Siegessäule, o Obelisco da Vitória, erguido em 1873 em Berlim.

Confissão de cansaço

12 de junho de 2020, 17:18

Por Luís Costa Pinto

Maio de 1989.
Berlim ainda era uma cidade dividida pelo muro que separava dois mundos, o da economia planificada e o da economia de mercado.
Num sábado de manhã, cedo, antes das 8h, deixei o hotel em que estava, cruzei o Tiergarten e fui novamente à Siegessäule. A bela Coluna da Vitória erguida pelos alemães em 1873 para celebrar um ciclo de guerras vencidas sobre a Áustria, a Dinamarca e a França, parecia esperar-me impávida.

(Pelo amor de Deus, não me venham bancar os patrulheiros de lembranças e querer editar o lugar de fala de minhas memórias… Segue:
Abaixo do obelisco há quatro túneis que se encontram em forma de cruz. Na escada de um deles, na face contrária àquela que entrei pela avenida do Tiergarten, um saxofonista solitário executava Miles Davis divinamente.)


Minha pretensão era só passar no obelisco germano-prussiano antes de voltar para o Brasil. O repertório do saxofonista, vasto e intenso, levou-me a sentar dentro dos túneis para absorver toda a acústica. Fiquei horas, esqueci até de bater perna pela Ku’Damm, à época uma bem estudada vitrine do Ocidente para impressionar a Cortina de Ferro. Havia visitado Berlim Oriental nos dois dias anteriores.
Bebi e fumei os acordes do solo de sax por onde evaporavam as notas de Miles Davis (hiperlink para uma trilha aqui). Sabia bem o que fazer com os meus 19 anos. Levantei, decidi que casaria ao voltar para o Recife, e que mergulharia fundo na vida de jornalista porque a redemocratização do país assim o exigia. Tracei como meta morar, em algum momento, em São Paulo e em Brasília.
Desembarquei no Recife na manhã seguinte, formei-me numa universidade pública (UFPE) e casei um ano depois. Tudo junto e quase simultâneo. Separei-me e casei de novo. Essa parte parou por aí, e vai bem, obrigado. Mudei para Brasília, para São Paulo, voltei para Brasília.
Houve esperança no ar e futuro à frente por todo esse tempo. Era assim até o início do Grande Desmantelo, em 2016.
Sinceramente? Sinto que cansei; e temo não ter cansado sozinho. Percebo que parte de minha geração, mal entrada nos 50, cansou também.
Durante todo o dia de hoje senti profunda nostalgia da energia que entrou em mim, carregada pelas notas musicais de um saxofonista solitário, num sábado do último ano uma década de 1980. Aqueles tempos nos estimulavam a sonhar e a lutar.
Que pena.

Siegessäule, o Obelisco da Vitória de 1873. Cenário perfeito de uma manhã nostálgica

Escrito por:

Jornalista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *