
Rebeldes reaças: como a direita captura o imaginário contestador dos jovens

Pior que um rebelde sem causa – infelizmente a expressão foi meio apropriada, numa música, pelo bolsonarista Roger Moreira, vocalista da banda Ultraje a Rigor -, é um rebelde de direita. Sem memória histórica da ditadura, nascido num país já redemocratizado, confuso ideologicamente depois da gangorra eleitoral Lula-Bolsonaro-Lula, informando-se apenas por redes sociais – território dominante dos conservadores – , a nova geração é presa fácil das táticas de cooptação da direita. Uma frente é a pregação conservadora e “empreendedora” dos seus menudos na política, a bancada dos “influenciadores” e políticos reaças, como Nikolas Ferreira e Kim Kataguiri, esse último fundador do Movimento Brasil Livre (MBL), que tentam falar a “linguagem do jovem”. Outra é a catequização neopentecostal – para um público crescente nas periferias brasileiras, inclusive jovens – dominada por bispos, pastores, apóstolos e evangelizadores de direita, que transformou a fé em negócio. Os banqueiros de dízimos e ideologias conservadoras, que o filósofo e historiador marxista Jones Manuel chama de “Igreja Evangélica da Prosperidade”, com sua pregação de autopromoção e promessa de superação. E um bom exorcismo ou “milagre” de araque, desde que você raspe sua carteira.

Autor da dissertação de mestrado intitulada “Pentecostalismo e juventude na periferia urbana: estudo sobre a sociabilidade de jovens da Igreja Assembleia de Deus Mistério São Bernardo do Campo no bairro DER”, o sociólogo Sérgio Eugênio Ferreira de Camargo ao Instituto Humanitas, afirma que essas igrejas visam cada vez mais jovens em situação de vulnerabilidade, “que não tinham nenhuma estrutura familiar e aprenderam inúmeras habilidades com a religião”. Clique aqui e assista uma das bestas-feras do neopentecostalismo, o pastor SIlas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, conselheiro pessoal de Bolsonaro, dizendo o que pensa das novas gerações. E tá tudo dominado por , como diz Jones, quem coloca a esquerda como símbolo, veja só, do status quo. Enquanto muitos jovens buscam formas de rebelião fora desse espectro — encontrando ressonância em discursos de direita, que promovem uma “crítica ao sistema”, apoia a ideia de independência individual, acima dos direitos trabalhistas, e rotula quem pensa diferente de “comunista”. Deve ser convertido ou banido.

Para atrair esse público, muitas igrejas neopentecostais têm apostado na “modernização dos cultos”, lançando mão de estratégias diversas, como figurino especial para os pastores, iluminação cênica, decoração planejada e uma intensa movimentação nas mídias sociais. Todo esse trabalho tem deixado os cultos com cara de balada, muitas vezes tendo como trilha sonora músicas de estilos modernos, como funk e rap. Como diz o pastor Jonatas Epifanio Kuster, fundador da Igreja Conexão Casa, junto com a esposa, também pastora, Priscila, no bairro de Itapuã, em Salvador, “a mensagem que a gente carrega é eterna, é a bíblia, mas a forma como a gente pinta a parede de uma cor, o uso da guitarra, da bateria, iluminação cênica, são formas de atualizar a embalagem e não o conteúdo”.
Mídias sociais, você leu – e isso é muito relevante. A influência nefasta das redes sociais, sem qualquer regulamentação – porque Mr. Trump não deixa – , ainda mais em tempos de Inteligência Artificial, consumidas vorazmente pela juventude vidrada em seus celulares, é um imã poderoso. Grave, já que há evidências de que a direita – especialmente a extrema-direita – segue utilizando as redes sociais de maneira muito mais eficaz para atrair e engajar o público jovem. Hoje a má companhia, o inimigo íntimo, não é o coleguinha de escola ou de bagunça, são os aplicativos da telefonia móvel.
Pesquisas mostram que jovens têm aderido à direita radical, em especial por conta da fluidez digital, da habilidade desses líderes conservadores de manipular algoritmos e criar narrativas antissistema. Peguemos a recentíssima pesquisa “Desigualdades Informativas” de 2024, do laboratório independente de pesquisas Aláfia Lab., 78,3% das pessoas que se identificam com a extrema-direita no Brasil utilizam as redes sociais como principal fonte de informação, comparado a 57,1% na esquerda e 38,5% na extrema-esquerda . Além disso, a direita obteve 1,48 bilhão de interações nas redes sociais em 2025 — 2,5 vezes mais que a esquerda, que somou 417 milhões de interações. Leia mais sobre essa pesquisa clicando aqui.
Juntando tudo, temos aí uma tempestade perfeita para a doutrinação ideológica de nossa juventude pela direita. Cientes desse poder, cada vez mais políticos e influeciadores bolsonaristas promovem seminários e eventos sobre “doutrinação ideológica” via redes. Como fez, recentemente, na Câmara, o deputado federal bolsonarista Gustavo Gayer. Explorando textos do “ideólogo” Olavo de Carvalho e de outros autores aclamados pela direita como Roger Scruton, considerado o papa do conservadorismo, alertam, por exemplo, para o perigo da doutrinação “esquerdo-marxista” nas escolas e universidades.

Mais recentemente, em maio passado, num evento oficialmente chamado de “Seminário Nacional de Comunicação do PL”, em Fortaleza, Jair Bolsonaro, ainda sem tornozeleira e prisão domiciliar, juntou sua curriola num encontro com representantes de big techs para “debater comunicação digital”. O objetivo real foi incrementar uma programação intensa voltada ao fortalecimento da comunicação política de direita no Brasil.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), há 48,5 milhões de jovens entre 15 e 29 anos de idade no país. Além disso, a pesquisa Global Religion 2023, do Instituto Ipsos, apontou que entre os jovens de até 30 anos, a quantidade de evangélicos supera a de católicos: 30% contra 26%, respectivamente. Isto significa que há cerca de 14,5 milhões de jovens evangélicos no Brasil. Para garantir o gado crescendo, inclusive na nova geração, vale tudo – religião, políticos e influencers de peruca atacando minorias, e congressos para ensinar a “endireitar” o país, cada vez mais, pelas redes sociais. Há luz no fim do túnel ou é uma locomotiva vindo pra cima da gente?
- Imagem: reprodução de desenho na capa de estudo “Desigualdades informativas”, sobre os caminhos informativos dos brasileiros na internet. Reprodução.