Trump: muitas guerras pelo planeta e negligência com o ovo da serpente que choca no quintal

21 de setembro de 2025, 00:34

O fascista Donald Trump, com seu queixo erguido, e pose de xerife do planeta, com sua tara por humilhar líderes globais, financiar guerras e movimentar a indústria bélica, não importando as matanças e genocídios de minorias étnicas, mantém de certa forma uma tradição norte-americana. Só que existem algumas diferenças, agravadas por um mundo que ele não aceita ver multipolar: está metido nos piores cenários de destruição do planeta, afronta a soberania de países com democracia consolidada, como seu assédio moral contra o Brasil, e está descuidando do próprio quintal, onde a nova extrema-direita já gestou o ovo da serpente que conduz seu país, dia a dia, ao limiar de uma guerra civil. Se Trump tivesse ouvido Dwight D. Eisenhower, 34º presidente dos Estados Unidos, herói da Segunda Guerra Mundial – e não apresentador de um reality show onde era divertido demitir pessoas -, em seu discurso de despedida da Presidência, em 1961, ele aprenderia duas coisas: o crescimento desordenado do complexo militar-industrial dos EUA pode influenciar de forma indevida as decisões do governo; e o custo humano e material de manter o poder militar além do necessário tem consequências sobre o bem-estar interno.

Dwight Eisenhower, em seu discurso de despedida dos EUA, alertava há 64 anos: a prioridade para o complexo militar-industrial dos EUA pode influenciar os governantes e tem consequências sobre o bem-estar interno. Reprodução.

O circo de Trump foi do Alasca, numa reunião sem resultados com Vladimir Putin, até uma humilhação ao vivo, no Salão Oval, com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, chamando-o de ‘desrespeitoso’ com os EUA. O pretexto de “intermediar” o fim da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, e de supostamente solucionar – ainda que construindo um resort judeu em Gaza – o massacre de Israel contra os palestinos, hoje expulsos de seu território, esconde falsas tentativas de negociações de paz desde o início de seu segundo mandato. O senhor das guerras sonha em enganar o mundo como o “pacificador” e, quem sabe, receber o Prêmio Nobel da Paz. Mas é o melhor que temos de projeto de anticristo hoje, com seu poderio militar, suas bombas nucleares, navios de guerra, contratorpedeiros, cruzadores, caças “invisíveis”, submarinos de ataque, mísseis hipersônicos e drones. EUA, como Rússia e China, gastam fortunas desenvolvendo superarmas que ‘reduzem alvos a pó’ – com os dois últimos ganhando terreno, enquanto os EUA reforçam seu apoio a Israel e o terrorismo inspirado no jihadismo. Nenhum negócio no mundo, nenhum tipo de tráfico, é mais lucrativo que as guerras. O complexo militar dos EUA absorve, segundo fontes independentes, US$ 1 trilhão anuais — enquanto a dívida pública ultrapassa US$ 37 trilhões e serviços básicos, como saúde e educação, ficam à míngua. O colapso estrutural começou ainda no Vietnã e se agravou com a concentração de poder em poucas empresas de defesa.

Um correspondente de guerra americano brinca de patrulha com o exército sul-vietnamita, em 1962. Pouco depois, depois de jogar muito napalm em populações civis, a retirada das tropas norte-americanas, com o rabo entre as pernas: a derrota, há 50 anos, marcaria os EUA para sempre. Foto: David Chapelle.

Fazem parte das “big five” da indústria bélica dos EUA a Lockheed Martin, a RTX Corporation (antiga Raytheon Technologies), a General Dynamics, a Boeing e a Northrop Grumman. Todas são notórias lobistas em todos os escalões do poder – Capitólio, Pentágono, Casa Branca – e financiam campanhas de políticos com afinidade com a causa. A Boeing doou US$ 1 milhão para o comitê inaugural de Trump. A Lockheed é listada como um dos grandes doadores para a campanha de Trump – os “Trump’s main donors”.

