Levamos drible até de Casemiro

9 de junho de 2021, 16:46

O ambiente do futebol brasileiro pode não ter chegado ao ponto de ser de maioria bolsonarista. Ainda não. Mas é de uma maioria alheia à realidade do país.

Ninguém pode cobrar engajamento às grandes questões nacionais de profissionais de uma área que apenas durante a ditadura (e com raras exceções) explicitou posições não alinhadas com a direita.

Chega a ser cansativo ver as pessoas repetindo que o bom mesmo foi a época de João Saldanha e mais tarde de Sócrates, Afonsinho, Reinaldo (o do Atlético, pouco lembrado), Casagrande, Vladimir.

É difícil citar muita gente. A alienação é a marca do futebol entre dirigentes, técnicos, jogadores, narradores, comentaristas. Os fora da caixa são meia dúzia de abnegados à democracia.

É bom incluir nessa lista o sociólogo Adilson Monteiro Alves, diretor de futebol do Corinthians no início dos anos 80. Adilson era inspirador e aliado dos jogadores.

Hoje, o que o futebol brasileiro tem é um grupo de militantes bolsonaristas explícitos, às vezes dissimulados, outras vezes furiosos e ostensivos, incluindo de novo comentaristas e narradores gaúchos. A crônica esportiva gaúcha é reacionária como não foi na ditadura.

Tudo coerente com a realidade. O jogador brasileiro, que atua aqui ou na Europa, parece jogar em Marte. A Seleção, grife do bolsonarismo como identidade verde-amarela, foi sequestrada há muito tempo pela direita e depois pela extrema direita.

A camiseta está em poder do fascismo dos bacanas de classe média há muito tempo. Por isso é surpreendente que a Seleção, com jogadores alheios à realidade brasileira, tenha ameaçado um boicote não à Copa América, mas ao próprio Bolsonaro, o genocida que insistiu no Brasil como sede de um torneio que não vale uma caixa de cloroquina.

Por caminhos tortos e atalhos imprevisíveis, que envolvem interesses diversos, e não só a desculpa da pandemia, a Seleção ensaiou uma conspiração contra os interesses políticos do sujeito que é ídolo de muitos jogadores.

Seria bem feito para os dois lados, que se merecem, apesar de Tite ser uma exceção como sobrevivente em meio a calhordas, pilantras, alienados, assediadores e corruptos.

Mas foi apenas um drible. Quando Casemiro anunciou, depois do jogo contra o Equador, na sexta-feira, que a decisão estava tomada e era decisão de grupo, todos esperavam que a Seleção finalmente desafiasse o poder de Bolsonaro.

Mas não foi desta vez. Levamos um drible de Casemiro, um volante talentoso, dedicado ao jogo coletivo, mas que nunca driblou ninguém campo.

Prevaleceram o interesse econômico e o acovardamento. Bravura, nos esportes, não é para os fracos. Os jogadores são tão subservientes quanto os militares.

Abaixo, a íntegra do manifesto que não manifesta nada:

“Quando nasce um brasileiro nasce um torcedor. E para os mais de 200 milhões de torcedores escrevemos essa carta para expor nossa opinião quanto à realização da Copa América.

Somos um grupo coeso, porém com ideias distintas. Por diversas razões, sejam elas humanitárias ou de cunho profissional, estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela Conmebol, fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil.

Todos os fatos recentes nos levam a acreditar em um processo inadequado em sua realização.

É importante frisar que em nenhum momento quisemos tornar essa discussão política. Somos conscientes da importância da nossa posição, acompanhamos o que é veiculado pela mídia e estamos presentes nas redes sociais. Nos manifestamos, também, para evitar que mais notícias falsas envolvendo nossos nomes circulem à revelia dos fatos verdadeiros.

Por fim, lembramos que somos trabalhadores, profissionais do futebol. Temos uma missão a cumprir com a história camisa verde amarela pentacampeã do mundo. Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à seleção brasileira.”

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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