O oráculo de Trump: como ele toma decisões e constrói sua imagem amparado em algorítmos e submisso aos interesses das big techs

23 de julho de 2025, 17:33

Estamos acostumados a ver Donald Trump retratado como um mestre da comunicação intuitiva, um político que opera no “feeling” e na espontaneidade. Mas a verdade é bem mais complexa – e tenebrosa – como o nome inspirador da embarcação que trouxe a matriarca que viria a fundar o clã Trump, da Escócia para os Estados Unidos, no caso sua mãe, Mary Anne MacLeod – depois Mary Anne Trump, na segunda classe do navio Transilvania.

Mary Anne Trump em 1999, pouco antes de falecer, com os filhos Elizabeth e Donald, acompanhado da namorada do jovem, Melania Knauss. Álbum de família.

Por trás da aparente improvisação – que talvez tenha enterrado seu primeiro mandato -, há agora um sofisticado e secreto sistema de inteligência artificial e análise de dados que não apenas o ajuda a construir sua imagem, mas também a tomar decisões estratégicas em tempo real, ditando o tom e o conteúdo de suas mensagens e ações. Não se trata apenas de “engajamento em redes sociais”, mas de lógica algorítmica – que invade a vida de todos os cidadãos hoje, conhecendo de seus hábitos de consumo a preferências ideológicas – e sussurra estratégias e direcionamentos, transformando o “instinto” político em ciência de dados de ponta. Com o apoio dos cabeças das big techs – que podem estar ligadas, inclusive, à investigação comercial aberta pelos EUA, que tem como alvo os esforços brasileiros de regular as plataformas de redes sociais -, Trump faz o que quer, inclusive chantagear um país e defender um ex-presidente inelegível, que, como ele, tentou dar um golpe de Estado.

A lua-de-mel dos anos Bolsonaro, 2019. O capacho perfeito para Trump esfregar os pés. Na foto, visita à Casa Branca, os dois trocam presentes esportivos.Agência Brasil.

Usando as melhores ferramentas do Vale do Silício – região localizada na Califórnia, ao sul da Baía de São Francisco, reconhecida mundialmente como o maior polo de tecnologia e inovação do planeta -, dizem especialistas, Trump tem diagnósticos constantes do sentimento do público, antecipa reações, otimiza sua narrativa e define decisões políticas cruciais.

Protecionismo: antes de reeleito, já se sabia que o segundo governo de Trump fecharia mais as fronteiras americanas a produtos e pessoas. Mas ninguém esperava que fosse tão longe. Foto: Forbes/Getty Images.

Obviamente, não é só isso. Assim como Trump não é só a grana herdada do pai com sua The Trump Organization, a partir do final dos ano ’60. Ou o sucesso como produtor e apresentador do reality show “O Aprendiz”, transmitido pela NBC de 2004 a 2017 – , que o fez entrar, pela TV, na era pré-internet, que viria dez anos depois, nos lares dos norte-americanos: “You’re fired!”, berrava, mostrando quem mandava.

Outdoor do programa “O Aprendiz”, que catapultou o empresário novaioquino, perdulário e mulherengo, ao estrelato midiático. Reprodução.

Ou, lado ocultado por Trump de sua biografia, o empresário que faliu uma penca de negócios, da Trump Taj Mahal e o Trump Castle Hotel & Casino, ambos em Atlantic City, até o Trump Plaza Hotel, em Manhattan. para citar só alguns exemplos.

Trump com as máquinas caça-níqueis do cassino Taj Mahal em Atlantic City, um dos seus muitos negócios falidos. Foto: Getty Images.

Trump, para alguns a besta do apocalipse, ou o anticristo – há teses bem convincentes, nesse sentido, mas isso é outra história -, sustenta essa fachada mística, quando o que conta é o presidente que, ainda em sua campanha à reeleição, cooptou os donos do Vale do Silício – com a defecção recente de Elon Musk, que, de assessor para assuntos aleatórios, rompeu e agora quer criar seu próprio partido, o que pode ser perfeitamente um blefe.

O fato é que a maioria dos bilionários e líderes de tecnologia nos EUA, com a ideologia de um tubo de vaselina – até passado recente, apoiavam os Democratas -, migraram em massa, como uma revoada de gralhas, para Trump. Os chamados “Tech bros”, elitistas e reacionários, alguns monarquistas, desejam ter maior voz nas decisões políticas e econômicas do país e, mais do que isso, implantar uma plutocracia ancorada nos interesses do Vale do SIlício. Em sua posse – e a imagem resume tudo – Trump tinha presentes os fundadores e diretores executivos da Meta, Amazon, Apple e Google, entre outros, que estavam todos sentados servilmente atrás do novo presidente.

