
Sebastião Salgado, o legado de um gênio
O senhor das imagens partiu hoje, deixando um acervo valioso sobre a vida em nosso planeta. Nos últimos 60 anos, os olhos e a sensibilidade de Sebastião Salgado desnudaram detalhes deste vasto mundo. Um acervo fotográfico de valor inestimável para a humanidade. Membro da Academia Francesa de Belas Artes, Salgado recebeu todas as condecorações e prêmios por seu trabalho. Sua vida foi levada às telas do cinema no documentário “O Sol da Terra”, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro, filho de Sebastião Salgado. O filme foi indicado ao Oscar e conquistou o César de melhor documentário e o prêmio do júri, em Cannes. Sua obra está exposta em museus, galerias de arte, em livros e até mesmo a céu aberto.
Conheci Sebastião Salgado em setembro de 2014, no “Espaço Público” da EBC, programa que fazia junto com Paulo Moreira Leite. Antes da gravação, ao sermos apresentados, Salgado ficou extremamente emocionado ao lembrar da Escola Nacional Florestan Fernandes. Ele, Chico Buarque de Holanda e José Saramago contribuíram com a construção da escola, repassando direitos autorais para o MST.
Naquele dia, Salgado me contou como ele e a esposa, Lélia, deixaram o Brasil logo após a decretação do AI-5.
Os dois, muito jovens e atuantes na luta contra a ditadura, estavam temerosos, com receio de serem presos e torturados pelos militares. Escondidos em um navio, o casal aguardou ansiosamente a embarcação ultrapassar o limite das 200 milhas náuticas (370 quilômetros). Ultrapassado o limite da costa brasileira, os dois se abraçaram e comemoraram a fuga para a liberdade e a preservação de suas vidas.
Reflexivo, Salgado me questionou: “Me diga, Florestan, qual o perigo que dois jovens começando a vida representavam para os militares? Por que eles tinham tanto medo de nós, jovens de 21 e 24 anoso? Qual o perigo que a gente representava para a sociedade?”
Foi nessa viagem e nos primeiros meses em Paris, utilizando a câmera fotográfica de sua companheira, que Sebastião Salgado descobriu sua verdadeira vocação: a de repórter fotográfico. Em pouco tempo, Sebastião Salgado passou a ser requisitado pelos mais importantes jornais e revistas da Europa. Um trabalho que o levou a conhecer mais de 120 países, realizando memoráveis projetos fotográficos, como Êxodos, Serra Pelada e Gênesis.
O trabalho de Sebastião Salgado é mais que um testemunho do nosso tempo. É um manifesto lírico e lindo em defesa da humanidade. Fotos que denunciam as injustiças cometidas contra os excluídos da terra e os marginalizados das cidades. Salgado e Lelia sempre foram militantes da preservação da natureza e da vida. Talvez esse seja o motivo central da perseguição movida pelos ditadores contra os dois.
Sabem que essas manifestações nos levam aos nossos lugares existenciais e nos conectam com aquilo que nos constitui humanos. São instrumentos de humanização, de vida. Por isto, perseguidos pelos regimes totalitários.
Salgado só retornou do seu exilio em Paris no dia 31 de dezembro de 1979, quatro meses após a anistia. Voltou para matar a saudade e para fotografar seu povo e sua terra, num projeto com foco no Norte e Nordeste.
Em plena abertura política do general presidente João Figueiredo, Salgado ainda era uma preocupação para os militares. Em sua visita, ele foi vigiado de perto por agentes das Forças Armadas. O monitoramento foi registrado em um documento “confidencial” obtido pelo jornalista Eumano Silva e publicado na revista Isto É, em 28 de novembro de 2014. O documento foi produzido pelo Centro de Operações de Informações de Defesa Interna (Doi-Codi) de Brasília.
Quando soube da morte de Sebastião Salgado, os meus olhos ficaram marejados.
Hoje de manhã (23/05) quando soube da morte de Sebastião Salgado os meus olhos ficaram marejados, um nó no peito. O mudo perdeu um de seus mais belos seres humanos. Vai fazer muita falta.
Foto: Suzanne Plunkett/Reuters