
Tentem enxergar as Natuzas invisíveis
Por que a jornalista Natuza Nery, da GloboNews, ouviu ameaças de um policial civil ao fazer compras em supermercado de São Paulo? Por que agressões desse tipo e outras formas de violência vão se repetir, incluindo alertas e assédios judiciais que tentam amordaçar jornalistas?
Repetem-se porque agressores e assediadores se sentem impunes e sabem que até mesmo a maioria dos jornalistas não dirá nada de muito consequente sobre a agressão, incluindo colegas de Natuza. Não dirão por omissão, por medo e por covardia, o que é quase tudo a mesma coisa.
Os agressores sabem que, para muitos dos colegas de empresa e de profissão de Natuza, a opção preferencial é o velho me deixe fora disso. E teremos a publicação de notas de indignação quase protocolares, como esse texto aqui.
Natuza Nery será cercada e outros jornalistas serão assediados por fascistas, por todos os lados, porque eles ainda têm poder. E parte relevante da própria categoria dos jornalistas muitas vezes trata as agressões como questões pessoais. Principalmente quando envolvem famosos.
Não são questões pessoais e não têm apenas celebridades como vítimas. As agressões a jornalistas são uma questão política, no seu sentido mais amplo das liberdades e no contexto de um Estado em que estruturas das polícias são governos paralelos misturados ao crime organizado.
Para que se repita uma obviedade, as agressões não são só aos jornalistas, mas principalmente aos que dependem deles para se informar. O agressor quer calar quem leva adiante as informações que o incomodam.
Os colegas de Natuza devem ser menos seletivos e enxergar a agressão à comentarista como um ataque a todos os jornalistas que desafiam o fascismo. Que abordem bem mais do que o caso de Natuza.
Não tratem a agressão à colega como mais um caso isolado de violência contra jornalistas, que não pode ser confundido com a crítica à imprensa. Não enxerguem Natuza como uma vítima escolhida.
A grande vítima é o jornalismo que não se rende ao bolsonarismo, e esse jornalismo existe muito mais fora do que dentro da GloboNews.
Não repitam o que aconteceu na ditadura, quando as notícias do cerco aos jornalistas que os generais desejavam interditar contemplavam principalmente quem tinha visibilidade e trabalhava para grandes empresas ou grifes da resistência aos militares.
Todos os dias, em algum lugar, um jornalista sem fama nacional é assediado pelo poder político local aliado ao poder econômico, sem que a notícia saia na capa dos jornais. Muitos são mortos, sem que aconteça a reação provocada pelo ataque a Natuza.
Acolham e defendam Natuza, mas pensem também nas Natuzas quase invisíveis do jornalismo brasileiro, vistas na maioria das vezes apenas pelas populações das cidades que elas tentam informar.
Defendam os jornalistas, não só por motivações corporativas, mas pelo interesse geral de quem deles depende para saber que agressores fascistas continuam ativos e agindo com desenvoltura.
Até porque a violência policial é incentivada por seus governantes. E porque seus grandes líderes violentos ainda estão impunes.