Somente a Cúpula dos Povos e a Zona Verde podem salvar a COP30
A COP30 oficial vai caminhando para ser uma imensa perda de tempo. As ausências dos chefes de governo de China, EUA e Índia (apenas representadas por delegações), além da oposição nítida e sistemática da Arábia Saudita que evita consensos que podem levar o evento para além de declarações e cartas de intenções, já prenuncia um simulacro de acordo final. Evidentemente que o governo federal tentará criar narrativas para dizer que o que se vê não é bem assim.
Um exemplo foi a consulta aos países participantes a respeito dos 4 temas mais polêmicos da conferência e que estão fora da agenda oficial (poderá ingressar, é verdade, numa nova plenária a ser realizada no próximo sábado). Foram 8 horas de negociações em 3 dias que redundaram num impasse. A Índia foi um fator de discórdia. Este país faz parte do grupo Like-Minded Countries que reúne nações em desenvolvimento e defende que as nações ricas continuem com a maior parte da responsabilidade no combate à crise climática. Há resistência a medidas que resultem em pressões imediatas para diminuir o uso de combustíveis fósseis. Enfim, a queda de braço entre países em desenvolvimento e países superdesenvolvidos.
Os 4 pontos travados são:
• Artigo 9.1 do Acordo de Paris – trata da obrigação de países desenvolvidos proverem financiamento aos países em desenvolvimento. É o único artigo do acordo que ainda não tem regulamentação específica;
• Medidas unilaterais de comércio – restrições comerciais baseadas em critérios ambientais impostas por países ou blocos, como a Lei Antidesmatamento da União Europeia. Países do Sul Global argumentam que essas medidas têm efeito extraterritorial sobre suas economias;
• Resposta ao relatório de síntese das NDCs – o documento analisou apenas 64 metas climáticas nacionais, cobrindo 30% das emissões globais. Países do G20, responsáveis por 80% das emissões, não apresentaram suas NDCs (metas climáticas nacionais) a tempo;
• Síntese dos relatórios de transparência (BTRs) – acompanhamento do progresso climático dos países.
A diplomacia brasileira é conhecida por dar nó em pingo d´água. E não está sendo diferente na COP30. No caso, o nó é midiático. Sempre sorrindo, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, nada (não resisti ao trocadilho) em diversos estilos para evitar que a apreensão venha ao mundo externo.
Isto ocorre no lado oficial – a Zona Azul – do evento. Menos pomposo, do lado de lá do imenso corredor instalado no pavilhão onde ocorre o evento, está a Zona Verde, que eu acredito ser um fio de esperança para quem acredita que o mundo precisa mudar urgentemente.
A Zona Verde se vincula à Cúpula dos Povos e deve superar, a partir da quinta-feira, o total de 10 mil participantes do último evento mundial desta natureza. Em três edições a Cúpula dos Povos foi vetada pelas legislações dos países-sede das últimas conferências: Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão.
Somente ontem, chegaram 5 mil participantes deslocados em 200 barcos. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) promete 2,5 mil indígenas em Belém. Das periferias de São Paulo, uma delegação da Frente Periférica por Direitos desembarca hoje na capital do Pará.
A Cúpula dos Povos foi criada na Rio92, quando surgiram as COPs. Vou resumir a importância desta cúpula de Belém.
A Escola de Chicago desenvolveu uma tese sobre como evitar que o capitalismo entre em crise: é preciso ter vasos comunicantes entre o suplício popular e as instituições reguladoras. No Brasil, Hélio Jaguaribe escreveu sobre esta tese como desenho para a consolidação da democracia em nosso país.
Houve um tempo em que os sindicatos, a assistência social e as igrejas cumpriam este papel de vasos comunicantes. Robert Castel escreveu “As metamorfoses da questão social” onde decompõe a evolução das políticas assistenciais e a constituição da “sociedade salarial” moderna. Um livro sobre a evolução dos “vasos comunicantes”.
