A verdadeira lista negra

4 de dezembro de 2020, 09:49

Colunista Eric Nepomuceno critica Sérgio Camargo pela exclusão de alguns nomes da lista de Personalidades Negras da Fundação Palmares. “Espero, do mais fundo da minha cansada alma, que nunca jamais este país dilacerado e violado torne a tropeçar como uma figura vergonhosa e desprezível em toda e qualquer dimensão como Sérgio Camargo”, diz.

Sim, sim, sei que isso de “lista negra”, bem como falar em “denegrir”, é uma expressão de evidente fundo racista.

Mas, neste caso específico, mantenho a expressão porque, mais do que racismo, se trata de uma estranha aberração. 

Não, não estou me referindo à lista que custou aos cofres públicos dois milhões e 700 mil reais e divide os listados entre detratores, neutros e simpáticos ao governo de Jair Messias e, especialmente, ao seu patético e bizarro ministro de Economia, Paulo Guedes.

Dinheiro, aliás, jogado fora. A lista é absolutamente falha. 

Dou dois exemplos. 

Entre os “detratores” não aparece nem meu nome, nem o de Fernando Morais. Ora, e especialmente fora do Brasil, o que é considerado crime gravíssimo, não tenho feito outra coisa além de denunciar as aberrações do aprendiz de genocida.

A outra injustiça imperdoável, e me mantenho na minha geração: entre os “favoráveis” não aparecem os nomes de dois dos mais absurdos bajuladores de Jair Messias. E que devem, aliás, estar padecendo de uma sensação de abandono ainda maior que a minha. 

Estou me referindo a Augusto Nunes e Alexandre Garcia. 

Como é possível entender que uma mediocridade olímpica, com quem só não tenho divergência maior porque não entendo patavina do que ele diz – estou me referindo a um tal Fiuza – esteja na lista, e os outros dois não?

Mas, enfim, não é a esta listra pífia, injusta e inglória a que me refiro. 

É a outra, a elaborada por um fulano chamado Sérgio Camargo.

Essa estranha figura preside a Fundação Palmares, cuja missão e função é justamente estudar e difundir a imensa, amplíssima e profunda contribuição dos negros para a formação cultural brasileira.

Ele não é, nem de longe, o mais perigoso integrante do governo absurdo de Jair Messias.

Basta pensar em Paulo Guedes, Ricardo Salles, Ernesto Araújo, enfim, em todos que têm poder real para contribuir na missão máxima e primordial de Jair Messias, que é a de destroçar o país. 

Mas dificilmente alguém merecerá o título de figura irremediavelmente abjeta, de aberração em estado puro, que Sérgio Camargo, de quem ninguém jamais tinha ouvido falar e cujo destino será o retorno irremediável ao bueiro do anonimato.

Semelhante desperdício humano estreou assegurando que a escravidão foi benéfica para os descendentes de escravos, esquecendo que por décadas e décadas milhares de descendentes tiveram como destino ser escravos. 

Depois, assegurou que não existe racismo no Brasil, o que configura uma das mais excelsas expressões de racismo.

Pois agora o mesmo Sérgio Camargo resolveu fazer um expurgo na lista de Personalidades Negras Notáveis. 

E revelou uma pontaria esclarecedora da verdadeira dimensão, ou melhor dizendo, da verdadeira ausência não só de qualquer vestígio de noção, como de caráter.

Venho, pois, prestar minha solidariedade pessoal aos excluídos. Conheço alguns e algumas, sei das histórias dos outros. 

E mesmo não tendo nenhum deles entre minhas amizades pessoais, o que reforça – creio eu – o distanciamento pessoal e a objetividade do que aqui afirmo, digo que ser excluído de uma lista de Personalidades Negras Notáveis por uma Personalidade Negra Desprezível não deixa de ser uma luminosa homenagem.

Será necessário esperar muitos e muitos e muitos anos para ter de novo nomes como os de Benedita da Silva, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Elza Soares, Martinho da Vila, Alaíde Costa, Emanoel de Araújo, Paulo Paim, Zezé Motta – e estou me referindo apenas aos que conheci ao vivo – iluminando cada hora de cada dia de nossa vida.

E espero, do mais fundo da minha cansada alma, que nunca jamais este país dilacerado e violado torne a tropeçar como uma figura vergonhosa e desprezível em toda e qualquer dimensão como Sérgio Camargo, um negro extremamente racista, ocupando qualquer posto que seja.

Que quando termine esse pesadelo sem fim ele volte ao bueiro de onde jamais deveria ter sido içado.

Escrito por:

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

1 comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *