Um tiquinho de esperança

26 de outubro de 2025, 11:29

Nunca imaginei que a Justiça Militar pedisse perdão.

Sou descendente de italianos. Portanto, sou emotivo. Quando assisti a fala da Presidente do Supremo Tribunal Militar, desabei. Diante de um público atento, presente no ato religioso na Catedral da Sé que marcava os 50 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas dependências do DOI-CODI , a ministra Maria Elizabeth Rocha pediu perdão à família Herzog, à família de Rubens Paiva, à Miriam Leitão, Genoino, Zé Dirceu e outros pelos “equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal”.

A vida vai deixando a gente calejado e vamos reduzindo as expectativas sobre o que deveria ser o mundo. O óbvio sempre precisa de tantas justificativas e convencimentos que o cansaço nos abate. Acabamos nos concentrando no fundamental. Aprendemos a canalizar nossa energia cidadã no que é urgente.

Aí, uma ministra sobe ao púlpito e o óbvio nos atinge em cheio. O Brasil parece, por alguns momentos, se alinhar com vários astros do Universo e tudo parece ter sentido novamente, como quando eu enfrentava a ditadura militar, me espelhando em muitos que ouviram o perdão no ato que aconteceu na Sé.

Imagino que nem todos brasileiros entendam o que nos movia contra a ditadura. Não era a ambição financeira ou a projeção dos nossos nomes em outdoors. Era pelo país, mas era mais que isso. Era uma crença, uma força de convicção que nosso país não poderia ser um retrato da vontade de gente sádica. Lutávamos pelo óbvio. Para que torturar? Para que jogar os corpos de adversários em valas comuns?

Até hoje, estranho ouvir os telejornais falarem em terrorismo pelo mundo afora e nunca terem dado uma linha sobre o terrorismo militar brasileiro que o bolsonarismo pregou que voltasse a se impor sobre nosso país.

Eu assisti a fala da ministra do STM e não me contive ao ver ex-perseguidos com rostos iluminados pelas lágrimas ou com semblante que revelava total surpresa com o que ouviam.

Minha esposa é historiadora e sempre repreende quando eu digo que tal momento é histórico. Ela diz que todo momento humano é histórico. É verdade. Mas, há momentos em que o presente dá um sentido especial ao passado, trazendo emoções e lembranças que acabam projetando esperanças que foram perdendo o viço pelas concessões e dificuldades que a vida nos impõe.

A fala da ministra foi um desses momentos históricos. Alinhou tudo. Incluindo os militares que serão presos logo mais. E, como se diz em Minas Gerais, deu um “tiquinho” de esperança.

  • Imagem gerada em IA

Escrito por:

Rudá Ricci, sociólogo, mestre em ciência política e doutor em ciências sociais. Ex-consultor da ONU e presidente do Instituto Cultiva. Autor, dentre outros livros, de "Desafios do Educador" (Editora Letramento) e "Fascismo Brasileiro" (Editora Kotter)

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