Contudo, no século 21, a extrema-direita vem se apresentando – e obtendo muito sucesso – como o vaso comunicante que atrai massas desvalidas e marginalizadas (de fato e de sentimento) para um discurso antissistêmico, colocando na parede todo sistema de equilíbrio social montado no pós-Guerra.
Na outra ponta, estamos presenciando a falência dos órgãos multilaterais que se transformaram em grandes encontros pomposos que demandam uma energia extraordinária cujos resultados são pífios ou equivalentes.
Ora, onde estaria o “turn over”? Na sociedade civil. Este é o fio de esperança em relação às Cúpulas dos Povos. Se ali ocorrer um esforço para articular as diversas representações e criar um germe organizativo nacional, teremos dado um salto qualitativo após a desmontagem das redes e articulações nacionais criadas no final do século passado.
Lembremos que a CUT nasceu de uma articulação desta natureza, a Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS). Lembremos que articulações desta natureza criaram o Fórum Social Mundial.
As redes e fóruns nacionais foram evaporando ao longo do século 21. Tentativas de retomadas foram feitas, como a articulação “Fora Bolsonaro”. Não prosperou. Faltou um mote unificador. O “Fora Bolsonaro” juntou inúmeras pautas numa frase que denunciava, mas não criava um polo de poder (o slogan “Fora Bolsonaro, Vacina no Braço e Comida no Prato” não passou daí).
Não conseguimos ter saldo organizativo com a rede de solidariedade montada durante a pandemia, cujo ator mais visível foi a Central Única de Favelas (CUFA).
A fragmentação está sendo a tônica deste século.
A crise está no campo progressista e popular. Está sendo engolido pelo extremismo, diretamente ou pela disseminação de seus valores, o punitivismo e o hiperindividualismo.
Mas, a Cúpula dos Povos que têm início nesta semana pode gerar este novo que falta. Para tanto, é preciso articular e criar um centro político de referência, qualquer que seja o desenho: uma direção representativa, um colegiado rotativo, uma secretaria executiva, um hub ou site de integração. Pouco importa.
Somente a Cúpula dos Povos e a Zona Verde podem salvar a COP30
POR Rudá Ricci
A COP30 oficial vai caminhando para ser uma imensa perda de tempo. As ausências dos chefes de governo de China, EUA e Índia (apenas representadas por delegações), além da oposição nítida e sistemática da Arábia Saudita que evita consensos que podem levar o evento para além de declarações e cartas de intenções, já prenuncia um simulacro de acordo final. Evidentemente que o governo federal tentará criar narrativas para dizer que o que se vê não é bem assim.
Um exemplo foi a consulta aos países participantes a respeito dos 4 temas mais polêmicos da conferência e que estão fora da agenda oficial (poderá ingressar, é verdade, numa nova plenária a ser realizada no próximo sábado). Foram 8 horas de negociações em 3 dias que redundaram num impasse. A Índia foi um fator de discórdia. Este país faz parte do grupo Like-Minded Countries que reúne nações em desenvolvimento e defende que as nações ricas continuem com a maior parte da responsabilidade no combate à crise climática. Há resistência a medidas que resultem em pressões imediatas para diminuir o uso de combustíveis fósseis. Enfim, a queda de braço entre países em desenvolvimento e países superdesenvolvidos.
Os 4 pontos travados são:
• Artigo 9.1 do Acordo de Paris – trata da obrigação de países desenvolvidos proverem financiamento aos países em desenvolvimento. É o único artigo do acordo que ainda não tem regulamentação específica;
• Medidas unilaterais de comércio – restrições comerciais baseadas em critérios ambientais impostas por países ou blocos, como a Lei Antidesmatamento da União Europeia. Países do Sul Global argumentam que essas medidas têm efeito extraterritorial sobre suas economias;
• Resposta ao relatório de síntese das NDCs – o documento analisou apenas 64 metas climáticas nacionais, cobrindo 30% das emissões globais. Países do G20, responsáveis por 80% das emissões, não apresentaram suas NDCs (metas climáticas nacionais) a tempo;
• Síntese dos relatórios de transparência (BTRs) – acompanhamento do progresso climático dos países.
