e ioga promove conclusões tão rodeadas por certezas absolutas como a proferida pelo líder do governo.
O pragmatismo, enfim, se curva ao que entende ser a dura realidade. Em outras palavras, tende a não enfrentar o status quo. Ao contrário, se conforma a ele.
Ontem, nesta toada, a bancada petista do Senado jogou a toalha. Talvez, já embriagada com a sidra Cereser que abriu antecipadamente. Obviamente que foi orientada pelo Palácio do Planalto. Somente os alucinados e incautos sugerem outra coisa.
Não tenho idade para ser enganado pelo óbvio. O lulismo é isso: o que menos interessa é conversar com a base militante ou simpatizante. O que importa é interpretar o sentido do vento para colher votos. E só.
Então, o que já era prática comum, engoliu o PT: os acordões parlamentares.
Interessante que a ordem democrática impele todo enfant terrible a se moderar e caminhar para o centro. Foi assim com o PT de Lula, está lentamente cozinhando o bolsonarismo para o mesmo fim. O que faz de todos os ativistas que saem às ruas para esbravejar bandeiras e exigir direitos da cidadania a ter um olho no peixe e outro no gato. Porque a manifestação pode ser usada como moeda de troca no parlamento. Aliás, foi o que aconteceu nos últimos dois dias.
A palavra de ordem foi “zerar o ano”. Alguns utilizaram um sinônimo: “virar a página”. O interessante é virar a página do livro alheio. Como se eu me sentasse ao lado de um passageiro no ônibus que lê um livro e começasse a virar a página sem nem mesmo avisá-lo ou solicitado. Foi exatamente isso que aconteceu ontem.
No final das contas, viramos a página. O tênue laço que unia o passado com o presente do petismo se rompe com a virada do ano. Tudo está zerado, no final das contas. É outro partido, outra liderança, outra prática. Quem dera, fosse outra correlação de forças.