Posse de Trump reúne o Vale do Silício: da esquerda para direita: CEO da Meta Mark Zuckerberg; Lauren Sanchez; Jeff Bezos, fundador da Amazon; Sundar Pichai, CEO da Alphabet e Elon Musk. Foto: Julia Demaree Nikhinson/AFP

Keith Rabois, cofundador do PayPal e do LinkedIn, que uma vez chamou Trump de “sociopata”, garantiu US$ 1 milhão para a campanha republicana. São trumpistas Marc Andreessen e Ben Horowitz, sócios da firma de capital de risco Andreessen Horowitz, Shaun Maguire, sócio da Sequoia Capital, Palmer Luckey, fundador da empresa de tecnologia de defesa Anduril, Jensen Huang, CEO da Nvidia, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Sundar Pichai, magnatas das redes sociais, e Marc Andreessen, cofundador da Netscape, e Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn. Trump, que já pensou diferente, alinhou-se aos interesses de líderes tecnológicos, de apoio à inovação em startups, criptomoedas e IA versus a regulação – seja nos EUA, no Brasil, ou em qualquer parte.

Mudança política no Vale do Silício. Mark Zuckeberg agora é um trumpista de carteirinha,. Foto: The White House/Wikimedia Commons
Elon Musk e Donald Trump: antigos aliados agora brigam em público nas redes. Foto: Anna Moneymaker/Kevin Lamarque/Reuters

Mas não é só no andar de cima. Especialistas explicam que a força tarefa de Trump, para alcançar o eleitor, inclui, junto com o apoio do baronato do Vale do Silício, grandes empresas de consultoria de dados, recorre a pequenas startups de IA altamente especializadas ou consultorias “boutique”. Essas empresas seriam escolhidas por sua expertise em análise preditiva de comportamento, processamento de linguagem natural avançado – para escanear e interpretar sentimentos em vastas quantidades de dados textuais e de áudio -, e até modelagem de redes sociais obscuras, plataformas menos conhecidas, fóruns e grupos de mensagens onde discussões não filtradas sobre política e candidatos ocorrem, capturando sinais precoces de tendências ou insatisfações.

Trump após baleado de raspão em comício de campanha na Pensilvânia em julho de 2024, o que praticamente o elegeu. Alguém lembra da “facada” sofrida por Bolsonaro que o levou à Presidência? Foto: AP.

Essas empresas seriam contratadas de forma pontual e com contratos de confidencialidade rigorosos, ou até mesmo operariam sob nomes genéricos para mascarar a natureza de seu trabalho. Para manter a estrutura fora do radar, o financiamento e as operações precisariam ser não-ortodoxos, como doações de “Soft Money” e Fundos Não Rastreados, infraestrutura descentralizada, análise “In-House” oculta, e foco na nas chamadas “Micro-Segmentação Extrema” e Reação em Tempo Real”.

A existência de uma estrutura como essa explica a capacidade de Trump de se manter constantemente à frente da curva narrativa, de desorientar adversários, de mobilizar sua base e manter-se como o dono do pedaço, não interesse que países ou blocos econõmicos ele afete. Ele só esquece que muita coisa no seu passado o condena – e, até por causa das redes, acabou a borracha.

Trump, ao lado do parça, o milionário Jeffrey Epstein, com quem teria frequentado festas com modelos da Victoria’s Secret, políticos, executivos e cientistas renomados. Trump é réu em acusações de má conduta sexual, Epstein é acusado de envolvimento em um esquema de tráfico sexual de menores. Foto: Davidoff Studios/Getty Images

Trump até hoje, no melhor estilo Matrix, tenta desviar de balas que tentam crivar sua fama de mulherengo, irrefutável, à participação em festas privê ilegais, as “freak-offs” – regadas a sexo e drogas, em locais de luxo -, promovidas pelo então best friend Jeffrey Epstein,  nos anos 1990 e início dos anos 2000 – uma espécie de precurssor do rapper Sean ‘Diddy’ Combs. Seu passado com o financista bilionário, preso mais de uma vez, é um dos maiores subterrâneos da biografia de Trump. Em reportagem publicada nessta quarta-feira, 23, o Wall Street Journal revelou que Trump foi, inclusive, informado pelo Departamento de Justiça de que seu nome aparece diversas vezes nos arquivos relacionados a Epstein, que mantinha sua rede de prostituição e pedofilia nos EUA, voltadas para lideranças políticas e empresariais. A informação foi repassada ao presidente em maio deste ano, durante uma reunião na Casa Branca, pela procuradora-geral Pam Bondi e seu vice. O Departamento de Justiça também foi avisado de que outras figuras de alto escalão da política, dos negócios e do entretenimento constam nos registros.

Durma-se – e taxe-se outros países – com um barulho desses.

Aliás, assista o filme “Clique duas vezes”, no Amazon Prime – trailer dublado aqui.

Imagem de capa gerada em IA. Demais fotos creditadas.

Escrito por:

Jornalista há 40 anos, repórter e editor de grandes veículos - O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Istoé - assessor de imprensa e ex-diretor de agências de comunicação corporativa. Trabalhou no Senado e na Prefeitura do Rio. Já colaborou em diversos sites. Ex-professor de Jornalismo da PUC-RJ.Premiado, entre outros, com Prêmio Esso, Embratel e Herzog.

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