Rebeldes reaças: como a direita captura o imaginário contestador dos jovens

15 de agosto de 2025, 14:28

Pior que um rebelde sem causa – infelizmente a expressão foi meio apropriada, numa música, pelo bolsonarista Roger Moreira, vocalista da banda Ultraje a Rigor -, é um rebelde de direita. Sem memória histórica da ditadura, nascido num país já redemocratizado, confuso ideologicamente depois da gangorra eleitoral Lula-Bolsonaro-Lula, informando-se apenas por redes sociais – território dominante dos conservadores – , a nova geração é presa fácil das táticas de cooptação da direita. Uma frente é a pregação conservadora e “empreendedora” dos seus menudos na política, a bancada dos “influenciadores” e políticos reaças, como Nikolas Ferreira e Kim Kataguiri, esse último fundador do Movimento Brasil Livre (MBL), que tentam falar a “linguagem do jovem”. Outra é a catequização neopentecostal – para um público crescente nas periferias brasileiras, inclusive jovens – dominada por bispos, pastores, apóstolos e evangelizadores de direita, que transformou a fé em negócio. Os banqueiros de dízimos e ideologias conservadoras, que o filósofo e historiador marxista Jones Manuel chama de “Igreja Evangélica da Prosperidade”, com sua pregação de autopromoção e promessa de superação. E um bom exorcismo ou “milagre” de araque, desde que você raspe sua carteira.

Em um discurso transfóbico no plenário da Câmara, o deputado Nikolas Ferreira coloca uma peruca loira para ridicularizar e pregar uma ofensiva legislativa contra pessoas trans. Foto: Pablo Valadares/Câmara.

Autor da dissertação de mestrado intitulada “Pentecostalismo e juventude na periferia urbana: estudo sobre a sociabilidade de jovens da Igreja Assembleia de Deus Mistério São Bernardo do Campo no bairro DER”, o sociólogo Sérgio Eugênio Ferreira de Camargo ao Instituto Humanitas, afirma que essas igrejas visam cada vez mais jovens em situação de vulnerabilidade, “que não tinham nenhuma estrutura familiar e aprenderam inúmeras habilidades com a religião”. Clique aqui e assista uma das bestas-feras do neopentecostalismo, o pastor SIlas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, conselheiro pessoal de Bolsonaro, dizendo o que pensa das novas gerações. E tá tudo dominado por , como diz Jones, quem coloca a esquerda como símbolo, veja só, do status quo. Enquanto muitos jovens buscam formas de rebelião fora desse espectro — encontrando ressonância em discursos de direita, que promovem uma “crítica ao sistema”, apoia a ideia de independência individual, acima dos direitos trabalhistas, e rotula quem pensa diferente de “comunista”. Deve ser convertido ou banido.

O milionário pastor SIlas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e conselheiro pessoal de Bolsonaro: ele não só defende converter a nova geração como promove encontros de jovens e adolescentes, onde defende valores conservadores. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil.

Para atrair esse público, muitas igrejas neopentecostais têm apostado na “modernização dos cultos”, lançando mão de estratégias diversas, como figurino especial para os pastores, iluminação cênica, decoração planejada e uma intensa movimentação nas mídias sociais. Todo esse trabalho tem deixado os cultos com cara de balada, muitas vezes tendo como trilha sonora músicas de estilos modernos, como funk e rap. Como diz o pastor Jonatas Epifanio Kuster, fundador da Igreja Conexão Casa, junto com a esposa, também pastora, Priscila, no bairro de Itapuã, em Salvador, “a mensagem que a gente carrega é eterna, é a bíblia, mas a forma como a gente pinta a parede de uma cor, o uso da guitarra, da bateria, iluminação cênica, são formas de atualizar a embalagem e não o conteúdo”.

Mídias sociais, você leu – e isso é muito relevante. A influência nefasta das redes sociais, sem qualquer regulamentação – porque Mr. Trump não deixa – , ainda mais em tempos de Inteligência Artificial, consumidas vorazmente pela juventude vidrada em seus celulares, é um imã poderoso. Grave, já que há evidências de que a direita – especialmente a extrema-direita – segue utilizando as redes sociais de maneira muito mais eficaz para atrair e engajar o público jovem. Hoje a má companhia, o inimigo íntimo, não é o coleguinha de escola ou de bagunça, são os aplicativos da telefonia móvel.

Pesquisas mostram que jovens têm aderido à direita radical, em especial por conta da fluidez digital, da habilidade desses líderes conservadores de manipular algoritmos e criar narrativas antissistema. Peguemos a recentíssima pesquisa “Desigualdades Informativas” de 2024, do laboratório independente de pesquisas Aláfia Lab., 78,3% das pessoas que se identificam com a extrema-direita no Brasil utilizam as redes sociais como principal fonte de informação, comparado a 57,1% na esquerda e 38,5% na extrema-esquerda . Além disso, a direita obteve 1,48 bilhão de interações nas redes sociais em 2025 — 2,5 vezes mais que a esquerda, que somou 417 milhões de interações. Leia mais sobre essa pesquisa clicando aqui.

Juntando tudo, temos aí uma tempestade perfeita para a doutrinação ideológica de nossa juventude pela direita. Cientes desse poder, cada vez mais políticos e influeciadores bolsonaristas promovem seminários e eventos sobre “doutrinação ideológica” via redes. Como fez, recentemente, na Câmara, o deputado federal bolsonarista Gustavo Gayer. Explorando textos do “ideólogo” Olavo de Carvalho e de outros autores aclamados pela direita como Roger Scruton, considerado o papa do conservadorismo, alertam, por exemplo, para o perigo da doutrinação “esquerdo-marxista” nas escolas e universidades.

O já falecido filósofo britânico Roger Scruton, um dos cânones do pensamento conservador em todo o mundo, que chegou a vir ao Brasil promover um de seus muitos livros, “Conservadorismo: um convite à grande tradição”. Foto: Getty Images.

Mais recentemente, em maio passado, num evento oficialmente chamado de “Seminário Nacional de Comunicação do PL”, em Fortaleza, Jair Bolsonaro, ainda sem tornozeleira e prisão domiciliar, juntou sua curriola num encontro com representantes de big techs para “debater comunicação digital”. O objetivo real foi incrementar uma programação intensa voltada ao fortalecimento da comunicação política de direita no Brasil.

Jair Bolsonaro, antes da prisão domiciliar e da tornozeira, juntou políticos e big techs no “Seminário Nacional de Comunicação do PL”, em Fortaleza, para fortalecer a comunicação digital da direita brasileira em preparação para as eleições de 2026. Foco nos jovens e evangélicos das periferias. Foto: Reprodução redes sociais.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), há 48,5 milhões de jovens entre 15 e 29 anos de idade no país. Além disso, a pesquisa Global Religion 2023, do Instituto Ipsos, apontou que entre os jovens de até 30 anos, a quantidade de evangélicos supera a de católicos: 30% contra 26%, respectivamente. Isto significa que há cerca de 14,5 milhões de jovens evangélicos no Brasil. Para garantir o gado crescendo, inclusive na nova geração, vale tudo – religião, políticos e influencers de peruca atacando minorias, e congressos para ensinar a “endireitar” o país, cada vez mais, pelas redes sociais. Há luz no fim do túnel ou é uma locomotiva vindo pra cima da gente?

  • Imagem: reprodução de desenho na capa de estudo “Desigualdades informativas”, sobre os caminhos informativos dos brasileiros na internet. Reprodução.

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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