A diplomacia brasileira é conhecida por dar nó em pingo d´água. E não está sendo diferente na COP30. No caso, o nó é midiático. Sempre sorrindo, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, nada (não resisti ao trocadilho) em diversos estilos para evitar que a apreensão venha ao mundo externo.
Isto ocorre no lado oficial – a Zona Azul – do evento. Menos pomposo, do lado de lá do imenso corredor instalado no pavilhão onde ocorre o evento, está a Zona Verde, que eu acredito ser um fio de esperança para quem acredita que o mundo precisa mudar urgentemente.
A Zona Verde se vincula à Cúpula dos Povos e deve superar, a partir da quinta-feira, o total de 10 mil participantes do último evento mundial desta natureza. Em três edições a Cúpula dos Povos foi vetada pelas legislações dos países-sede das últimas conferências: Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão.
Somente ontem, chegaram 5 mil participantes deslocados em 200 barcos. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) promete 2,5 mil indígenas em Belém. Das periferias de São Paulo, uma delegação da Frente Periférica por Direitos desembarca hoje na capital do Pará.
A Cúpula dos Povos foi criada na Rio92, quando surgiram as COPs. Vou resumir a importância desta cúpula de Belém.
A Escola de Chicago desenvolveu uma tese sobre como evitar que o capitalismo entre em crise: é preciso ter vasos comunicantes entre o suplício popular e as instituições reguladoras. No Brasil, Hélio Jaguaribe escreveu sobre esta tese como desenho para a consolidação da democracia em nosso país.
Houve um tempo em que os sindicatos, a assistência social e as igrejas cumpriam este papel de vasos comunicantes. Robert Castel escreveu “As metamorfoses da questão social” onde decompõe a evolução das políticas assistenciais e a constituição da “sociedade salarial” moderna. Um livro sobre a evolução dos “vasos comunicantes”.
Contudo, no século 21, a extrema-direita vem se apresentando – e obtendo muito sucesso – como o vaso comunicante que atrai massas desvalidas e marginalizadas (de fato e de sentimento) para um discurso antissistêmico, colocando na parede todo sistema de equilíbrio social montado no pós-Guerra.
Na outra ponta, estamos presenciando a falência dos órgãos multilaterais que se transformaram em grandes encontros pomposos que demandam uma energia extraordinária cujos resultados são pífios ou equivalentes.
Ora, onde estaria o “turn over”? Na sociedade civil. Este é o fio de esperança em relação às Cúpulas dos Povos. Se ali ocorrer um esforço para articular as diversas representações e criar um germe organizativo nacional, teremos dado um salto qualitativo após a desmontagem das redes e articulações nacionais criadas no final do século passado.
Lembremos que a CUT nasceu de uma articulação desta natureza, a Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS). Lembremos que articulações desta natureza criaram o Fórum Social Mundial.
As redes e fóruns nacionais foram evaporando ao longo do século 21. Tentativas de retomadas foram feitas, como a articulação “Fora Bolsonaro”. Não prosperou. Faltou um mote unificador. O “Fora Bolsonaro” juntou inúmeras pautas numa frase que denunciava, mas não criava um polo de poder (o slogan “Fora Bolsonaro, Vacina no Braço e Comida no Prato” não passou daí).
Não conseguimos ter saldo organizativo com a rede de solidariedade montada durante a pandemia, cujo ator mais visível foi a Central Única de Favelas (CUFA).
A fragmentação está sendo a tônica deste século.
A crise está no campo progressista e popular. Está sendo engolido pelo extremismo, diretamente ou pela disseminação de seus valores, o punitivismo e o hiperindividualismo.
Mas, a Cúpula dos Povos que têm início nesta semana pode gerar este novo que falta. Para tanto, é preciso articular e criar um centro político de referência, qualquer que seja o desenho: uma direção representativa, um colegiado rotativo, uma secretaria executiva, um hub ou site de integração. Pouco importa.