O governo de Donald Trump está hoje ligado, de forma direta ou indireta, a pelo menos seis grandes frentes de conflito ou alto risco de escalada no planeta: Gaza (Israel-Hamas), Ucrânia (Rússia), Venezuela, Irã, Iêmen (Houthis) e Síria. Cada uma tem um grau distinto de envolvimento — diplomático, militar, logístico ou via sanções — e todas trazem riscos de contágio regional e político para Washington. Sem ignorar a diplomacia de chantagem, misturando interesses comerciais à proteção de aliados políticos na direita, como faz com o Brasil do presidente Lula, que viverá um possível embate público, esse no plano dos discursos, durante a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), no período de 22 a 24 de setembro. Trump, que se vende como defensor intransigente da liberdade de expressão, capuz para exterminar quem não se submete a suas regras, pode ser desmascarado como um censor feroz e hipócrita a serviço de sua indústria miitar. Veremos o apetite de Lula e o quanto vai esticar a corda. Como de praxe, o Brasil será o primeiro a discursar. Se fizer um discurso tíbio, poderá ser jantado depois por Trump.

Com bombardeios e ataques terrestres com tanques quase diários em Gaza, e a expulsão dos palestinos que sobreviveram, o governo de Tel Aviv diz estar “desmantelando” o Hamas, mas faz, com o apoio dos EUA, uma limpeza étnica e a destruição de seu território. Netanyahu e Trump unidos pela “eliminação completa”. Foto: AP

Concentrado em guerras, ignorando o próprio empresariado local para retaliar países com tarifaços, gerando desemprego e recessão, e com a crescente drenagem de recursos de áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura, Trump está criando um paradoxo perigoso: a maior potência militar do mundo convive com bolsões de miséria, cidades em ruínas e cidadãos sem cobertura médica adequada, gerando o risco de uma grande instabilidade interna. Há sinais claros – e quem passou recentemente pelos Estados Unidos testemunhou isso – de aumento da pobreza em alguns estados, com políticas de suporte social, como créditos fiscais para crianças, por exemplo, reduzidos. O acesso à saúde e cobertura médica continua sendo um problema sério para enormes parcelas da população, especialmente em comunidades pobres, rurais ou minoritárias. Relatórios apontam que há um gap enorme de investimento em infraestrutura nos EUA — pontes, estradas, transportes públicos, rede elétrica, água e saneamento. A “Report Card” da American Society of Civil Engineers (ASCE) alerta que grandes quantias ainda são necessárias para colocar a infraestrutura em bom estado. Em parte, cortes ou atrasos em programas federais também têm afetado parques nacionais, serviços ambientais, obras de manutenção essencial.

A miséria cresce nos EUA – está nas ruas para quem quiser ver. O governo Trump encerrou o relatório anual do governo federal sobre a fome nos Estados Unidos, afirmando que ele se tornou “excessivamente politizado” e “repleto de imprecisões”. Dois meses antes, Trump assinou lei que reduz abruptamente o auxílio alimentar aos pobres. Foto: Getty Images.

Isso se agrava com uma crescente polarização política, como ilustrou bem o assassinato do ativista trumpista Charlie Kirk, fundador da entidade Turning Point USA, com a ideia de organizar estudantes conservadores em faculdades – foi morto num campus. Seguindo a cartilha fascista – que mobiliza e engana a tanta gente, em tantos paises – Kirk misturava política com um fanatismo religioso, descredibilizava o sistema eleitoral e o Judiciário, fazia críticas ferozes à “agenda progressista” em questões de gênero e sexualidade, era opositor do aborto, e defendia abertamente o porte de armas para todos – em um dos país onde ocorrem mais massacres civis, inclusive em universidades e escolas primárias e de ensino médio. Virginia Tech – 32 mortos -, Columbine – 12 mortos -, Sandy Hook, Oikos University, Robb Elementary, Marjory Stoneman Douglas, Westside Middle School…

Kirk, o fascista, dizia, acreditem, que algumas mortes anuais por armas seriam um “custo aceitável” para preservar esse direito. Ele também se envolveu em discursos polêmicos que denfendem a islamofobia, a crença na “great replacement theory” (“teoria da substituição populacional”) e posicionamentos muito críticos ao movimento Black Lives Matter.

