Saída pela esquerda: Brigadas Populares unem-se ao MTST para forçar governo progressista e resistir ao extremismo

23 de agosto de 2025, 18:00

E se a política não emergisse apenas dos gabinetes opacos, das zonas cinzentas do legislativo, dos lobbies das grandes corporações, e seus prepostos na Faria Lima e nas bancadas empresariais, mas tivesse mais voz no que pensam as ruas, as quebradas, as comunidades do país? Em um dos movimentos mais ousados recentes da esquerda popular, uma organização surgida, de forma ainda incipiente, em 2011, a partir da fusão de quatro coletivos, as Brigadas Populares (BPs) – socialista e antiimperialista, hoje com atuação em mais de dez estados -, anunciou um pacto de atuação conjunta com o já consolidado Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), criado em 1997. Embora o desafio seja enorme – alguns diriam utópico -, é, no mínimo, uma lanterna acesa no fim do túnel para evitar a volta da extrema-direita em 2026. Não só no voto, mas na ação política.

Num país desamparado por uma política de coalização que parece sem limites, com o PT do governo Lula, ex-esquerda, hoje de centro-esquerda, dando cada vez mais passos à direita, é, digamos, um sopro de esperança. O MTST e as Brigadas Populares já vinham construindo, ao longo dos anos, uma sólida parceria em diversas frentes de luta. Desde a antiga Frente de Resistência Urbana, passando pela Frente Povo Sem Medo, dando instrumentos de luta e razões para a juventude seguir em frente – diante de uma UNE (União Nacional dos Estudantes), que parece ter dificuldades de mobilização, evidenciando a necessidade de revitalizar o movimento estudantil. As Brigadas focam nos trabalhadores explorados, nos informais e nos afetados pela profunda mudança no mercado de trabalho com o avanço da tecnologia.

Há algumas semanas, a militância das Brigadas Populares se reuniu em seu III Congresso Nacional, em São Paulo, para, estourando a bolha de um “movimento de favelas e quebradas do país”, embrenhar-se no MTST – não como uma fusão burocrática- , reforçando a unidade como exemplo de resistência e adaptação às novas conjunturas. “Frente à crise do sistema político brasileiro e à falta de representatividade das antigas estratégias da esquerda, consolidamo-nos como um único movimento”, escreveram, na ocasião, em nota publicada nas redes sociais. As Brigadas, como o MTST, tem um pezinho no PSOL. Desde então, mostrando que é mesmo um marco na organização da luta popular no Brasil, ambas as organizações participaram ativamente de mobilizações em defesa da moradia digna e dos direitos sociais, organizando ocupações, e, para citar um exemplo, em resposta às enchentes no Rio Grande do Sul, formaram brigadas de solidariedade para apoiar as vítimas, realizando atividades de reconstrução de casas e distribuição de alimentos. Ambas as entidades colaboraram no fortalecimento das cozinhas solidárias, espaços autogestionados que fornecem alimentação e apoio às comunidades em situação de vulnerabilidade.

III Congresso das Brigas Populares: reação ao reacionarismo e aproximação com movimentos de esquerda-raís, como o MTST. Foto: Instagram /Reprodução

O trabalho das Brigadas ainda está nos subterrâneos da cobertura da grande mídia, que não a enxerga – o que não reduz o seu valor, talvez enalteça. O MTST,  que advoga o direito à moradia e luta por uma ampla reforma urbana, e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), em sua luta pela reforma agrária, são mais antigos e tiveram mais tempo para consolidar sua marca, especialmente pela presença de lideranças fortes como o hoje deputado federal Guilherme Boulos, no caso do MTST, e João Pedro Stédile, do MST. À frente das brigadas estão nomes em ascensão como o Secretário Político Nacional, Gabriel Siqueira; a deputada estadual Bella Gonçalves, eleita pelo PSOL, e a coordenadora nacional da Revolução Solidária (RS), Natalia Szermeta. Certamente poucos já ouviram falar deles, mas não perdem por esperar. “Vai começar o contra-ataque!”, tem prometido Gabriel, em suas redes sociais.

