Membros da FEB na Itália durante a II Guerra Mundial

O Brasil vai à guerra – Capítulo 1

6 de maio de 2025, 11:22

A Justiça Militar da União lança na próxima quinta-feira, (08/05) – data de comemoração dos 80 anos do fim da Guerra -, na sede do Supremo Tribunal Militar, o livro: “O Brasil na II Guerra Mundial – Um olhar histórico documental”, organizado pela diretora do Arquivo Histórico do STM, Maria Juvani Lima Borges. O intuito é o de atrair a atenção de pesquisadores para a mais completa coleção de documentos sobre a participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na campanha da Itália, pelo lado aliado. O lançamento contará com a presença da presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha, que fará também a abertura de uma exposição dos principais documentos relativos à FEB. O 247 teve acesso, com exclusividade, a todos os relatórios produzidos na guerra, onde se constata que dos 25.334 pracinhas embarcados, 443, de acordo com o relatório de Mascarenhas de Moraes, não voltaram com vida.

Estarão lá o boletim onde está registrado o feito do 1º tenente Apolo Miguel Resk, único soldado brasileiro a ser condecorado pelo comando estadunidense com as medalhas: Silver Star, em 1944 e Distinguished Service Cross (Cruz de Serviços Notáveis), a segunda maior condecoração dos EUA.

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Mas também serão exibidas as condenações à pena máxima (fuzilamento), dos soldados Adão Damaceno Paz e Luiz Bernardo Morais, ambos do Pelotão da 1ª Zona de Defesa do QG da 1ª Divisão de Infantaria do Exército, em 25 de janeiro de 1945. Já no final da peleja. Ambos cometeram crime de estupro e morte. Após idas e vindas, a pena foi comutada e ambos cumpriram apenas seis anos de reclusão, perdoados que foram, por Getúlio Vargas. (O Brasil tem tradição de reduzir punições…)

Esta será a primeira vez que a documentação virá a público, contando detalhadamente a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. São tantas as informações que custa a crer que numa época analógica, em que tudo era anotado na ponta do lápis, o comandante da FEB, João Batista Mascarenhas de Moraes e sua reduzida equipe, composta por: capitão Edson de Figueiredo, majores Wallenstein Teixeira de Mendonça e Hélio Barbosa Brandão; capitão Celso de Azevedo Daltro Santos e Carlos de Meira Mattos e o desenhista e o 2º tenente R/2 Américo Silva – todos integrantes da Força Expedicionária Brasileira -, tenham feito trabalho de tal monta, em situação tão precária.

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Estão reunidos nos relatórios: mapas dos locais, quadros de embarque, desembarque, número exato de mortos, desaparecidos, “extraviados”, (são os que os comandos sabem que morreram e onde morreram, mas não foi possível resgatar os seus corpos), número de feridos, mutilados, lista de enfermeiras, médicos, detalhamento dos materiais gastos, da ração, gastos com munições e descrição dos deslocamentos. Tudo absolutamente anotado, com uma competência, capricho e tal disciplina, que nos leva a perguntar: o que mudou tanto na formação dos atuais integrantes das Forças Armadas?

As descrições pormenorizadas foram calcadas, segundo Mascarenhas de Moraes, na apresentação dos seus relatórios, nos que eram produzidos diariamente pelos diferentes órgãos subordinados. Trabalho irretocável.

Dentro das comemorações dos 80 anos da participação brasileira na Itália, o Departamento de Educação e Cultura do Exército (Decex), juntamente com o Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEX) refizeram em 30 cidades, o roteiro da FEB, de 20 a 27 de abril, com explanações históricas públicas e uma ambientação na embaixada brasileira em Roma. Todos os pontos onde os brasileiros estiveram foram percorridos, nesse período, começando por Montte Vitalba – onde os soldados foram treinados antes da partida para o campo de batalha -, até Alessandria, palco em que protagonizaram o seu maior feito, ao conseguir a rendição de uma tropa alemã.

E como o Brasil foi parar lá, ao lado dos aliados? As versões são tão nebulosas quanto as brumas enfrentadas pelos contingentes brasileiros nos mares e lagos gelados da Itália. A que prevalece, no entanto, é a que há 80 anos nos é contada e está reproduzida no livro de Francisco César Ferraz, “Os Brasileiros e a Segunda Guerra Mundial”, (Zahar).