Em debate recente, Charlie Kirk brincou com hino usado por nazistas da Alemanha. ‘Alemanha acima de tudo’, disse o influenciador em conversa com interlocutor alemão, que ficou constrangido. Aliado de Trump, assassinado, ecoava ideias ultraconservadoras do republicano e de aliados alemães. Foto: Phill Magakoe/AFP

Kirk comendo capim pela raiz, segue a nova geração de influenciadores de extrema-direita, como Nick Fuente e Jaden McNeil, ligados ao movimento “Groypers”, propagadores de ideologias nacionalistas brancas, Jack Posobiec, ligado a redes de desinformação, e Paul Ray Ramsey – conhecido como RamZPaul -, outro nacionalista branco. Não vamos nem falar dos influenciadores pré-históricos, como Steve Bannon, estrategista do trumpismo, que defende o fechamento de fronteiras e a guerra cultural contra as elites liberais, e Stephen Miller, ex-assessor sênior de Trump e arquiteto de sua política de imigração.

Com essa cara de palerma, Paul Ray Ramsey, nacionalista branco de Tulsa, Oklahoma, publica, desde 2009, centenas de vídeos de ódio aos liberais, críticas às feministas e apoio ao separatismo racial em seu canal pessoal no YouTube. Redes sociais.

Há uma forte vigilância de quem ousa contextualizar a morte de Kirk. O mais recente episódio de censura nos Estados Unidos é o da suspensão, por tempo indeterminado, do talk show de Jimmy Kimmel, do programa “Jimmy Kimmel Live!”, na rede televisiva ABC – um dos mais populares do país. Em um monólogo no último dia 15, Kimmel sugeriu que o acusado, Tyler Robinson, seria um republicano pró-Trump. “A turma do MAGA (Make America Great Again) está desesperada para caracterizar esse garoto que matou Charlie Kirk como qualquer coisa que não seja um deles e fazendo de tudo para tirar proveito político disso”, disse. Está fora do ar. O caso vem ganhando forte repercussão nos Estados Unidos, levando a uma discussão sobre censura e liberdade de expressão na era Trump.

O programa “Jimmy Kimmel Live!” foi suspenso “por tempo indeterminado” pela emissora ABC, que pertence à Disney. A medida se dá depois da repercussão de comentários feitos pelo apresentador Jimmy Kimmel sobre o ativista Charlie Kirk, assassinado. Divulgação.

Especialistas não enxergam cenário para uma guerra civil, mas se preocupam com a crescente radicalização e com casos de militância armada e grupos extremistas. A ponto de crescerem grupos separatistas, como o Texas Nationalist Movement, que defende a independência do Texas, e coisas asquerosas como o Northwest Territorial Imperative – já espalhado em estados como Oregon, Idaho, Montana e Wyoming -, criado por Robert E. Mils, Harold Covington e Richard Butler, fundadores do Aryan Nations. Que defende o “white separatism”, ou seja, que estados majoritariamente brancos expulsem as minorias raciais. Isso já levou a uma guerra civil. Essas ações, mesmo que isoladas, podem ser escaladas. O povo não acordou para o tamanho do problema. Trump, se já percebeu, faz vista grossa. De repente, isso está em seus planos na Gilead século 21.

  • Montagem exibe Donald Trump e os gastos trilionários com seu complexo militar: a luta para seguirem como xerifes do mundo tem hoje a concorrência de Rússia e China e subestima uma situação interna cada vez mais radicalizada e precária para os pobres de seu país.

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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