O secretário Político Nacional das Brigadas Populares, Gabriel Siqueira; a deputada estadual Bella Gonçalves e a coordenadora nacional da Revolução Solidária (RS), Natalia Szermeta. Reprodução/Redes sociais.

O cenário progressista no Brasil, pré-eleição de 2026, é marcado por uma diversidade de movimentos sociais, organizações populares e articulações políticas que atuam em defesa da justiça social, democracia, direitos humanos e soberania nacional. Esses grupos têm desempenhado um papel fundamental na mobilização da sociedade civil e na construção de alternativas políticas frente aos desafios contemporâneos.

Além do MST, MTST e Brigadas Populares, já saem da obscuridade entidades como o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), fundado no ano passado como ala dissidente do ectoplásmico Partido Comunista Brasileiro (PCB); a Central de Movimentos Populares (CMP), fundada em 1993, que luta por moradia, saúde, direitos das mulheres e população negra; e o Coletivo ParaTodos, vinculado à Juventude do Partido dos Trabalhadores (JPT), que busca transformar UNE e UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas).

Mulheres da Bancada Ativista: o olhar feminista que representa a luta das mães, das causas ambientais, indígenas, transexuais e negritude. Reprodução.

A Bancada Ativista, criada em 2016, promove mandatos coletivos e a candidatura de ativistas comprometidos com pautas progressistas, como direitos humanos, igualdade de gênero e defesa da democracia. Embora tenha perdido alguma visibilidade após 2022, sua experiência inspirou outras candidaturas coletivas no país, por apresentar ativistas como “co-candidatos”, unidos por pautas progressistas. Sâmia Bomfim (PSOL), hoje deputada federal, foi eleita vereadora com apoio da Bancada.

A combativa deputada Sâmia Bomfim (PSOL), eleita, nas origens, como vereadora, com apoio da Bancada Ativista. Reprodução

Frei Betto: ‘esquerda órfã de referências ideológicas”

Autor de mais de 70 livros, editados no Brasil e no exterior, Frei Betto, referência no ativismo em favor dos Direitos Humanos: “Os tempos são outros. E sombrios”. Foto: Marcos Alves/Divulgação.

Em artigo publicado em janeiro passado, intitulado “Desafios às forças progressistas em 2025”, o escritor e educador popular Frei Betto, amigo pessoal do presidente Lula, afirmou que “resta pouco” do que considera esquerda, “que se empenha na superação do sistema capitalista”, reencarnado, caso das Brigadas Militares, por uma multiplicação de “forças progressistas” , que lutam para ampliar a democracia formal e garantir à população brasileira condições dignas de existência – moradia, saúde, educação, cultura, oportunidades de trabalho, acesso à cultura – cada um com sua especialidade. É um trabalho de formiguinha, pulverizado, celular, como foram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), formadas por pequenos grupos de fiéis, por todo o país, durante a ditadura militar – e que tornaram-se espaços de resistência política e social. Foram exterminadas pela mudança de orientação institucional da Igreja Católica, que desterrou junto a Teologia da Libertação. Não por acaso, o efeito colateral foi a ascensão das mídias religiosas, do televangelismo e do neopentecostalismo.

“Os tempos são outros. E sombrios”, constata Frei Betto, para quem as forças progressistas não devem contar maiss, pelo menos nesse momento histórico, com respostas como as grandes mobilizações populares como a Passeata dos Cem Mil, as greves operárias do ABC paulista e as concentrações pelas Diretas Já! “As forças progressistas perderam a capacidade de promover grandes mobilizações populares diante da falta de educação política do povo, da excessiva burocratização dos partidos progressistas, da perda de referências históricas e do esgarçamento do movimento sindical”, conclui. É preciso, diz ele, mirando os progressistas, ter novas estratégias na comunicação, entrar de verdade nas trincheiras digitais, na educação política da população, e na questão religiosa.

  • Imagem de uma reunião das Brigadas Populares (BPs): união com o MTST. Reprodução.

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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