No início da noite de 15 de agosto de 1942, o vapor Baependi sulcava vagarosamente a costa do estado de Sergipe. Seus tripulantes e passageiros não podiam imaginaram que entrariam para a história, da pior forma possível: como vítimas indefesas de uma guerra que até então parecia distante. A poucas centenas de metros dali, o comandante do submarino alemão U-507, o capitão de corveta Haarro Schacht, ordenara o torpedeamento da embarcação mercante brasileira. Minutos depois, duas fortes explosões e o Baependi era posto a pique. Das 306 pessoas a bordo, morreram 215 passageiros e 55 tripulantes. Era uma ação de guerra, da maior guerra que a humanidade conheceria, e que envolveria, de uma maneira ou de outra, homens, mulheres e crianças dos cinco continentes.

Nos dias que se seguiram houve outros ataques a navios em águas brasileiras. Nas principais cidades do país, grupos de manifestantes exigiam como resposta a declaração de guerra ao Eixo, formado por uma aliança político-militar formada por Alemanha, Itália e Japão. Em 22 de agosto de 1942 o presidente Getúlio Vargas, após reunião com o seu ministério, declarou estado de beligerância contra o Eixo. O Brasil entrava na guerra.

Teorias da conspiração apontam para um ataque dos próprios aliados, para forçar a adesão brasileira. Porém, nada disso restou provado.

(Abaixo, a convocação pelo então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, do comandante da FEB, Mascarenhas de Moraes, para assumir os trabalhos de organização e partida da tropa, emitida no aviso-Res. Nº 471-398, de sete de outubro de 1943).

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Durante todos esses anos em que soubemos da história – não por fonte primária, como agora -, mas por livros de historiadores e pesquisadores, uma das críticas mais contundentes é quanto à deficiência do uniforme dos pracinhas, sempre apontados como inadequados para o inverno europeu. Agora, pelo relatório de Mascarenhas de Moraes se sabe, que não só a firmação é verdadeira (eles eram constituídos de “tecidos inferiores” ao apontado pelo Exército, como necessário, mas também inadequados aos tamanhos dos soldados. Não por acaso foram vistos, lá fora, como malvestidos). Eram constituídos basicamente de brim, quando o solicitado foi que deveriam ser de lã.

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Sobre isto, o comandante Mascarenhas de Moraes escreveu observações no volume 1 do seu relatório, ressalvando a urgência com que foram confeccionados. Também os calçados eram insuficientes. Enquanto o inimigo usava botas até os joelhos, nos nossos soldados calçavam borzeguins de couro preto (uma espécie de botinas). Cada um teve direito a um par de luvas e um de meias de lã e outro de algodão.

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Os soldados brasileiros enfrentaram muitas dificuldades, desde a adaptação ao armamento estadunidense, desconhecidos deles, que os receberam na chegada à Itália, até os suprimentos, que consistiam dos enlatados estadunidenses, distantes da nossa realidade. Já com a guerra em andamento, navios foram enviados para buscar os alimentos a que a tropa estava acostumada: arroz, feijão, farinha e outros.

A providência se fez necessária dado a dificuldade de os brasileiros ingerirem a gororoba dos EUA. Isso os tornava sem apetite e sem forças para a luta. Como a alimentação nacional era pouca, ficava reservada aos escalados para a batalha da semana. Alguns dias antes eles começavam a ingerir o conhecido arroz com feijão e se tornavam mais dispostos.

Por outro lado, logo que chegaram e foram apresentados aos cigarros dos EUA, não queriam outra vida, pois eram de muito melhor qualidade que os nossos. A providência do comando foi decidir que eles fumariam os cigarros nacionais e ponto. Claro que a tropa não gostou, mas tiveram que se contentar. Era o cigarro vindo do Brasil ou nada. (No capítulo II, nem tudo foi heroísmo: o processo que indicaria o fuzilamento contra dois pracinhas que estupraram uma adolescente de 15 anos e mataram o seu tio, que tentou defendê-la).

Fotos:  Arquivos secretos STM / Acervo Arquivo Nacional

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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